segunda-feira, 1 de agosto de 2016

A inviabilidade do Brasil e a derrota da sociedade




Por Aldo Fornazieri
(Professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo)

O fracasso do projeto do PT disseminou e reforçou a crença de que o Brasil é um país inviável do ponto de vista da constituição de um elevado padrão de justiça social e igualdade, de desenvolvimento econômico social e de sustentabilidade ambiental. Acreditava-se que o PT removeria os mecanismos estruturais da desigualdade, que reformaria as instituições políticas, que modernizaria e imprimiria eficiência à administração pública, que adotaria elevados padrões de moralidade, que faria uma revolução na educação, que constituiria uma Era de direitos garantidos e que abriria as portas para um novo período histórico de desenvolvimento tecnológico, econômico, social e ambiental. A projeção ideal desse projeto não só não avançou a contento, mas viu-se interrompida pelo fracasso governamental da gestão de Dilma Rousseff e submergiu afogada diante de graves denúncias de corrupção, jogando o PT na vala comum dos demais partidos dos quais havia pregado enormes diferenças.
Que as elites econômicas e políticas tradicionais do Brasil nunca foram capazes e nunca quiseram construir um projeto de modernização do país sempre se soube e o PT, na oposição, denunciava com veemência este descompromisso histórico que mantinha o povo manietado à iniquidade. Essas denúncias e a projeção ideal de uma possível transformação geraram esperanças no projeto do PT. Que este projeto sucumbisse de forma desmoralizada é algo a se registrar como um lamento e um desencanto nas páginas da história.
Nenhum povo está condenado a um passado eterno de opróbrio e ignomínia. Disso deram provas os persas e hebreus antigos. Nenhum povo está condenado à irrelevância: disso deram provas os romanos antigos e os americanos modernos. Mas para que essas situações de tragédia sejam superadas são necessários ou líderes virtuosos ou povos virtuosos ou ambos combinados. Na verdade, a existência de um desses fatores sempre tende a gerar o outro.
Pois bem, o Brasil nunca teve e não tem nem um e nem outro desses fatores. O Brasil padece de um problema genético-histórico, sem a superação do qual estaremos condenados à trágica normalidade, à irrelevância e à iniquidade: O povo enquanto povo, no sentido de Maquiavel, de Rousseau e de Hegel, nunca se autoconstituiu como uma comunidade política de destino. O Brasil não teve um evento histórico no qual fosse fundado pelo povo. Na Independência, na Republica e em outros episódios nunca tivemos um momento de “terror fundante” no qual a cabeça dos malvados fosse cortada e a res publica e a sua lei fossem validadas pela espada e pela infusão do temor do castigo. Mal fundados, permaneceremos um povo desorientado, um país perdido na tentativa de remediar-se por um cipoal de leis que não vingam porque não são expressão autêntica das necessidades sociais.

A estatolatria e a sociedade anêmica
O Brasil sempre andou pelas mãos do Estado opressor, violento, patrimonialista, paternalista e excludente. Aqui o Estado é tudo, a sociedade é gelatinosa, inorgânica, desarticulada - para usar termos gramscianos. Aqui todos acorrem ao Estado: a esquerda, o centro, a direita, os progressistas, os liberais e os conservadores. Os movimentos sociais, os grupos étnicos, as ONGs, com algumas exceções, também correm para o Estado: querem uma secretaria, um ministério, verbas, funcionários, isenções.
Os maiores estatólatras são os empresários das mais diversas atividades, do agronegócio às micro e pequenas empresas, passando pelos grandes bancos. Todos querem benefícios, incentivos fiscais e privilégios, em múltiplos processos que drenam bilhões de reais dos recursos públicos para grupos privados. O sistema tributário no Brasil foi feito para que os que ganham mais paguem pouco ou nenhum imposto.
O Simples, o Supersimpes e as MEIs provocam gravíssimas distorções em favor dos que ganham mais dentro dos respectivos patamares de isenção, como mostram estudos do Centro de Cidadania Fiscal. Outros estudos revelam que as isenções fiscais de produtos da cesta básica beneficiam menos os mais pobres e mais as maiores faixas de renda. Ou seja, mesmo os mecanismos que são criados para, supostamente, beneficiar os mais pobres terminam beneficiando os que ganham mais. Boa parte dos jovens da classe C trabalha durante o dia e estuda em faculdade privada à noite. Enquanto isto, nas universidades públicas a maioria dos estudantes pertencem a famílias com faixas de renda superiores. O Brasil é um país sui generis: tira dos pobres para dar aos ricos.
Na presente conjuntura, em face da crise fiscal, a educação e a saúde, entre outros direitos, começam a ser as primeiras vítimas. Mas, como alguns analistas têm notado, a PEC 241/16, não é uma simples medida de ajuste fiscal. Ela representa a captura do Estado pelo sistema financeiro. Enquanto a maior parte dos gastos públicos, particularmente os gastos com os programas sociais, terão uma trava, os gastos com juros permanecerão livres desse limite. Trata-se de um artifício técnico para tirar poder do governo político, eleito pelo povo, e dos próprios representantes na Câmara dos Deputados, que não terão poder de decidir dentro das regras orçamentárias sobre parte dos recursos por um período de 20 anos se a Emenda for aprovada. Em outras palavras, limita-se a própria soberania popular, expressa através do voto, por um mecanismo que captura o Estado e a democracia em favor de determinados interesses.
A sociedade brasileira, nos ambos os lados da presente polarização, está saindo derrotada do atual processo político. Aqueles que queriam a saída de Dilma se mobilizaram julgando que a corrupção é o maior problema do país. Bastaria remover os corruptos e o Brasil voltaria a andar. De fato, a corrupção é um enorme problema, mas não é o maior. Parte dos manifestantes viu sair o governo do PT para acender o governo do PMDB e aliados, numa espécie de sindicato dos corruptos. As grandes manifestações contra a corrupção e pelo impeachment estão deixando como saldo um pouco mais que nada. Não resultou um salto organizativo da sociedade civil. Os políticos no Congresso decidem o afastamento de Dilma tomando as manifestações apenas como pretexto. O que vale são seus interesses próprios.
Hoje, boa parcela dos que não queriam Dilma também não quer Temer. Não lhes resta outro consolo do que o amargor de uma derrota e a sensação de que foram enganados. As páginas da história haverão de registrar as grandes manifestações como um passear de multidões a serviço, não da sociedade, mas dos políticos, muitos deles corruptos, pois, mais uma vez, a transição está ocorrendo pelo alto, pelo Estado.
Os partidos de esquerda estão enredados na sua trágica incompetência. Os que lutam e olham o futuro a partir da perspectiva da sociedade são poucos e não têm uma representação e um enraizamento nacional e nem um projeto de refundação do Brasil.  Essas forças novas que surgiram no processo dos últimos meses são incipientes, embora tenham uma semente de futuro, uma bruxuleante luz de esperança.

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Fonte: Jornal GGN - http://jornalggn.com.br/. 


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