domingo, 13 de novembro de 2016

Objeto quase: respirar e pensar

“E agora, a pergunta fundamental: para que serve o cérebro? Serve para tudo porque serve para pensar. Mas, atenção, não vamos cair agora na superstição comum de que tudo o quanto enche o crânio está relacionado com o pensamento e os sentidos. Imperdoável engano, senhoras e senhores. A maior parte desta massa contida no crânio nada tem que ver com o pensamento, não risca nada para aí. Só uma casca muito fina de substância nervosa, chamada córtice, com cerca de três milímetros de espessura, e que cobre a parte anterior do cérebro, constitui o órgão da consciência. Repare-se, por favor, na perturbadora semelhança que há entre o que chamamos um microcosmo e o que chamaremos macrocosmo, entre os três milímetros de córtice que nos permitem pensar e os poucos quilômetros de atmosfera que nos permitem respirar, insignificantes uns e outros e todos, por sua vez, em comparação nem sequer com o tamanho da galáxia, mas com o simples diâmetro da terra”.  

(José Saramago, Objecto Quase, 11 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1994, p. 28).