Dizia o líder da unificação alemã, Bismarck, que os cidadãos não poderiam dormir tranquilos se soubessem como são feitas as salsichas e as leis, e então, depreende-se, resistiriam a comer as primeiras e a obedecer as últimas. Fazendo um paralelo, pode-se dizer sobre a mídia: se as pessoas soubessem como são fabricadas as machetes pela imprensa, talvez pesassem mais antes de acreditar nas "notícias" que tvs, rádios e jornais divulgam. De resto, acrescente-se que, quando o ambiente de debate está degradado, a primeira vítima é a verdade. Números e informações são distorcidos, para se produzir manipulação. É isso que mostra o sociólogo Macos Coimbra no texto aí abaixo, a respeito de pesquisas recentes que têm sido divulgadas e repercutidas pela grande imprensa brasileira.
Dez técnicas usadas pela mídia para manipulação, conforme o sociólogo e linguista estadunidense Noam Chomsky |
Por Marcos Coimbra
Com o governo provisório no
terceiro mês e uma perspectiva cada vez maior de permanência, a lua de mel de
Michel Temer com os integrantes da aliança que o levou ao poder atravessa seu
melhor momento. Parecem todos felizes.
Especialmente
após um fim de semana em que a “grande imprensa” os presenteou com boas
notícias, oferecidas de bandeja pelo instituto Datafolha, do jornal Folha de S.
Paulo.
Há
maneira melhor de acordar no domingo e saber que “cresce o otimismo com a
economia”, como garantiu o matutino em manchete?
Ou
de ir dormir assistindo ao programa Fantástico, da TV Globo, e ouvir que
“metade dos brasileiros prefere o presidente em exercício à presidente
afastada” e que “para 50% dos entrevistados, Michel Temer deve continuar no
mandato até 2018”?
Foi
quase uma diplomação.
Há
força maior do que a Globo declarar que “Temer deve continuar”, escolhendo um
verbo imperativo que sequer constava do questionário da pesquisa? Os senadores
que entendam a instrução…
Com
o início caótico do governo, a perplexidade assombrava os amigos de Temer. De
trapalhada em trapalhada, ele e equipe estavam acabando por fazer o que parecia
impossível, recuperar a imagem de Dilma Rousseff. Depois de tanto esforço para
destruí-la, do enorme custo que sua derrubada representou para o Brasil.
Os
envolvidos no impedimento de Dilma precisavam de um alento, para consumo
interno e internacional. De algo que sugerisse que o governo interino dispunha
da confiança da população e do mínimo de legitimidade que se exige nas
sociedades democráticas modernas.
E,
como não tinham “boas notícias” de verdade para oferecer, inventaram algumas.
Apesar
do otimismo do Datafolha, no mundo real as expectativas a respeito da economia
continuam muito negativas.
Seja
em relação à inflação, seja ao desemprego, a vasta maioria das pessoas olha
para o futuro com apreensão. É o que mostram as pesquisas e é para onde apontam
os indicadores objetivos.
O
mercado imobiliário está estagnado e patina a compra de bens duráveis. Por
receio, as pessoas não querem se endividar.
Tais
sentimentos decorrem do longo processo de construção da ideia de que “estamos
em crise”, ao qual os partidos que voltaram ao governo com Temer, o
empresariado e a mídia se dedicaram nos últimos anos, mais especificamente,
desde o primeiro semestre de 2013. Fez parte do esforço para derrubar o governo
do PT e foi bem-sucedido: as pessoas se convenceram de que “a crise é grave”.
Chega
a ser cômico supor que, apenas dois meses depois de empossado, Temer fosse
capaz de reverter essas expectativas, como a manchete da Folha sugere nas
entrelinhas e como afirmou peremptoriamente a TV Globo: “Em fevereiro deste
ano, com Dilma na Presidência, 72% acreditavam que a inflação ia subir. Agora,
com Michel Temer, caiu para 60%”.
A
realidade, como mostrou a pesquisa Vox Populi de junho, é outra.
Temer
chegou ao Planalto em meio a graves preocupações da população com a economia,
em particular com o desemprego: 56% dos entrevistados disseram acreditar que o
problema iria aumentar, além de outros 21% que afirmaram que “não iria mudar”.
Em
cada cinco pessoas, apenas uma imaginava que diminuiria.
O
mesmo vale para a despropositada conclusão de que metade dos brasileiros acha
que Temer “deve continuar até 2018”.
Por
razões que não explicou, o Datafolha deixou de fazer a pergunta relevante a
respeito do que a população deseja como solução da crise política atual. Mas
vários institutos a fizeram.
Na
pesquisa Vox, 67% dos entrevistados responderam que “o Brasil deveria fazer uma
nova eleição ainda este ano”.
Também
em junho, a pesquisa CNT/MDA indicou que 50% afirmaram que “a eleição para
presidente (…) deveria ser antecipada para este ano”.
Em
abril, o Ibope já havia mostrado que 62% achavam que “a melhor maneira de
superar a crise política” era “Dilma e Temer saírem e ocorrer nova eleição”.
De
pouco adianta declarar que existem sentimentos inexistentes.
Não
é porque leem que as pessoas estão otimistas que elas mudam de opinião,
esquecendo seu pessimismo.
Não
é porque a TV Globo decretou o que “deve” acontecer que elas passam a desejar
aquilo que não querem.
O
Brasil dessa pesquisa do Datafolha não é real.
Como
dizia Garrincha em sua frase inesquecível, para que fosse verdadeira, falta um
detalhe: combinar com o povo.
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