Por Aline Valek
Há algo de assustador em
olhar para fora da gente e dessas telinhas luminosas que a gente não consegue
largar. Não somente porque vemos que não estamos sozinhos, mas porque é nas
coisas acontecendo que podemos ver a face do tempo. Cada pequena coisa está
coberta de tempo, esse negócio infinito e tão esgotável ao mesmo tempo — e
é quase como se pudéssemos tocá-lo. Você sente? Tempo está na gente, no
corpo que muda, na visão que piora, no cabelo que cresce, na doença que dá e
passa. Tempo está em deixarmos de ser quem já fomos um dia, em nos tornamos
quem a gente não queria ser e em um dia não sermos mais nada.
A
reserva que seca, a praia aterrada, o prédio demolido é tempo que passa. As
ruas que mudam de lugar, a distância entre as cidades, as linhas que demarcam
os países e a posição atual dos continentes é tempo que passa.
Gato
dormindo, a respiração lenta e olhos bem apertadinhos é tempo que passa.
Arroz cozinhando a fogo baixo, a louça que se acumula na pia, o tapete novo da
sala é tempo que passa. Amigos que vão embora é tempo que passa. Ver os
assuntos que tínhamos com alguém diminuírem até não sobrar nada é tempo
que passa. Ter alguém com quem contar e compartilhar uma vida, essa
cumplicidade, é tempo que passa.
O
som que fazem as cordas do violão é tempo que passa. O livro que se lê, a
história que se conta, as letrinhas que sobem no final do filme, tudo é tempo
que passa. Mais duas linhas nesse texto não são apenas duas linhas: é tempo
que passa. Mais do que uma abstração, algo que a gente enxerga pelos
numerozinhos do relógio ou numa variável em um cálculo de velocidade, algo
invisível, insípido e inodoro, o tempo é físico.
Tão
físico que se pode ter e perder. Dizem até que ele pode ser entortado.
Só
algo tão tangível poderia passar e carregar indiscriminadamente quem é
pontual e quem está atrasado; carregar o que vive e o que é inanimado;
carregar planetas, galáxias, tudo o que existe. Tudo boiando nesse caldo de
tempo, nessa correnteza impossível de deter, e nem é uma questão de onde ele
irá nos deixar, mas de quando. E o quando pode até ser um lugar que muda, mas
é onde a gente sempre vai estar. Porque o tempo não passa por nós; é a
gente que passa junto com ele.
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Fonte: http://confeitariamag.com/alinevalek/e-tempo-que-passa/
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