Sabemos que, ao dizer Alles nahe werd fern (tudo que é próximo se afasta), Goethe tinha em atenção o crepúsculo do "findar da tarde", mas a assertiva goetehana teve desdobramento, na pena, por exemplo, do argentino Jorge Luís Borges. Caminhando pela rua em Buenos Aires que hoje leva o seu nome, Borges colocou em realce que o dito pelo alemão pode ter como endereço a própria vida, às perdas que ela impõe a todos ao longo dos tempos. Privado da visão, na escuridão da cegueira, Borges foi emblemático: "Ao entardecer, as coisas mais próximas já se afastam de nossos olhos, (...) Todas as coisas vão-nos deixando." Decerto afigurou-se melancólico que o mundo visível se tenha afastado dos olhos de Borges quando da manifestação crepuscular de uma existência que, pela sua produção espiritual, negava o perecer e o sagrava pela consagração da sua obra. Via de regra, os ocidentais lidam mal com a morte; logo ignoram o que, na virtude, deve ser a sabedoria da vida. Pelo que apenas quedam-se em dor e sofrimento perante o crepúsculo da existência. Nos seus escritos da maturidade, Hegel assinalou: "O homem [no sentido de ser humano] é essa noite, esse Nada [Néant] vazio, que contém tudo em sua simplicidade indivisa: uma variedade de um número infinito de representações, de imagens, das quais nenhuma lhe vem à mente com clareza, ou [ainda] que não estão [ali] como realmente-presentes. É a noite, a interioridade ou intimidade da Natureza que existe aqui: [o] Eu-pessoal puro. Em representações fantasmagóricas, tudo ao redor está escuro: surge então uma cabeça ensanguentada aqui; mais adiante outra aparição branca; e elas desaparecem também de repente. É essa noite que se percebe quando se olha bem nos olhos de um homem: [mergulha-se o olhar] numa noite que torna-se terrível; é a noite do mundo que se apresenta [então] a nós". Deveríamos pensar mais na vida, ou melhor, no modo de vivê-la...
Esse é um sentimento que, talvez, ocorra a muitas pessoas apenas perante uma grande tragédia, como o atual acidente com a equipe de futebol Chapecoense. É uma pena que assim o seja. As palavras de Hegel e o choque causado pelo referido acidente fazem-me lembrar o dito por Norberto Bobbio em uma das últimas últimas aparições públicas, em entrevista - 'a última lição'. Segue aí abaixo. De resto, sabedoria da virtude. Virtù. Vita brevis.