Há não muito tempo, o economista Samuel Pessôa (Fundação Getúlio Vargas), na condição de assessor do PSDB, causou polêmica ao defender abertamente que o ensino superior, nas universidades públicas, fosse pago. Defendeu essa posição num artigo na Folha de São Paulo, o qual reproduzo aí abaixo. Diante das críticas, ele ele fez 'inversão de marcha' e procurou disfarçar a sua proposta. Agora, com o processo de impeachment da presidente aberto, ele volta a defender enfaticamente a ideia de 'universidade paga', no que é apoiado por Moreira Franco, braço direito de Michel Temer, o substituto de Dilma Roussef em caso de sua deposição. A posição de Samuel Pessoa está inteiramente em sintonia com o programa que vem sendo apresentando por Temer, denominado 'Ponte para o Futuro'. Era suposto que esse risco (real) de acabar a gratuidade nas universidades públicas estivesse a ser discutido. Mas nada. A sociedade brasileira parece dopada pela irracionalidade e pelas manifestações de intolerância que ressuscitam comportamentos fascistas. Nem na própria universidade a questão está a receber a atenção devida. Tenha-se em conta, por exemplo, o caso da UFPB, que se encontra em meio a um processo eleitoral para Reitor e, portanto, num momento privilegiado para fazer esse tipo de debate. Contudo, sem espaço, pois, mesmo existindo quem deseje discutir questões como essa, o baixo nível, a lógica agressiva como de torcidas de futebol e a política pequena, que têm marcado a campanha, não permitem, a ponto de não se ter condições sequer de realizar um debate, como ocorreu no Campus do Litoral Norte. Difícil ver compromisso com a universidade pública, gratuita e de qualidade em quem assim procede ou estimula esse tipo de comportamento. Segue o artigo de Samuel Pessoa, do qual discordo nas teses básicas, mas que deve ser divulgado, para que se tome conhecimento dos riscos que corre a universidade pública e gratuita no Brasil.
Por Samuel Pessôa
O TEMA da cobrança de
mensalidade para serviços de educação superior tem a mesma natureza do pedágio
urbano.
O
pedágio urbano justifica-se porque um bem econômico público, as vias públicas,
torna-se um bem econômico privado quando se congestiona. A natureza econômica
das vias públicas altera-se de acordo com a intensidade do seu uso.
As
universidades públicas oferecem dois serviços de natureza distinta, apesar de
haver complementaridades entre eles. A atividade de pesquisa constitui um bem
público no sentido econômico, enquanto a atividade de ensino constitui um bem
privado.
O
que se chama de "bem econômico público" na literatura econômica é
aquele que tem a propriedade técnica da "não rivalidade": o fato de
uma pessoa utilizar o bem não impede que outra(s) pessoa(s) também o utilize(m)
simultaneamente. A circulação de um automóvel em uma rua não impede que outro a
utilize simultaneamente enquanto não houver congestionamento.
As
vias públicas, portanto, são bens públicos imperfeitos, pois estão sujeitas à
congestão. O conhecimento é o exemplo mais puro de bem público. O fato de uma
pessoa estudar aritmética não impede que outra pessoa estude a mesma
disciplina. Assim, a aritmética é um bem público.
O
conhecimento produzido pela pesquisa universitária é um bem público. É não
rival. Adicionalmente, a natureza do conhecimento produzido na universidade -de
interesse geral e normalmente sem aplicação direta - dificulta que patentes
sejam um recurso possível para garantir geração de renda que financie a
estrutura da universidade.
Ou
seja, a pesquisa descompromissada de maiores interesses econômicos conduzida
nas universidades tem que ser financiada por recursos de natureza pública. Note
que não há necessidade de a universidade ser pública no sentido legal. Muita
pesquisa descompromissada nos EUA é produzida em instituições privadas. O
importante é que essas instituições, sejam as legalmente públicas, sejam as
privadas, financiem a pesquisa com receitas de natureza pública.
O
ensino universitário é um bem de natureza privada. As competências, as técnicas
e o conhecimento transmitido ao aluno nas universidades aumentarão a produtividade
dele. Ele conseguirá recuperar privadamente o valor do investimento na forma de
maiores salários.
O
ganho para a sociedade de um novo profissional graduado, cujo conhecimento foi
adquirido em universidade, é bem medido pelo ganho de renda desse profissional.
Esse
fato não é verdadeiro para o ensino fundamental. Há ganhos sociais em
escolarizar a população que não são apropriados diretamente pelo estudante.
Essa é a natureza pública da transmissão de conhecimento.
Educação
fundamental é de fato fundamental para que a sociedade funcione bem. O exemplo
mais direto é a alfabetização. A comunicação entre as pessoas é muito mais
difícil em uma sociedade de analfabetos.
A
educação fundamental melhora o funcionamento da democracia, aumenta a autonomia
do indivíduo e eleva sua capacidade de discernimento. Parte desses benefícios
não redundará em aumento direto de salário dos que hoje estudam.
Faz
todo o sentido, portanto, que a educação básica seja gratuita e não faz sentido
que a educação universitária seja gratuita.
O
ensino universitário deve ser pago. Note que esse fato independe de a
instituição de ensino superior ser legalmente pública ou privada.
Para
os alunos que não podem financiar as mensalidades da universidade, há o recurso
ao crédito educacional. Para as famílias pobres que teriam dificuldade de ter
acesso ao crédito educacional de mercado, há programas públicos, como o Fies
(Fundo de Financiamento Estudantil), com taxas fortemente subsidiadas.
Além
dos impactos orçamentários positivos, a instituição de cobrança de mensalidade
para os cursos universitários públicos teria efeito importante sobre a
eficiência das universidades. O tempo médio de graduação seria reduzido e a
vinculação do aluno ao curso aumentaria.
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