Desde que Robert Michels cunhou a expressão lei de ferro da oligarquia, para designar o mandonismo em partidos e sindicatos, a ciência social passou a dispor de um consistente dispositivo analítico para abordar a dinâmica dessas organizações e evidenciar como, muitas vezes, militantes e dirigentes agem movidos por razões não reveladas e pelo puro calculismo utilitarista da relação custo-benefício (político, mas também de retorno pessoal). Contudo, a questão é que a política requer princípios, e o referido comportamento não se coadune com uma postura que os pressuponha. Na atual conjuntura brasileira, o caso Dilma Rousseff é paradigmático a esse respeito: a direção nacional do seu partido ecoa o golpe da sua deposição, mas, contradizendo esse eco, foi tomando distância dos esforços da Presidente em retornar ao cargo, atirando-lhe à solidão política. Às vésperas do julgamento do afastamento definitivo, a direção partidária dinamitou a última bandeira da Presidente afastada, levantada aos senadores como um aceno para a sua volta, qual seja: a realização de um plebiscito a respeito de novas eleições presidenciais. Mas a direção partidária continuará a ecoar o golpe até as eleições de 2018, num misto de arrivismo e oportunismo que um determinado tipo de esquerda (da maruagem de bastidores), sem nada aprender com a história, é useira e vezeira. Já Dilma Rousseff, condenada à perda do mandato sem implicação comprovada/obtenção de benefício pessoal nos casos de corrupção, viverá o ostracismo imposto pelos adversários e também pelo 'fogo amigo' da direção do seu partido. O artigo aí abaixo, sintomaticamente intitulado originalmente 'PT rasga bandeira de Dilma', do jornalista Bernardo Mello Franco, é lapidar a respeito desse assunto, que só a observação mais atenta tem percebido, afinal a maioria das pessoas tende a olhar apenas para a árvore, e 'quem só olha para a árvore, não vê a floresta'.
Modus operandi de distintas oligarquias: 'lei de ferro' dos seus interesses |
Por Bernardo Mello Franco
Às vésperas do julgamento
final do impeachment, a direção do PT rasgou a última bandeira de Dilma
Rousseff: a realização de um plebiscito para antecipar as eleições
presidenciais de 2018.
A presidente afastada levou meses para encampar a ideia
levada por senadores amigos. Quando finalmente decidiu aceitá-la, foi sabotada
por seu próprio partido. A executiva petista rejeitou a proposta por ampla maioria : 14
votos a 2.
A decisão é um presente para os escudeiros de Michel
Temer. Na próxima segunda, quando Dilma enfrentar o plenário do Senado, eles
poderão fazer uma pergunta irrespondível: "Como a senhora vem cobrar nossa
adesão a uma ideia que nem o seu partido apoia?".
O plebiscito surgiu como uma ideia exótica e de difícil
execução. Depois que o processo de impeachment avançou, tornou-se uma proposta
extemporânea. Ainda assim, parecia manter amplo apoio popular. No mês passado,
62% dos entrevistados pelo Datafolha defenderam a realização de novas eleições
presidenciais.
A pesquisa mostrou um quadro de insatisfação geral com a
chapa eleita em 2014. Por um lado, apenas 32% dos eleitores eram favoráveis à volta de Dilma.
Por outro, só 14% aprovavam o governo Temer.
Se a promessa do plebiscito não seria mais capaz de
salvar o mandato de Dilma, ao menos permitiria a ela se despedir com um
discurso de apelo popular. Isso explica por que os políticos que ainda
frequentam o Palácio da Alvorada ficaram tão irritados com o desdém do PT.
O partido avalia que antecipar a eleição seria um tiro no
pé. O petismo só teria chances de voltar ao poder em 2018, e na hipótese de o
governo Temer se desmanchar até lá. Neste cenário, Lula poderia ser candidato
com a promessa de retorno aos tempos de bonança. O problema deste raciocínio é
que o futuro do ex-presidente depende cada vez menos dele, e cada vez mais da Lava Jato.
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Fonte: Folha de São Paulo, versão para assinantes, edição do dia 25/08/2016.