sábado, 30 de abril de 2016

'Como tragédia e como farsa': a proibição de reunião estudantil e o fascismo disfarçado de democracia

Em Ética a Nicomus e Política, duas obras fundamentais da humanidade, Aristóteles afirma teses como: 1) o homem é um animal político por natureza; 2) a política é a ciência da felicidade; 3) o homem desenvolve as suas potencialidades em sociedade; 3) a política deve garantir a maneira de viver que possibilite o alcance da felicidade, afinal todos os seres humanos têm como fim último da vida a felicidade. Pois bem, o que diria Aristóteles do Brasil dos últimos tempos, e sobretudo de agora (2016)? Há quem sustente a hipótese de que ele "chegaria à conclusão de estar diante de uma outra categoria de seres, não [originários] da política, com uma parte animal evidente, um ser de outro mundo, [pois] o bem comum que a política deve garantir [no Brasil de Eduardo Cunha e Bolsonaro] não aparece nem como farsa". Não seria para menos, afinal presenciar-se, por exemplo, um deputado-réu, corrupto com milhões depositados em contas na Suíça, presidindo uma sessão do parlamento para derrubar uma Presidente contra a qual não há nada que desabone a sua idoneidade pessoal, e, na mesma sessão, ter-se um deputado que, justificado o seu voto pela derrubada da mandatária, homenageia um torturador, só pode levar à ilação de que estamos em outro mundo (dos horrores). O historiador-sociólogo Immanuel Wallerstein cunhou uma expressão em inglês que, em língua portuguesa, foi traduzida como 'fascismo democrático', mas talvez a tradução que melhor a represente na língua de Camões seja fascismo disfarçado de democracia. É nesse sentido que se move muito do teatro político brasileiro hoje.  O mais novo episódio nessa direção ocorreu em Minas Gerais, envolvendo a UFMG: uma juíza de primeira instância proibiu que o Centro Acadêmico de Direito se reunisse fazendo uma assembleia estudantil para (pasmem!) discutir a situação política do Brasil na atualidade. É sempre bom lembrar que, no período que antecedeu o golpe civil-militar de 1964, mergulhando o país numa ditadura de duas décadas, muitas pessoas bem intencionadas estavam nas ruas (em manifestações como as 'Marchas com Deus, pela Família e pela Liberdade') bradando contra o Presidente João Goulart - por decisão consciente ou insufladas pelo golpismo da imprensa, mas, seja como for, sem perceberem os riscos do que estava por vir. Só se deram conta do erro cometido quando se viram às voltas com as consequências do golpe: muitos inclusive perseguidos e presos (um pouco sobre os arrependidos do golpe de 1964 pode ser visto aqui: https://jeocaz.wordpress.com/2008/08/14/os-arrependidos-do-golpe-militar-de-1964/). Não aprender com as lições da história é um exercício de estupidez. O arguto escritor lusitano Miguel de Souza Tavares, que há anos acompanha a vida política do Brasil, foi preciso ao analisar a situação do país: apontou as consequências de caos social, de conflito, que podem vir e o amadurecimento das condições para uma intervenção militar (a sua análise pode ser vista aqui: https://youtu.be/kPKGhgv53ek). É irônico que, do outro lado do Atlântico,  consiga-se perceber a possibilidade de desastre, enquanto por aqui, até em segmentos supostamente esclarecidos, alimente-se o golpismo. Reproduzo aí abaixo a notícia do bizarro caso em que a juíza de primeira instância proibiu a reunião dos estudantes de direito da UFMG - ou, parafraseando Wallerstein, quando se tem o fascismo disfarçado de democracia. 

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Xadrez do golpe civil-militar de 1964


Por Luís Nassif
(GGN - O Jornal de Todos os Brasis) 

Alertei recentemente para os riscos de uma ofensiva na Primeira Instância contra direitos básicos. As sucessivas investidas de juízes e Secretários de Segurança contra assembleia estudantis é um sinal preocupante de avanço do fascismo.
Se se permitir esse jogo, em breve não haverá mais liberdade de expressão no país.

Do Centro Acadêmico Afonso Pena da UFMG
DECISÃO JUDICIAL PROÍBE REUNIÃO DE ESTUDANTES DO CURSO DE DIREITO DA UFMG PARA DISCUTIR MOMENTO POLÍTICO DO PAÍS.


Na quarta-feira, dia 27 de abril, o Centro Acadêmico Afonso Pena, da Faculdade de Direito da UFMG, lançou uma convocatória de Assembleia Geral Extraordinária (AGE) com o objetivo de discutir o momento politico vivenciado pelo país. A pauta de convocação da Assembleia elencava os seguintes pontos para discussão e deliberação:

1. Posicionamento político das alunas e dos alunos do curso de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais perante o processo de Impeachment da Presidente da República;

2. Possíveis desdobramentos e medidas a serem tomadas;

As convocatórias foram fixadas em todos os andares da Faculdade de Direito, dando-se a ampla publicidade exigida pelo estatuto (Art.12 §2 º do Estatuto do Centro Acadêmico Afonso Pena). Além disso, o edital foi amplamente divulgado pela internet, e representantes do centro acadêmico passaram em sala de aula de modo a se divulgar a reunião e convidar todos os alunos a dela tomarem parte.

Todavia, na sexta-feira, dia 29, pouco antes das 18 horas, horário marcado para a terceira e última chamada para instalação da AGE, os estudantes foram surpreendidos por um oficial de justiça, comunicando a prolação de uma decisão judicial impedindo a realização da reunião. Dois alunos do curso de graduação em Direito da UFMG impetraram, às 23 horas do dia anterior, uma “ação de obrigação de não fazer” em sede de tutela de urgência, visando determinar a nulidade da convocatória, a não-realização de quaisquer AGEs sobre o processo de impeachment da presidenta da república, e vetando eventual deflagração de “movimento grevista”. Uma juíza da Comarca de Belo Horizonte deferiu a liminar intentada, proibindo, inclusive, a convocação de qualquer nova assembleia versando sobre o mesmo assunto, ainda que dentro das formalidades estatutárias. A decisão baseava-se em: alegações de aparelhamento do Centro Acadêmico; ligação com partidos políticos; conivência com a presença de moradores de rua no prédio da faculdade e uma suposta convocação de movimento grevista, dentre outras.
Nesse sentido, é latente a violação não somente dos preceitos da nossa Constituição, nomeadamente os Arts. 3 e 5, IV e XVI, como, igualmente, ao art. 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e art. 19 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, que versam sobre os direitos de liberdade de expressão e de reunião, num claro cerceamento do debate público. O Centro Acadêmico Afonso Pena, em consonância com o histórico de luta e resistência, recorrerá desta decisão visando garantir o direito a livre manifestação política dos estudantes.


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