Vai sendo delineando o cenário que as forças em torno de Michel Temer pretendem para o Brasil. Destaca-se como bastante peculiar, por exemplo, a aliança celebrada entre o chamado 'Movimento Brasil Livre' (MBL) e, no parlamento, a 'bancada do boi, da Bíblia (conservadorismo evangélico) e da bala', em defesa de uma agenda que tem como centro o 'Estado mínimo', o que é o mesmo que dizer um Estado sem preocupação social. Para quem faz a devida leitura da conjuntura, não causa surpresa essa aliança, mas chama a atenção - uma aliança do latifúndio, da intolerância religiosa e da truculência bélica com um movimento de jovens de classe média (que se apresentavam como 'palmatória do mundo') é algo que diz muito destes tempos que estamos a viver no Brasil. A direita exacerbada tem nome e cara. Por outro lado, não são poucos os que começam alertar para o quadro que está por vir. É o que faz, no texto aí abaixo, o Secretário-executivo do Observatório do Clima, a propósito da negligência do programa de Temer em relação às questões ambientais.
Por Carlos Rittl
(Secretário-executivo
do Observatório do Clima)
Em meio à profunda crise
pela qual passa o Brasil, Michel Temer e seu partido, o PMDB, preparam-se para
assumir o Palácio do Planalto e já discutem a composição do novo governo.
Fingem não ter qualquer responsabilidade pelo governo Dilma e apresentam-se como
salvadores da pátria. Até parece que nunca estiveram no poder e com as mãos em
ministérios estratégicos, como Agricultura e Energia, por tanto tempo.
O
partido tem até um rascunho de plano de governo: o documento “Uma ponte para o
futuro”, produzido em outubro. Esse programa difere em quase tudo do plano de
governo apresentado em 2014 por Dilma Rousseff. E supera o plano da
quase-ex-presidente em pelo menos um detalhe: a ausência total de menções a
desenvolvimento sustentável.
Nas
19 páginas do documento peemedebista, as expressões “meio ambiente”, “mudança
climática”, “energia renovável” e “baixo carbono” não aparecem. Nenhuma vez. A
ausência de qualquer menção a compromissos com estas agendas estratégicas é um
péssimo agouro.
O
pacote de maldades do PMDB, disfarçado de agenda para “reconstruir o Estado”,
traz, entre outras, medidas como desvinculação de gastos da União com saúde e
educação, desindexação de salários (inclusive o mínimo), ajuste fiscal,
privatizações e desregulamentação ampla, geral e quase irrestrita. É neste
ponto que se insere a única e indireta menção ao meio ambiente na “Ponte para o
futuro:” a proposta de aumento da “segurança jurídica (...) para a realização
de investimentos, com ênfase nos licenciamentos ambientais”. Nem precisa ser
tão bom entendedor para saber que a frase significa flexibilizar os
licenciamentos.
Quem
duvida pode olhar o documento-irmão da “Ponte para o futuro”, a Agenda Brasil,
de Renan Calheiros, que cria a figura do licenciamento ambiental “a jato” para
obras de “interesse nacional”. Nada mais absurdo e nada mais PMDB. No Brasil da
Samarco, de Mariana e do Rio Doce, quanto pior, melhor.
Os
dois documentos refletem uma concepção de meio ambiente do século 19,
totalmente apartada do desenvolvimento. Ou que, quando aparece, é como um
entrave, que precisa ser eliminado para o bem do “ambiente de negócios”. Tal
visão é um risco e um desperdício.
Um
risco porque não é mais possível falar em desenvolvimento no Brasil sem fatorar
os impactos das mudanças climáticas. Só no ano passado, 28% dos municípios
brasileiros decretaram estado de emergência ou calamidade por desastres
naturais ligados ao clima mais hostil. Do planejamento energético à produção de
alimentos, tudo precisa ser revisto. Nenhuma retomada do crescimento poderá ser
sustentada se não for também sustentável.
Um
desperdício porque existem oportunidades para superar a crise econômica em
setores como o de biocombustíveis, energias renováveis e agropecuária de baixa
emissão de carbono. Que o diga a indústria de energia eólica nacional, que
gerou cem mil empregos no ano passado enquanto o país mergulhava numa recessão
de 3,8%, e que prevê a geração de mais 50 mil novos postos de trabalho em 2016,
mesmo com agravamento da crise econômica.
Os
governantes e aspirantes a governantes do Brasil fariam bem em olhar para a
China neste momento. O país asiático, que entende de crescimento como ninguém,
acaba de publicar seu Plano Quinquenal apostando em quatro eixos: serviços,
inovação, redução das desigualdades e sustentabilidade ambiental — gerar
empregos de qualidade no setor de tecnologias limpas.
O
PMDB é um partido que sempre gostou muito de construir grandes obras, iguais às
investigadas na Lava-Jato. Mas as pontes que seus caciques ora propõem ao
Brasil nos conduzem ao passado, não ao futuro.
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