segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Cuba, Fidel e a (des)informação

Por César Benjamin 

Chego de viagem e encontro os jornais com a cobertura da morte de Fidel Castro. Fico espantado com o nível dos repórteres enviados a Havana. Nenhuma informação relevante, nenhuma entrevista interessante.
No facebook há de tudo, contra e a favor. Mas há, sobretudo, desinformação.
Não tenho tempo para escrever com mais detalhes as minhas impressões sobre Cuba e Fidel. Serei telegráfico e apontarei apenas um ponto de partida.
Os Estados Unidos são a expressão de um projeto geopolítico extremamente bem-sucedido. Por meio de guerras, anexações e negociações, as treze colônias inglesas originais, relativamente pequenas e concentradas na costa leste, formaram o grande território bioceânico que conhecemos. O projeto original previa, explicitamente, que ele deveria ter três projeções extracontinentais: o Havaí (uma base avançada no oceano Pacífico), Porto Rico e Cuba (que garantiriam o controle do Caribe).
Havaí e Porto Rico foram devidamente fagocitados. Em Cuba, o projeto americano se chocou com o domínio da Espanha. As duas potências passaram a disputar o controle de um território que durante muito tempo só conheceu duas possibilidades: colônia espanhola ou protetorado americano.
Na segunda metade do século XIX um movimento endógeno, liderado pelo escritor e poeta José Martí, propôs outro caminho: Cuba seria uma nação.
Martí morreu em combate e seu movimento foi derrotado. Na sequência dos acontecimentos, os Estados Unidos suplantaram a Espanha e estabeleceram o desejado protetorado em Cuba, completando o desenho geopolítico imaginado pelos fundadores da nação americana. Formou-se na ilha uma elite associada a esse projeto.
A Revolução de 1959 foi uma retomada explícita do projeto de Martí, com forte componente nacional e extensa base popular. A ideia de edificar a nação cubana tornou-se, finalmente, hegemônica. É ela que explica, até hoje, tanto a espantosa legitimidade da Revolução em Cuba, apesar de todas as dificuldades, quanto a tenaz oposição a ela por parte dos Estados Unidos: quem é vocacionado para a hegemonia não aceita ser derrotado.
Dos dois lados, há memórias e princípios em jogo. Qualquer avaliação do processo cubano, a meu ver, deve começar por aí, para em seguida reconhecer que a revolução nacional cubana sofreu todas as consequências de ter sido realizada no auge da Guerra Fria, quando os povos haviam perdido o direito de construir suas próprias histórias. Todos os acontecimentos, em qualquer parte do mundo, eram logo enquadrados na lógica da confrontação entre os dois grandes blocos de então.
Tudo isso marcou profundamente os caminhos da pequena Cuba independente.
Não creio que as discussões que se estabelecem em torno de categorias abstratas – “capitalismo” e “socialismo”, por exemplo – possam descrever o real. O que há, sempre, são processos históricos cheios de especificidades.
Torço para que Cuba mantenha seu projeto nacional, que apresenta importantes conquistas, e saiba corrigi-lo, libertando-se da parte ruim da herança de uma época que já acabou. Tenho muitas evidências de que o governo e a sociedade cubana têm plena consciência disso e querem caminhar nessa direção. É o que importa. O resto é guerra de propaganda.

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Fonte: Texto socializado pelo autor.