Por César Benjamin
Chego de viagem e encontro
os jornais com a cobertura da morte de Fidel Castro. Fico espantado com o nível
dos repórteres enviados a Havana. Nenhuma informação relevante, nenhuma
entrevista interessante.
No facebook há de tudo, contra e a favor. Mas há,
sobretudo, desinformação.
Não tenho tempo para escrever com mais detalhes as minhas
impressões sobre Cuba e Fidel. Serei telegráfico e apontarei apenas um ponto de
partida.
Os Estados Unidos são a expressão de um projeto
geopolítico extremamente bem-sucedido. Por meio de guerras, anexações e
negociações, as treze colônias inglesas originais, relativamente pequenas e
concentradas na costa leste, formaram o grande território bioceânico que
conhecemos. O projeto original previa, explicitamente, que ele deveria ter três
projeções extracontinentais: o Havaí (uma base avançada no oceano Pacífico),
Porto Rico e Cuba (que garantiriam o controle do Caribe).
Havaí e Porto Rico foram devidamente fagocitados. Em Cuba,
o projeto americano se chocou com o domínio da Espanha. As duas potências
passaram a disputar o controle de um território que durante muito tempo só
conheceu duas possibilidades: colônia espanhola ou protetorado americano.
Na segunda metade do século XIX um movimento endógeno,
liderado pelo escritor e poeta José Martí, propôs outro caminho: Cuba seria uma
nação.
Martí morreu em combate e seu movimento foi derrotado. Na
sequência dos acontecimentos, os Estados Unidos suplantaram a Espanha e
estabeleceram o desejado protetorado em Cuba, completando o desenho geopolítico
imaginado pelos fundadores da nação americana. Formou-se na ilha uma elite
associada a esse projeto.
A Revolução de 1959 foi uma retomada explícita do projeto
de Martí, com forte componente nacional e extensa base popular. A ideia de
edificar a nação cubana tornou-se, finalmente, hegemônica. É ela que explica,
até hoje, tanto a espantosa legitimidade da Revolução em Cuba, apesar de todas
as dificuldades, quanto a tenaz oposição a ela por parte dos Estados Unidos:
quem é vocacionado para a hegemonia não aceita ser derrotado.
Dos dois lados, há memórias e princípios em jogo.
Qualquer avaliação do processo cubano, a meu ver, deve começar por aí, para em
seguida reconhecer que a revolução nacional cubana sofreu todas as
consequências de ter sido realizada no auge da Guerra Fria, quando os povos
haviam perdido o direito de construir suas próprias histórias. Todos os
acontecimentos, em qualquer parte do mundo, eram logo enquadrados na lógica da
confrontação entre os dois grandes blocos de então.
Tudo isso marcou profundamente os caminhos da pequena
Cuba independente.
Não creio que as discussões que se estabelecem em torno
de categorias abstratas – “capitalismo” e “socialismo”, por exemplo – possam
descrever o real. O que há, sempre, são processos históricos cheios de
especificidades.
Torço para que Cuba mantenha seu projeto nacional, que
apresenta importantes conquistas, e saiba corrigi-lo, libertando-se da parte
ruim da herança de uma época que já acabou. Tenho muitas evidências de que o
governo e a sociedade cubana têm plena consciência disso e querem caminhar
nessa direção. É o que importa. O resto é guerra de propaganda.
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Fonte: Texto socializado pelo autor.