"No ser humano, ser e
dever-ser são aspectos indissolúveis. Este é o fundamento ontológico da ética. Ethos,
em grego, designa a morada do homem. Se a palavra tomou um significado mais
amplo, é porque os gregos da idade clássica enxergaram uma verdade que convém
jamais esquecer: seres vocacionados para a liberdade são livres para se
destruir. O espaço do mundo só se torna seguro e
habitável, para esses seres, se eles se abrigarem na sua morada, o domínio do ethos."
"O espaço da liberdade
humana não é aquele em que cada um faz o que quer, ou faz o que é capaz de
fazer, em desabalada competição com os demais. É aquele em que o potencial
criador das pessoas se exerce de maneiras culturalmente delimitadas, socialmente
legítimas, em que o certo e o errado, o bem e o mal estão definidos com
suficiente clareza. Esse espaço não é rígido e imutável, é certo,
mas precisa existir sempre. Fora dele, o que se tem é anomia."
"O ser humano não
apenas age, como os demais animais, mas interpreta sua ação. Todas as ações
humanas são ações interpretadas, e todas resultam de alguma interpretação
prévia. Educar é atuar sobre os sistemas de interpretação construídos pela
imaginação de cada um, o que nos remete ao universo simbólico, que é
constitutivo da nossa existência tanto quanto o nosso corpo físico."
"(...) a maioria dos
jovens não é levada a desenvolver uma subjetividade cidadã, não reconhece
conhecimentos consolidados, não vive a expectativa de um futuro em construção.
O tempo deles é agora. No lugar de leis gerais, típicas da cidadania, valem as
regras que o próprio grupo estabelece em cada momento. Tudo isso questiona o
estatuto da escola. Sem poder cumprir suas antigas funções de disciplinamento e
preparação para a cidadania, e sem condições para se integrar à desenfreada dinâmica
mercantil, a escola pública entrou em um regime de funcionamento cego, próximo
à anomia. Não tem papel claramente definido, a não ser o de depósito de
crianças e jovens."
"Permanece
insubstituível o papel da educação e dos educadores, pois os sistemas
educacionais estão entre os últimos espaços que ainda podem fazer prevalecer a
racionalidade comunicativa, cultivando a memória e valorizando a linguagem centrada
na razão e na palavra, a linguagem humana por
excelência. Nesses espaços, cada vez mais raros, as interações humanas
podem existir sem que estejam dominadas pela unidirecionalidade e a velocidade,
típicas da comunicação de massas."
Os extratos aí acima são de um instigante artigo de César Benjamin, artigo que reputo como um dos melhores escritos no Brasil, neste ano de 2016, sobre educação. Pessoa do livre pensar, e de uma fecunda criatividade intelectual, César, que não tem vinculação especificamente territorializada com a pesquisa educacional, produziu um texto que está para além, em termos qualitativos, do que muito se apresenta como sendo pesquisa em educação e estudos pedagógicos. Aliás, aí, a impertinência de abordagens e a infertilidade analítica têm saltando aos olhos, com perspectivas que se limitam a repetir enfoques pretéritos e a fazer citações de autores também pretéritos, como "juízos de verdade" para o presente - algo como se não houvesse história, a realidade não mudasse, o tempo presente fosse o mesmo passado. A impertinência de abordagens e a infertilidade analítica também se manifestam com perspectivas impressionistas que se reduzem à louvação de formulações que estão na moda. O artigo integral do César Benjamin, intitulado Educação e Projeto Nacional, pode ser lido aqui: http://www.contrapontoeditora.com.br/arquivos/artigos/201603200243400.Educacaoeprojetonacional.pdf.
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