segunda-feira, 11 de julho de 2016

Para não dizer que não falei das flores

Estadunidense Jan Rose Kasmir: protesto contra a 
 Guerra do Vietnã, em 1967 (fotografia de Marc Riboud) 

O paraibano Geraldo Vandré é provavelmente o artista brasileiro mais enigmático nos últimos cinquenta anos. Autor da clássica música 'Pra não dizer que não falei das flores', ou simplesmente 'Caminhando', como ficou conhecida, canção-símbolo da resistência à ditadura militar instaurada no Brasil  com o golpe de 1964, Vandré foi exilado, regressou ao país, mas nunca mais voltou aos palcos. Nesse contexto, muitas foram (e são) as conjeturas a respeito do seu desaparecimento: tortura e "lavagem cerebral" pelos militares - que o fariam "não dizer mais com com coisa" -, desprezando o  seu passado; um acordo com os militares para regressar ao país e assumir o seu posto de funcionário público, em troca do silêncio; um autoexílio artístico por decisão própria, como ele mesmo assinalou numa das raras entrevistas. São várias as conjecturas, mas nenhuma com segurança historiográfica para ser afirmada concretamente. O mistério continuará - talvez algum dia seja desfeito. É certo que, numa apresentação no Paraguai em 1982, Vandré assume uma postura em relação aos militares que contradiz manifestações e comportamentos seus atuais. Isto pode ser visto no curto vídeo aí abaixo. 




O mistério em torno de Vandré tem fatos inusitados. Por exemplo: o sumiço das suas imagens em VTs do Festival Internacional da Canção nos anos 1960. Temos assim uma situação bastante peculiar: um ícone da música brasileira com imagens de apresentação sua, no país, desaparecidas até hoje. Um pouco dessa lacuna veio a ser preenchida recentemente pela televisão pública alemã WWF, que divulgou um programa produzido com Vandré quando ele se encontrava exilado na Alemanha em 1970. Pode ser visto a seguir. 



Por que o silêncio de Geraldo Vandré, o sumiço, o abandono dos palcos? Numa das suas raras declarações públicas, reclamou da massificação da cultura brasileira e disse que 'nada é mais subversivo do que um erudito vivendo num contexto subdesenvolvido'. Pensando bem, o que aí está contido não é pouca coisa. Ao dizer muito, talvez esta frase leve a pensar na sua postura, ao contrário da loucura que lhe é atribuída, como manifestação de uma 'lucidez em forma de ironia existencial'. Seja como for, a História da Arte brasileira, no último meio século, tem, na trajetória de Vandré, um enigma a ser desvendado. Aí inclua-se a sua decisão de compor a música 'Fabiana', em homenagem à FAB. No jogo das hipóteses e das probabilidades, não deve ser descartado que ele tenha optado por seguir indicações do que está em seu 'Pequeno Concerto que virou Canção': 

Não 
Não há por que mentir ou esconder
A dor que foi maior do que é capaz meu coração
Não
Nem há por que seguir
Cantando só para explicar
Não vai nunca entender de amor
Quem nunca soube amar.
Ah...
Eu vou voltar pra mim
Seguir sozinho assim
Até me consumir
Ou consumir
Toda essa dor
Até sentir de novo 
O coração 
Capaz de amor.

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