Por
J. Carlos de Assis
(Professor
da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ)
Só
uma idiota pode imaginar que um exército experiente como o da Turquia, testado
no passado em vários golpes de Estado, fosse tão incompetente para realizar
mais um, tendo à mão todos os instrumentos do poder militar. Só um idiota
acabado pode imaginar que o povo na rua é capaz de reverter um golpe militar em
andamento. Só um idiota tonto poderia imaginar que ao governo turco e seu
presidente fosse deixado acesso a meios de comunicação com o povo, sem prévio
planejamento, em pleno processo de desenvolvimento do golpe.
A marcha da suposta tentativa de golpe e do
contragolpe foi precedida de movimentos bem articulados no xadrez geopolítico
do país que une Europa à Ásia e, portanto, desempenha um papel chave nas
relações com os dois continentes. Começa pela cobertura que a CIA dá ao clérigo
Fethullah Gullen, o principal rival de Erdogan. Em nome dos direitos humanos e
contrariamente às tendências fundamentalistas do Presidente, ele prega para a
Turquia uma espécie de “primavera” liberal, sob proteção dos EUA e em seu
interesse geopolítico.
Nós vimos que deu a “primavera líbia” e os
diferentes tipos de intervenções norte-americanas nos últimos anos e décadas,
operadas através de ONGs patrocinadas direta ou indiretamente pelo Departamento
de Estado na África e no Oriente Médio: países, como Líbia, Somália,
Afeganistão simplesmente foram liquidados; Egito, Yemen, Iraque, Paquistão
foram profundamente abalados ou continuam em guerra. O governo turco, não muito
confiável para Washington, aparentemente estava destinado a ser a bola da vez.
O que aconteceu, afinal? Bem, vamos seguir os
movimentos dos principais atores nesse jogo. Meses atrás um avião turco operado
desde uma base partilhada com os norte-americanos derrubou um caça russo
supostamente em seu espaço aéreo. A Rússia reagiu verbalmente – “foi como uma
punhalada pelas costas”, disse Putin – mas não foi além disso. O assunto
despareceu da imprensa até que, em maio último, Putin anunciou que gostaria de
ter uma reaproximação com a Turquia e para isso esperava uma sinalização clara
dela no mesmo sentido.
Em junho, Erdogan mandou uma carta para Putin
a qual vai muito além de meras mesuras diplomáticas: foi um pedido de desculpas
completo, quase um pedido de perdão extensivo à família do piloto morto, à qual
ofereceu a assistência material necessária para minorar seu sofrimento pela
perda. Anunciou, além disso, que o incidente do caça seria investigado. Em
resposta, Putin marcou uma visita com ampla comitiva governamental a Istambul.
Esteve lá antes do golpe, em julho, e foi o primeiro chefe de Estado a visitar
Erdogan depois do malogrado golpe.
Diante desses fatos, não é difícil dar um
sentido prático aos acontecimentos na Turquia: o serviço secreto russo (talvez
com ajuda chinesa) descobriu preparativos de golpe contra Erdogan, por parte do
clérigo Gullen, a partir dos Estados Unidos. Acompanhou esses preparativos
ainda enquanto se desenvolviam e provavelmente identificou os códigos e as
senhas para a deflagração do golpe em momento oportuno. Com o conhecimento
prévio dessas senhas, o Governo montou uma armadilha e desencadeou falsamente o
golpe.
Só esse roteiro justifica o fato de que
Erdogan, uma vez senhor da situação, tenha desencadeado uma operação de caça a
militares comprometidos e, sobretudo, a mais de 2 mil juízes e promotores. Os
nomes desses envolvidos não poderiam ter sido arrolados de um dia para outro.
Da mesma forma, o fechamento da base aérea turca de Incirlik, partilhada com os
americanos, não ocorreria jamais caso o Presidente turco não tivesse certeza
absoluta da participação norte-americana na tentativa de golpe. Enfim, o tempo
da revolução de estações parece ter-se esgotado.
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Fonte: http://jornalggn.com.br/. Título original: 'O congragolpe na Turquia foi um golpe da Rússia contra a CIA'.
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