domingo, 6 de novembro de 2011

Filosofia da saudade

O que é a saudade? Expressão muita própria da língua portuguesa, a saudade  é, por certo, um tema que faz correr muita tinta. Pois bem, do outro lado do Atlântico, temos uma boa obra sobre o assunto: Filosofia da Saudade, de António Braz Teixeira (Lisboa, Editora Quidnovi). Abaixo, uma recensão do livro.





O autor dedica o livro à memória de alguns dos mais famosos pesquisadores da saudade: Afonso Botelho, Antonio Dias de Magalhães e José Augusto Seabra, entre outros.

Por  João  Ferreira 


Com um índice detalhado, Braz Teixeira nos dá um mapa claro da exposição em três capítulos. Metodológica e didacticamente disposto, o primeiro capítulo é referente à Filosofia da Saudade em Portugal. O primeiro capítulo tem três sub-divisões: os fundadores, a metafísica da saudade e a consciência saudosa. Em cada item há uma relação e um texto especial para apresentar ao leitor a específica posição teórica ou crítica de cada um. Assim no artigo dos fundadores, encontramos: D. Duarte, D. Francisco Manuel de Melo, Silvestre Pinheiro Ferreira e Garrett. Entre os sustentadores da metafísica da saudade, apontam-se os nomes de Teixeira de Pascoaes, Leonardo Coimbra, Antonio Dias de Magalhães, José Marinho, Afonso Botelho, Dalila Pereira a Costa, Pinharanda Gomes, Manuel Cândido Pimentel, Paulo Borges, António Cândido Franco. Como intérpretes da consciência saudosa, estão arrolados os nomes de Joaquim de Carvalho, Sílvio Lima, Eduardo Abranches de Soveral, Eduardo Lourenço, Vergílio Ferreira e João Ferreira. O segundo capítulo trata da Filosofia da Saudade na Galiza. Arrolam-se os nomes de Ramón Cabanillas, Rafael Dieste, Ramón Otero Pedrayo, Ramón Piñeiro, Daniel Cortesón, Rof Carballo, Domingo Garcia Sabell e Andrés Torres Queiruga. O terceiro capítulo do livro diz respeito à Filosofia da saudade no Brasil. Há uma introdução e um espaço específico dedicado a Miguel Reale. Como apêndice, um ensaio sobre a expressão e o sentido da saudade na Poesia Angolana e outro sobre Ortega y Gasset e a Saudade.


Cada capítulo tem sub-capítulos ou itens que apresentam as figuras teóricas do saudosismo que mais se destacaram teoricamente ou criticamente em relação à temática da saudade.

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António Braz Teixeira e a Saudade
Quanto à especialização do autor a respeito da temática que aqui desenvolve, é útil consultar e ler a vasta bibliografia já produzida por Braz Teixeira sobre o assunto. Encontramos completa informação no longo artigo de Ricardo Vélez Rodríguez, biógrafo de Braz Teixeira, e professor da Universidade Federal de Juiz de Fora, MG, Brasil, além de membro do Instituto luso-brasileiro de Filosofia, Lisboa, e do Instituto Brasileiro de Filosofia (São Paulo).

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Alguns destaques históricos sobre teóricos e fenomenólogos da saudade
No panorama dos pioneiros que iniciaram em Portugal e na Galiza a teorização sobre a saudade, e dos metafísicos, fenomenólogos e teóricos da consciência saudosa, no meio do elenco apresentado por Braz Teixeira, destacam-se em importância fundante, em primeiro lugar, a exposição e as teorias de el-rei D. Duarte, em O Leal Conselheiro. Depois das contribuições de vários outros autores, mostra-se a teoria e o apelo saudosista de Teixeira de Pascoaes, em múltiplas obras, tais como Maranus, Regresso ao Paraíso, Os Poetas Lusíadas. Importa na sequência destacar os estudos de Afonso Botelho, que levaram a crítica a olhar para a importância da análise fenomenológica feita por Dom Duarte. Foi importante também que Braz Teixeira tivesse apresentado aos leitores o papel de Joaquim de Carvalho que mostrou a capacidade crítica de chamar a atenção sobre a importância da análise da consciência saudosa no pensamento português. No panorama da análise fenomenológica e do cunho metafísico da saudade ocupa um lugar ímpar, também, pelo pioneirismo e pela qualidade do discurso, o pensador galego, de Santiago de Compostela, Ramón Piñeiro.


Quanto a Dom Duarte, escreve Braz Teixeira: “Pensava o rei-filósofo, como muitos pensadores depois dele, que a saudade é uma palavra propriamente portuguesa, em equivalente em latim ou noutras línguas. Porque, para D. Duarte, a saudade e um sentimento, o meio mais adequado para o seu conhecimento não é o raciocínio abstracto mas a auto-análise, que deverá começar por procurar ver em que se diferencia ela de outros sentimentos, de que se acha próxima, como a tristeza, o nojo, pesar, o desprazer ou o aborrecimento, tarefa a eu dedica todo o capítulo XXV do Leal Conselheiro.” (pp.22-23).


“A visão da saudade e do saudosismo como expressão essencial do espírito português, primeira, mais imediata e mais directa manifestação do pensamento saudosista de Pascoaes, assenta na ideia de que naquele se fundiram os caracteres ariano e semita, o paganismo e o cristianismo, provindo deste casamento ou desta união o entendimento que define o génio galaico-lusitano. Neste plano, a saudade aparecia ao Pascoaes de 1912 como “o desejo da coisa ou criatura amada tornado dolorido pela ausência. É o desejo e a dor fundidos (...)” (p.30).


Por sua vez, Joaquim de Carvalho achava que a perquirição da saudade “deveria prosseguir pela descrição fenomenológica da consciência saudosa, pois para chegar a uma definição de saudade e para alcançar o conhecimento do ser saudoso e do eidos da saudade, necessário seria o prévio conhecimento do “estar saudoso”. Seria, assim, a fenomenologia da saudade que permitiria determinar os componentes do acto saudoso.”(p.104). Sobre Ramón Piñeiro: “ Orientada num sentido decididamente ontológico e em íntimo diálogo com o pensamento existencial, a reflexão de Ramón Piñeiro (1915-1990) admite que a filosofia tem de fundar-se antropologicamente, no conhecimento do ser do homem, dado que não só este é o único ponto em que o homem contacta directamente com o Ser, como ser do homem é, ontologicamente, mais rico e mais complexo do que o do mundo ou da restante realidade.


“Assim sendo, o conhecimento filosófico, porque é um conhecer-se o homem a si próprio, não é um conhecimento objectivo, nem um conhecimento racional, pois o homem não é algo “objectivo” para si próprio nem uma ideia, mas qualquer coisa de íntimo, que se conhece ou sabe de si próprio sentindo-se como realidade vivida, experimentada e não como coisa exterior e pensada, o que significará então, que o conhecimento ontológico do homem só se atinge originariamente, através de uma vivência sentimental. “Para o pensador galego, o sentimento radical é a saudade já que, diversamente do que acontece com a alegria ou a tristeza, a nostalgia, a melancolia ou a morriña, é a vivência espontânea da pura intimidade do ser humano, um puro sentir, um sentimento em objecto, independente de qualquer relação com o pensamento ou com a vontade, é o sentimento da singularidade e da soidade ou solidão ontológica do homem”(p.131).
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