Por Ivonaldo Leite
Num
livro de já algumas décadas, um budista zen nos disse, em palavras aproximadas,
mais ou menos o seguinte: “vós, ocidentais, quando pretendem entender uma flor,
dividem as suas partes e analisam a sua composição química; entendê-la, para
vós, é destruí-la; para nós, entender uma flor, é sentir-se flor, procurar
observar o mundo com os olhos de flor”.
Nos
albores da juventude, quando fui atingido pelos resquícios do lixo autoritário
da ditadura militar - que me afastou do meu curso universitário por trinta dias, por causa das minhas posições político-ideológicas, com base em dispositivos do
decreto 477, o AI 5 dos estudantes -, sempre estive a pensar na referida
afirmação budista. O que, de imediato, me remetia para os sentidos da
história.
Conforme
escreveu o César Benjamin num artigo de 2010 (‘Reminiscência: 1968 e depois’,
na Revista Caros Amigos), há duas assimetrias que devem ser levadas em
consideração quando se compara passado e presente. A primeira é que o passado
aparece como um tempo condensado, pois já foi “decantado e filtrado pela ação
seletiva da memória, que só retém os momentos e aspectos mais marcantes e
decisivos. O presente, por sua vez, decorre no tempo estendido do quotidiano.
Com as tintas mais carregadas por aquela seleção, fica aberto o caminho para
idealizações e caricaturas. O passado tende a parecer muito melhor ou muito
pior do que, de fato, foi para os que viveram ele”. A outra assimetria é em
relação ao futuro. Como futuro do passado ele já está encerrado em uma
trajetória que, vista do presente, parece
ter sido a única possível. “Nada sabemos do amanhã, mas, ao olharmos para trás,
já sabemos o que aconteceu depois. Por isso, muitos livros de memórias,
implícita ou explicitamente, atribuem um sentido predefinido aos acontecimentos
vividos, como se o presente, tal como ele é, fosse um ponto de chegada natural:
tudo aconteceu para que estivéssemos aqui, do jeito em que estamos. Assim, o
passado é reduzido à condição de um ‘presente incompleto’, o ‘presente
imaturo’, o que não tem sentido nenhum”.
Sob
determinadas circunstâncias, o passado sobrevive como uma sombra a encobrir e
obstruir o presente. Todavia, em última instância, é sempre o indivíduo que,
pelas frestas das probabilidades, traça o seu percurso. Resignar-se ou superar
desafios. É neste último caso que faz sentido falar sobre o futuro como
possibilidade. Compreender as situações, em suas totalidades, e agir.
Os
antigos gregos denominavam épokhé o
procedimento que deveria ser buscado para se entender uma dada situação, isto é, a
procura de um estado de repouso mental que permitisse captar/observar todos os
seus ângulos. É de se dizer que o valor dessa perspectiva é mais instrutivo do
que operacional em si mesmo, mas exatamente por isso ela tem, digamos, uma
função metodológica. Abre-nos caminho para uma ideia de futuro como plano
aberto, em construção, e talvez ajude as pessoas a entenderem a vida sentindo a
vida, a entenderem a flor sentindo-se flor.
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