Da recente polêmica envolvendo os poetas Ferreira Gullar e Augusto de Campos, nas páginas da Folha de São Paulo, dois elementos (voluntária ou involuntariamente) sobressaem, para além da retirada de Gullar do campo de combate, por vontade própria, dado que, rendido, não tinha mais argumentos para esgrimir. Saiu calado. Pois bem, sobre os referidos dois elementos, eles são: a questão da deslealdade e a lembrança do que ficou celebrizado no poema de Mário de Andrade denominado 'O Valioso Tempo dos Maduros'. Aliás, é sugestivo que o foco da polêmica entre os dois poetas tenha sido a obra do irmão de Mário, Oswald de Andrade. Uma das dimensões da deslealdade é colocar a outra pessoa da interlocução abaixo da linha da imbecilidade, idiotizando-a, fazendo-a de tola. É mais do que desrespeito valorativo, é agressão simbólica. Quilha que trava a sociabilidade. Não por acaso, na citada polêmica, em reação, o título do texto-tréplica de Augusto de Campos é 'Um memorioso formigueiro mental'. Apanhado em seu ponto fraco, Gullar calou-se. Quanto ao outro elemento que o episódio faz sobressair, vai aí abaixo ele próprio, o poema da pena de Mário de Andrade - 'O Valioso Tempo dos Maduros'.
Por Mário de
Andrade
Contei meus anos e
descobri que terei
menos tempo para viver daqui
para a frente do que já vivi até agora.
Tenho muito mais passado do que futuro.
Sinto-me como aquele menino que
recebeu uma bacia de cerejas. As primeiras,
ele chupou displicente, mas percebendo
que faltam poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam
egos inflamados. Inquieto-me com invejosos
tentando destruir quem eles admiram,
cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para conversas intermináveis,
para discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias
que nem fazem parte da minha.
Já não tenho tempo para administrar melindres
de pessoas, que apesar da idade cronológica,
são imaturas.
Detesto fazer acareação de desafetos
que brigaram pelo majestoso cargo de secretário
geral do coral. As pessoas não debatem conteúdos,
apenas os rótulos.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos,
quero a essência, minha alma tem pressa
Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado
de gente humana, muito humana;
que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com
triunfos, não se considera eleita antes da hora,
não foge de sua mortalidade, caminhar perto de
coisas e pessoas de verdade,
O essencial faz a vida valer a pena.
E para mim, basta o essencial!
para a frente do que já vivi até agora.
Tenho muito mais passado do que futuro.
Sinto-me como aquele menino que
recebeu uma bacia de cerejas. As primeiras,
ele chupou displicente, mas percebendo
que faltam poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam
egos inflamados. Inquieto-me com invejosos
tentando destruir quem eles admiram,
cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para conversas intermináveis,
para discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias
que nem fazem parte da minha.
Já não tenho tempo para administrar melindres
de pessoas, que apesar da idade cronológica,
são imaturas.
Detesto fazer acareação de desafetos
que brigaram pelo majestoso cargo de secretário
geral do coral. As pessoas não debatem conteúdos,
apenas os rótulos.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos,
quero a essência, minha alma tem pressa
Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado
de gente humana, muito humana;
que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com
triunfos, não se considera eleita antes da hora,
não foge de sua mortalidade, caminhar perto de
coisas e pessoas de verdade,
O essencial faz a vida valer a pena.
E para mim, basta o essencial!
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