sexta-feira, 22 de julho de 2016

Estatuto do Desarmamento e posse de armas

O debate sobre o Estatuto do Desarmamento e a posse de armas tem chamado a atenção. Não é, contudo, um debate simples, dicotômico e maniqueísta, numa espécie de "delonga caricaturada de bem & mal". Quando as coisas são postas assim, a mediocridade nas abordagens campeia. Argumentos são substituídos por discursos vazios, e o resultado das duas posições em discussão nunca chega a bom porto. De resto, é um tanto hipócrita ver o tom lacrimoso de autoridades estadunidenses, diante das tragédias com armas, mas sem que elas (autoridades) tenham, contudo, nenhuma contenção na venda de armamento para inúmeros países, alguns inclusive que atualmente abrigam o Estado Islâmico. Armas que matam inocentes crianças, como ocorre no Oriente Médio. Pois bem, o pesquisador Fabrício Rebelo atribuiu-se um hard work: evidenciar que o direito ao porte de armas é algo passível de abordagem em termos argumentativos, e não como apologia à violência em si. Trata disso enfocando a discussão sobre o Estatuto do Desarmamento. No texto aí abaixo. Alimentando o debate, em breve, reproduzirei artigo de um outro pesquisador em segurança pública com posição diferente. 




Fabrício Rebelo
(Pesquisador em segurança pública, bacharel em direito e editor do portal Direito)

As discussões sobre os temas que tramitam no Congresso, embora variem quanto à matéria que abrigam, seguem um roteiro típico, em que as expressões "avanço" e "retrocesso" se alternam conforme o apoio ou a rejeição a uma determinada proposta. Não é diferente com o projeto de lei que revoga o Estatuto do Desarmamento, recentemente aprovado em comissão especial na Câmara dos Deputados.
Os críticos da proposta entoam em conjunto o mesmo discurso: revogar o estatuto é um retrocesso. E eles estão certos, mas não como pretendem.
Retrocesso, segundo o dicionário Michaelis, tem como uma de suas definições a "ação de voltar a um estado anterior".
E é exatamente isso o que faz o projeto de lei 3.722/12, ao revogar a lei pela qual a posse e o porte de armas se tornaram proibidos, com raríssimas exceções, e instaurar um regramento geral que restabelece a possibilidade de acesso. O que o projeto pretende, pois, é voltar ao sistema que existia antes do estatuto, ou seja, retroceder.
Isso é ruim? Salvo por convicções ideológicas, não há como responder afirmativamente a essa pergunta. Todos os indicadores de criminalidade disponíveis apontam que, caso retrocedamos à realidade anterior ao Estatuto do Desarmamento, estaremos em situação melhor.
Foi depois do estatuto que a taxa média de homicídios no Brasil, segundo o Mapa da Violência, saiu de 26,44 por cem mil habitantes (1995 a 2003) para 26,80 (2004 a 2012). Foi com ele que o uso de armas de fogo nos homicídios aumentou de 64,95% (1995 a 2003) para 70,81% (2004 a 2012).
Foi também sob a vigência do estatuto que batemos o recorde oficial de assassinatos, com 56.337 casos em 2012 – que hoje, segundo os sempre mais modestos dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, já batem na casa dos 60 mil. Nossa segurança pública piorou com a lei vigente, e isso é um fato objetivamente comprovável.
Evidentemente, não se pode resumir a discussão sobre segurança pública a um aspecto legal pontual. Quem pretender fazê-lo cometerá um erro crasso, semelhante ao de quem atribui à lei atual o fictício salvamento de milhares de vidas.
Segurança pública é uma área complexa, em que são diversos os fatores que determinam melhores ou piores resultados. Ainda assim, não há suporte científico para jogar o desarmamento civil dentre os que a beneficiam.
É necessário ficar claro que, ao debater proibições ou permissões ao acesso a armas de fogo, não tratamos de algo inédito.
Vivemos, apenas nos últimos 30 anos, dois momentos absolutamente distintos no país, saindo de uma realidade em que portar uma arma sem autorização sequer era crime para uma lei das mais duras do mundo, estruturada sobre a premissa da proibição total. E a evolução criminal registrada em cada um dos períodos é clara: havia menos crimes antes, sobretudo os letais.
Portanto, se revogar o Estatuto do Desarmamento é um retrocesso, não há dúvida de que isso é bom. Significaria voltar a uma realidade de maior paz social, na qual, sob a dúvida de serem confrontados com armas, os criminosos não agiam de forma tão ousada. Não invadiam residências, não faziam arrastões ou matavam quem já haviam roubado. Exatamente como era antes.

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