Por Helena Nader
(Presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - SBPC)
Se numa transição
governamental normal (via eleições) a ciência e a educação devem ser entendidas
e tratadas como política de Estado, a assunção de um novo governo pelo
afastamento, temporário ou definitivo, do anterior não pode negar essa condição
aos temas que mais dizem respeito ao futuro do país.
A
notícia de que um bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus (Marcos
Pereira, presidente nacional do PRB) é cotado para assumir o Ministério da
Ciência, Tecnologia e Inovação, em eventual governo Temer, mostra que a
barganha política está acima dos critérios de competência, afinidade e
compromissos com a área.
Não
temos nada contra religiões, nem contra a pessoa do político cotado para o
posto, mas não se pode misturar preceitos religiosos com a ciência. Precisamos
de um ministro empenhado no progresso científico, com conhecimento a
acrescentar, e não de um político com agenda religiosa.
Durante
décadas, repetimos exaustivamente que os rumos da ciência e tecnologia e da
educação não poderiam continuar submetidos exclusivamente aos interesses do
governante que estivesse ocupando o Palácio do Planalto.
O
Brasil caminhou e podemos dizer que, nos últimos anos, ciência e tecnologia e
educação vêm avançando progressivamente para atingir o status de políticas de
Estado. Portanto, não podemos admitir a possibilidade de retrocessos.
Conseguimos,
a partir do momento em que a educação passou a superar a condição de política
de governo, universalizar o acesso ao ensino básico, estabelecer mecanismos de
avaliação em todos os níveis do sistema e envolver a sociedade nas lutas pela
melhoria da escola.
Ainda
precisamos universalizar a qualidade do ensino, especialmente na escola
pública. O tamanho dessa tarefa nos faz exigir, na iminência de um novo
governo, que as questões educacionais tenham tratamento à altura deste desafio:
gente competente no Ministério da Educação (do ministro aos chefes de
programas), orçamento condizente com a importância da pasta, eficiência
administrativa e diálogo com a comunidade educacional.
Com
a ciência, o quadro é o mesmo: avançamos nos últimos anos, mas há chão pela
frente -principalmente porque o conhecimento científico está associado a três
níveis de desenvolvimento indispensáveis ao Brasil de hoje e de amanhã.
Um
nível é o da ciência como base do desenvolvimento tecnológico e da inovação,
ferramentas cada vez mais utilizadas para a promoção da competitividade das
empresas e das economias nacionais.
O
outro nível é o de desenvolvimento humano. Por exemplo, ao potencializar a
funcionalidade de alimentos; ao pesquisar doenças, suas causas, comportamento e
remédios; ao desenvolver equipamentos de alta tecnologia para diagnóstico e
cura de enfermidades.
O
terceiro nível é o da sustentabilidade ambiental com desenvolvimento econômico.
Conhecer e explorar nossos recursos naturais são dois aspectos que se
interligam. Não há outra alternativa que não seja recorrer à ciência para
termos as respostas que nos indiquem os caminhos corretos para utilização das
riquezas da nossa biodiversidade.
Nesses
três níveis, a ciência brasileira já caminhou consideravelmente, mas ainda tem
muito a contribuir com o país. Portanto, para o Ministério da Ciência,
Tecnologia e Inovação também deve haver pré-requisitos: escolha de um ministro
compromissado com o saber científico, seu desenvolvimento e sua aplicação;
orçamento que acompanhe a curva histórica de crescimento; investimento
equilibrado em ciência básica e na sua aplicação.
Precisamos
de ações e pessoas à altura do Estado brasileiro.
------------------------------------------
Fonte: Folha de São Paulo, versão assinantes, edição do dia 06/05/2016. Título original: Ciência e educação, políticas de Estado'.
Nenhum comentário:
Postar um comentário