“E agora, a pergunta fundamental: para que serve o
cérebro? Serve para tudo porque serve para pensar. Mas, atenção, não vamos cair
agora na superstição comum de que tudo o quanto enche o crânio está relacionado
com o pensamento e os sentidos. Imperdoável engano, senhoras e senhores. A
maior parte desta massa contida no crânio nada tem que ver com o pensamento,
não risca nada para aí. Só uma casca muito fina de substância nervosa, chamada
córtice, com cerca de três milímetros de espessura, e que cobre a parte
anterior do cérebro, constitui o órgão da consciência. Repare-se, por favor, na
perturbadora semelhança que há entre o que chamamos um microcosmo e o que chamaremos
macrocosmo, entre os três milímetros de córtice que nos permitem pensar e os
poucos quilômetros de atmosfera que nos permitem respirar, insignificantes uns
e outros e todos, por sua vez, em comparação nem sequer com o tamanho da
galáxia, mas com o simples diâmetro da terra”.
(José Saramago, Objecto
Quase, 11 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1994, p. 28).