domingo, 3 de julho de 2016

"Teorias" sobre o preço do feijão e "cientistas sociais" de redes sociais

Os "cientistas sociais" de redes sociais estão a todo vapor com "teorias" sobre o aumento do preço do feijão. Basicamente, contudo, a coisa está mais para o cômico. Claro, são explicações rasas e sem fundamento. Um estudante, a meio do curso, versado na boa história econômica, logo pode demonstrar isso. Mas, considerando que o país vive atualmente uma espécie de teatro do absurdo, abordagens absurdas circulam sem cerimônia. A marcha da insensatez. Tudo tende a cair na dicotomia da cisão e refrega políticas. Maniqueísmo. Em situações assim, a verdade dos fatos passa a ser a primeira vítima. E quando a mentira premeditada, sistemática e deliberada passa a ser arma na disputa política, para imputar falsidades, é porque realmente se está muito mal. A anomia está corroendo a sociedade. Aí abaixo, um breve texto (preliminar) a respeito da 'questão do feijão'. Voltarei ao assunto. 

A área plantada com feijão, o vilão do momento, diminuiu 36% desde 1990, enquanto a população aumentou 41% - Créditos: Divulgação

Por Alan Tygel 

Na última semana, fomos bombardeados pelas notícias sobre a alta no preço do feijão. O povo, chocado em ver o quilo passando de R$10, ouviu as mais diversas explicações dos analistas: geada e muita chuva no sul, falta de chuva em outras regiões, e até o boato de que uma pequena doação para Cuba feita em outubro de 2015 teria sido a causa da escassez. A solução mágica apresentada pelo ministro interino da agricultura, o Rei da Soja, foi zerar a taxa de importação para facilitar a entrada de feijão estrangeiro.
O que estranhamente não saiu em lugar nenhum foi um elemento muito simples: o agronegócio brasileiro não se preocupa em produzir alimentos para o Brasil. E isso fica muito claro quando olhamos a mudança na utilização das terras no país. Nos últimos 25 anos, houve uma diminuição profunda na área destinada à plantação dos alimentos básicos do nosso cardápio. A área de produção de arroz reduziu 44% (quase metade a menos), e a mandioca recuou 20%.
A área plantada com feijão, o vilão do momento, diminuiu 36% desde 1990, enquanto a população aumentou 41%. Apesar de ter havido um aumento na produtividade, a diminuição da área deixa a colheita mais vulnerável e suscetível a variações como estamos vendo agora.
E o agronegócio?
Os grandes latifundiários do Brasil, aliados aos políticos da bancada ruralista, à multinacionais de agrotóxicos e sementes como Bayer, Monsanto e Basf, e às empresas que dominam a comunicação no país não estão preocupadas com a alimentação da população. Estes atores compõem o chamado agronegócio, que domina a produção agrícola no Brasil, e vê o campo apenas como local para aumentar suas riquezas.
Isso significa, na prática, produzir soja e milho para alimentar gado na Europa e na China, enquanto precisamos recorrer à importação de arroz, feijão e até do próprio milho para as festas de São João. Exportamos milho, e agora precisamos importar o milho. Faz sentido?
No mesmo período em que a área plantada de arroz e feijão caiu 44% e 36%, respectivamente, a área de soja aumentou 161%, enquanto o milho aumentou 31% e a cana, 142%. Somados os três produtos, temos 72% da área agricultável do Brasil com apenas 3 culturas. São 57 milhões de hectares que ignoram a cultura alimentar e a diversidade nutricional do nosso país em favor de um modelo de monocultura, que só funciona com muito fertilizante químico, semente modificada e veneno, muito veneno.
No caso da cana e da soja, é fácil entender que não são alimentos, e sim mercadorias ou (commodities) que vão ser comercializadas nas bolsas de valores pelo mundo. No caso do milho, basta ver que em 2015 foram exportados 30 milhões de toneladas de milho, em relação direta com a alta do dólar. Com o preço da moeda americana em alta, vale mais à pena exportar do que vender aqui. Assim, o que sobra no Brasil não é suficiente para o nosso consumo, e por isso temos que importar, o que também irá pressionar o preço. Hoje é o feijão, logo, logo, será o milho que vai explodir de preço.
Outro aspecto importante é analisar que quem bota o feijão na mesa do povo é a agricultura familiar. Os dados ainda de 2006 mostram que 80% da área plantada de feijão (e 70% a produção) são da agricultura familiar. E esta agricultura não tem espaço no reino do agronegócio.
O agronegócio ameaça a soberania alimentar no Brasil. Ao deixar de plantar comida para plantar mercadorias, ficamos extremamente dependentes do mercado externo, e vulneráveis às mudanças climáticas.

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 Fonte: http://jornalggn.com.br/

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