O debate sobre o Estatuto do Desarmamento e a posse de armas tem chamado a atenção. Não é, contudo, um debate simples, dicotômico e maniqueísta, numa espécie de "delonga caricaturada de bem & mal". Quando as coisas são postas assim, a mediocridade nas abordagens campeia. Argumentos são substituídos por discursos vazios, e o resultado das duas posições em discussão nunca chega a bom porto. De resto, é um tanto hipócrita ver o tom lacrimoso de autoridades estadunidenses, diante das tragédias com armas, mas sem que elas (autoridades) tenham, contudo, nenhuma contenção na venda de armamento para inúmeros países, alguns inclusive que atualmente abrigam o Estado Islâmico. Armas que matam inocentes crianças, como ocorre no Oriente Médio. Pois bem, o pesquisador Fabrício Rebelo atribuiu-se um hard work: evidenciar que o direito ao porte de armas é algo passível de abordagem em termos argumentativos, e não como apologia à violência em si. Trata disso enfocando a discussão sobre o Estatuto do Desarmamento. No texto aí abaixo. Alimentando o debate, em breve, reproduzirei artigo de um outro pesquisador em segurança pública com posição diferente.
Fabrício Rebelo
(Pesquisador em
segurança pública, bacharel em direito e editor do portal Direito)
As discussões sobre os temas
que tramitam no Congresso, embora variem quanto à matéria que abrigam, seguem
um roteiro típico, em que as expressões "avanço" e
"retrocesso" se alternam conforme o apoio ou a rejeição a uma
determinada proposta. Não é diferente com o projeto de lei que revoga o
Estatuto do Desarmamento, recentemente aprovado em comissão especial na Câmara
dos Deputados.
Os
críticos da proposta entoam em conjunto o mesmo discurso: revogar o estatuto é
um retrocesso. E eles estão certos, mas não como pretendem.
Retrocesso,
segundo o dicionário Michaelis, tem como uma de suas definições a "ação de
voltar a um estado anterior".
E é
exatamente isso o que faz o projeto de lei 3.722/12, ao revogar a lei pela qual
a posse e o porte de armas se tornaram proibidos, com raríssimas exceções, e
instaurar um regramento geral que restabelece a possibilidade de acesso. O que
o projeto pretende, pois, é voltar ao sistema que existia antes do estatuto, ou
seja, retroceder.
Isso
é ruim? Salvo por convicções ideológicas, não há como responder afirmativamente
a essa pergunta. Todos os indicadores de criminalidade disponíveis apontam que,
caso retrocedamos à realidade anterior ao Estatuto do Desarmamento, estaremos
em situação melhor.
Foi
depois do estatuto que a taxa média de homicídios no Brasil, segundo o Mapa da
Violência, saiu de 26,44 por cem mil habitantes (1995 a 2003) para 26,80 (2004
a 2012). Foi com ele que o uso de armas de fogo nos homicídios aumentou de
64,95% (1995 a 2003) para 70,81% (2004 a 2012).
Foi
também sob a vigência do estatuto que batemos o recorde oficial de
assassinatos, com 56.337 casos em 2012 – que hoje, segundo os sempre mais
modestos dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, já batem na casa dos
60 mil. Nossa segurança pública piorou com a lei vigente, e isso é um fato
objetivamente comprovável.
Evidentemente,
não se pode resumir a discussão sobre segurança pública a um aspecto legal
pontual. Quem pretender fazê-lo cometerá um erro crasso, semelhante ao de quem
atribui à lei atual o fictício salvamento de milhares de vidas.
Segurança
pública é uma área complexa, em que são diversos os fatores que determinam
melhores ou piores resultados. Ainda assim, não há suporte científico para jogar
o desarmamento civil dentre os que a beneficiam.
É
necessário ficar claro que, ao debater proibições ou permissões ao acesso a
armas de fogo, não tratamos de algo inédito.
Vivemos,
apenas nos últimos 30 anos, dois momentos absolutamente distintos no país,
saindo de uma realidade em que portar uma arma sem autorização sequer era crime
para uma lei das mais duras do mundo, estruturada sobre a premissa da proibição
total. E a evolução criminal registrada em cada um dos períodos é clara: havia
menos crimes antes, sobretudo os letais.
Portanto,
se revogar o Estatuto do Desarmamento é um retrocesso, não há dúvida de que
isso é bom. Significaria voltar a uma realidade de maior paz social, na qual,
sob a dúvida de serem confrontados com armas, os criminosos não agiam de forma
tão ousada. Não invadiam residências, não faziam arrastões ou matavam quem já
haviam roubado. Exatamente como era antes.
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