quarta-feira, 30 de novembro de 2011

O que vai acontecer com o Mestrado?

Que fique atento o chamado 'mundo acadêmico crítico'. Aos poucos, no Brasil, vai sendo desenhada uma reformulação da pós-graduação. Será concretizada? Não sabemos. Para onde vai? We don't know too. Mas que algo está curso, isto está. O artigo que reproduzo abaixo é paradigmático a este respeito. Propõe um 'adeus ao mestrado', tal como ele é hoje. Graduandos, mestrandos, professores e a comunidade acadêmica em geral precisam se inteirar a respeito.


 


O fim do mestrado

Naomar de Almeida Filho - Doutor em epidemiologia, Pesquisadordo CNPq, Professor Titular do Instituto de Saúde Coletiva e Reitor da UFBA (Universidade Federal da Bahia)

Tal como introduzido no Brasil, durante a ditadura militar, o fim do mestrado parece próximo. Na atualidade, praticamente todos os países com maior desenvolvimento econômico e social têm mestrado como formação profissional.
Entre nós, o grau universitário chamado mestrado foi instituído em 1965 pelo famoso Parecer Sucupira, que definiu diretrizes para a pós-graduação brasileira. Nesse contexto, o título foi criado como habilitação à docência em nível superior.
Quarenta anos depois, tal definição só existe no Brasil e, em menor escala, em alguns países latino-americanos. Quais são os antecedentes dessa invenção da burocracia acadêmica brasileira? A que fins serviu? Servirá no futuro?
O termo "master", "meister" (daí o tratamento plebeu -"mister"- na língua inglesa), "maître", mestre, em português, tem raízes profissionais. Na Europa medieval, designava o artesão experiente que dominava seu ofício e, autorizado pelas corporações, estava apto a formar aprendizes.
A universidade formava então apenas "doctors", senhores da "doctrina". Só na era moderna começou a titular profissionais. A Reforma Humboldt, instituidora da universidade de pesquisa em 1810, manteve o doutorado como láurea acadêmica maior. Mas acolheu omestrado como grau acadêmico intermediário, em suplemento à láurea menor, o bacharelado.
A partir do século 20, em toda a América do Norte e nos países da "commonwealth", o título de "master" tanto se refere à formação pré-doutoral quanto implica designação direta da área profissional.
O administrador recebe o título de MBA ["master of business administration"]; o pedagogo, M.Ed. ["master of education"]; sanitarista, M.P.H. ["master of public health"]; o psicólogo, M.Psychol. ["master in psychology"]; e assim por diante. Exceções são algumas profissões que seguem o padrão da medicina, em que graduação[M.D. -"medical doctor"] é sempre doutorado. E, em muitas universidades, o curso de direito concede grau de J.D. ["juris doctor"].
Na tradição mediterrânea, raiz da universidade brasileira (através de Coimbra e depois pela influência da Sorbonne e das "écoles polytechniques"), o título mestre nunca foi utilizado. Preferia-se licenciado (modelo francês e espanhol) ou bacharel (modelo lusitano).
Com o Processo de Bolonha, a partir de 1999, unifica-se o mestradocomo diploma do segundo ciclo na maioria das universidades européias. Em Portugal, Holanda e Suíça, por exemplo, médico é agora mestre em medicina.
Na França, Alemanha e Itália, cursos em complemento às láureas profissionais são igualmente referidos como mestrado.
Neste contexto de crescente internacionalização da universidade, vale a pena continuarmos sucupiranos? Faz sentido manter no Brasil uma exótica licenciatura para ensino superior chamada mestrado? Não seria interessante "masterizar" a formação profissional, com soluções criativas para impasses e limites dos modelos internacionais?
Respostas a essas questões podem ser dadas pelo Reuni, pelo menos no âmbito da rede federal de ensino superior. No plano nacional, a Andifes avança na construção do chamado "Reuni da pós", que deve contemplar ampliação maciça de vagas e propostas de reestruturação dos ciclos pós-profissionais. No plano local, várias universidades desenvolvem modelos de pós-graduação compatíveis internacionalmente.
Assim é que vimos implantando na UFBA o modelo conhecido como Universidade Nova, que, além dos bacharelados interdisciplinares, prevê expansão dos mestrados profissionais (devidamente redesenhados) e equivalência entre essa modalidade e cursos de especialização. No marco legal superado da pós-graduação brasileira, mestres formados no exterior em graduação profissional têm sido oficialmente credenciados por colegiados e câmaras como docentes de nível superior. Haverá certamente reação às mudanças entre os que se beneficiaram do equívoco regulatório.
Mas, para recriar a pós-graduação brasileira, contamos enfim com os órgãos normativos e de coordenação da educação superior. O Conselho Nacional de Educação poderia rever o Parecer Sucupira, e todo o marco legal derivado, à luz das mudanças em curso em praticamente todos os países do mundo desenvolvido.
E a Capes, formada por representantes das comunidades acadêmicas, poderia elaborar diretrizes específicas para os mestrados profissionais, fomentando propostas capazes de tornar a universidade brasileira mais integrada às redes internacionais de produção e circulação de ciência, arte e cultura. 

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Fonte: Jornal da Ciência /SBPC (http://www.jornaldaciencia.org.br/)

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Tindersticks: cults do rock, soul, jazz... e melancolia em excesso?

Tomei contacto com os Tindersticks, há já algum tempo, e desde logo passei a apreciar a banda inglesa. Cults do rock, soul, jazz... e melancolia em excesso? A ver. Abaixo um realce no histórico da banda e uma 'toccata' sua.


TINDERSTICKS  (Fonte: http://www.cultseraridades.com


Tindersticks são uma das bandas mais emblemáticas e “cults” do rock, e contam com milhares de fanáticos fãs em todo o mundo (principalmente no Reino Unido e no continente europeu). Formada em Nottingham (Inglaterra) em 1991, tem como características básicas a voz personalissima, anasalada e de barítono de Stuart Staples, emoldurada por uma orquestra de fundo extremamente luxuosa, basicamente soul e jazzy, que tem como principal artífice o arranjador, pianista e violinista Dickon Hinchliffe, e 4 outros componentes responsáveis pelos vários e sofisticados instrumentos que povoam os discos do grupo.

Os primeiros dois álbuns, de 1993 e de 1995 respectivamente, levavam apenas o nome do grupo e tiveram imenso sucesso de crítica e boa receptividade de público o que os levou a encenar várias apresentações ao vivo, quase sempre acompanhados por uma orquestra completa; são estes dois discos que fornecem o material para este CD duplo, intitulado “The BBC Sessions” e que registram gravações ao vivo entre 1993-1997 e quase todo ele apresentando apenas composições próprias (à exceção de “Here”, uma cover à altura do original do Pavement), presumivelmente selecionadas entre as melhores composições do grupo ( algo um tanto complicado, pois, em geral, cada fã do Tindersticks tem sua própria favorita).”Her”, “She’s Gone”, “Tiny Tears” (que foi usada na trilha de um episódio dos “Sopranos"), “El Diablo En el Ojo”, “Travelling Light” e "Buried Bones" vão desfilando cinematograficamente e insuflando potes de desespero e melancolia em quem as escuta. As gravações ao vivo têm diferenças minimalistas para as originais de estúdio, o que até se torna compreensível pois quem os conhece sequer se atreve a imaginar que o grupo possa soar diferente. De fato, seu estilo é tão característico, que os torna identificáveis a quilômetros de distância, e esse pode ser o motivo pelo qual alguns críticos e detratores os acusam de ser tediosos e monocromáticos em excesso... é possível, mas isso é provavelmente algo que com a mesmíssima má vontade, pode ser dito de toda a produção Lo-Fi.

Ignore tais comentários e, caso não conheça o trabalho do grupo, aproveite o lançamento desta compilação para se familiarizar com o som de uma das mais originais e cultuadas bandas do Indie Lo-Fi, . Para os admiradores (que provavelmente já compraram o disco há muito tempo), servirá como aperitivo para o aguardado lançamento de um novo disco de Stuart Staples (provavelmente com o nome Tindersticks) que iniciou em 2005 uma carreira solo, até certo ponto previsível.


                                                                               

Miniatura

sábado, 26 de novembro de 2011

Por que e para quê tanta intolerância religiosa?

Tenho um sobrinho chamado Arthur. Em As Brumas de Avalon, Morgana é meio-irmã de Arthur (os dois tiveram um filho – Gwydion). Morgana tem origem celta, e quer dizer ‘aquela que veio do mar’. Pois bem, a julgar por algumas manifestações de intolerância religiosa que tenho visto nos últimos dias, possivelmente o meu pequeno e inocente sobrinho Arthur, dado o histórico literário da relação com Morgana, pelo nome que carregam, ‘estejam condenados ao inferno’.
Algures no Rio de Janeiro, num recente fim de semana. Igreja cheia. O condutor da celebração dispara: ‘Pessoas como Lula e Hugo Chavez, será que foram batizadas? Será que têm salvação?’. Pela forma da indagação, o celebrante já  condenou Chavez e o Lula às profundas do inferno.
Quanta intolerância religiosa! Guardiões e guardiãs das ‘chaves do suposto paraíso’ se acham no direito de pisotear e julgar pessoas, condenado-as ao fogo inquisitorial. São eles e elas, apenas eles e elas, os detentores de uma verdade religiosa absoluta, a ponto de desgraçadamente julgarem com o veredicto final os que não pertencem a sua crença. E pensar que o Nazareno falou em compreensão, ‘amar o próximo como a si mesmo’. Nesta toada, se Jesus voltasse, correria um grande risco de, ele próprio, ser condenado. São guardiões que, de resto, demonstram uma ignorância ímpar a respeito, por exemplo, de narrativas como a de Morgana e Arthur. Em dada altura, fora do Brasil, dividi morada com um indiano hindu e uma tailandesa budista. A perspectiva agnóstica em meio a crenças orientais. Boa convivência. A calma e tranquilidade orientais emoldurando a serenidade dos espíritos. Deste tempo, carrego algo que tenho tomado como axioma, proferido pelo meu amigo Elumalai Muniyandi em inglês: ‘the mind is the most important thing that we have’. Talvez o problema não seja Deus, mas o Fator Deus, como certa feita escreveu o Prêmio Nobel de Literatura José Saramago. Reproduzo o artigo. Vale a pena reler. 



 

O Fator Deus

JOSÉ SARAMAGO


Algures na Índia. Uma fila de peças de artilharia em posição. Atado à boca de cada uma delas há um homem. No primeiro plano da fotografia um oficial britânico ergue a espada e vai dar ordem de fogo. Não dispomos de imagens do efeito dos disparos, mas até a mais obtusa das imaginações poderá "ver" cabeças e troncos dispersos pelo campo de tiro, restos sanguinolentos, vísceras, membros amputados. Os homens eram rebeldes. 

Algures em Angola. Dois soldados portugueses levantam pelos braços um negro que talvez não esteja morto, outro soldado empunha um machete e prepara-se para lhe separar a cabeça do corpo. Esta é a primeira fotografia. Na segunda, desta vez há uma segunda fotografia, a cabeça já foi cortada, está espetada num pau, e os soldados riem. O negro era um guerrilheiro. Algures em Israel. Enquanto alguns soldados israelitas imobilizam um palestino, outro militar parte-lhe à martelada os ossos da mão direita. O palestino tinha atirado pedras. Estados Unidos da América do Norte, cidade de Nova York. Dois aviões comerciais norte-americanos, sequestrados por terroristas relacionados com o integrismo islâmico, lançam-se contra as torres do World Trade Center e deitam-nas abaixo. 

Pelo mesmo processo um terceiro avião causa danos enormes no edifício do Pentágono, sede do poder bélico dos States. Os mortos, soterrados nos escombros, reduzidos a migalhas, volatilizados, contam-se por milhares.

As fotografias da Índia, de Angola e de Israel atiram-nos com o horror à cara, as vítimas são-nos mostradas no próprio instante da tortura, da agônica expectativa, da morte ignóbil. Em Nova York tudo pareceu irreal ao princípio, episódio repetido e sem novidade de mais uma catástrofe cinematográfica, realmente empolgante pelo grau de ilusão conseguido pelo engenheiro de efeitos especiais, mas limpo de estertores, de jorros de sangue, de carnes esmagadas, de ossos triturados, de merda. O horror, agachado como um animal imundo, esperou que saíssemos da estupefação para nos saltar à garganta. O horror disse pela primeira vez "aqui estou" quando aquelas pessoas saltaram para o vazio como se tivessem acabado de escolher uma morte que fosse sua. Agora o horror aparecerá a cada instante ao remover-se uma pedra, um pedaço de parede, uma chapa de alumínio retorcida, e será uma cabeça irreconhecível, um braço, uma perna, um abdômen desfeito, um tórax espalmado. Mas até mesmo isto é repetitivo e monótono, de certo modo já conhecido pelas imagens que nos chegaram daquele Ruanda-de-um-milhão-de-mortos, daquele Vietnã cozido a napalme, daquelas execuções em estádios cheios de gente, daqueles linchamentos e espancamentos daqueles soldados iraquianos sepultados vivos debaixo de toneladas de areia, daquelas bombas atômicas que arrasaram e calcinaram Hiroshima e Nagasaki, daqueles crematórios nazistas a vomitar cinzas, daqueles caminhões a despejar cadáveres como se de lixo se tratasse. De algo sempre haveremos de morrer, mas já se perdeu a conta aos seres humanos mortos das piores maneiras que seres humanos foram capazes de inventar. Uma delas, a mais criminosa, a mais absurda, a que mais ofende a simples razão, é aquela que, desde o princípio dos tempos e das civilizações, tem mandado matar em nome de Deus. Já foi dito que as religiões, todas elas, sem exceção, nunca serviram para aproximar e congraçar os homens, que, pelo contrário, foram e continuam a ser causa de sofrimentos inenarráveis, de morticínios, de monstruosas violências físicas e espirituais que constituem um dos mais tenebrosos capítulos da miserável história humana. Ao menos em sinal de respeito pela vida, deveríamos ter a coragem de proclamar em todas as circunstâncias esta verdade evidente e demonstrável, mas a maioria dos crentes de qualquer religião não só fingem ignorá-lo, como se levantam iracundos e intolerantes contra aqueles para quem Deus não é mais que um nome, nada mais que um nome, o nome que, por medo de morrer, lhe pusemos um dia e que viria a travar-nos o passo para uma humanização real. Em troca prometeram-nos paraísos e ameaçaram-nos com infernos, tão falsos uns como outros, insultos descarados a uma inteligência e a um sentido comum que tanto trabalho nos deram a criar. Disse Nietzsche que tudo seria permitido se Deus não existisse, e eu respondo que precisamente por causa e em nome de Deus é que se tem permitido e justificado tudo, principalmente o pior, principalmente o mais horrendo e cruel. Durante séculos a Inquisição foi, ela também, como hoje os talebanes, uma organização terrorista que se dedicou a interpretar perversamente textos sagrados que deveriam merecer o respeito de quem neles dizia crer, um monstruoso conúbio pactuado entre a religião e o Estado contra a liberdade de consciência e contra o mais humano dos direitos: o direito a dizer não, o direito à heresia, o direito a escolher outra coisa, que isso só a palavra heresia significa.

E, contudo, Deus está inocente. Inocente como algo que não existe, que não existiu nem existirá nunca, inocente de haver criado um universo inteiro para colocar nele seres capazes de cometer os maiores crimes para logo virem justificar-se dizendo que são celebrações do seu poder e da sua glória, enquanto os mortos se vão acumulando, estes das torres gêmeas de Nova York, e todos os outros que, em nome de um Deus tornado assassino pela vontade e pela ação dos homens, cobriram e teimam em cobrir de terror e sangue as páginas da história. Os deuses, acho eu, só existem no cérebro humano, prosperam ou definham dentro do mesmo universo que os inventou, mas o "fator Deus", esse, está presente na vida como se efetivamente fosse o dono e o senhor dela. Não é um deus, mas o "fator Deus" o que se exibe nas notas de dólar e se mostra nos cartazes que pedem para a América (a dos Estados Unidos, não a outra...) a bênção divina. E foi o "fator Deus" em que o deus islâmico se transformou, que atirou contra as torres do World Trade Center os aviões da revolta contra os desprezos e da vingança contra as humilhações. Dir-se-á que um deus andou a semear ventos e que outro deus responde agora com tempestades. É possível, é mesmo certo. Mas não foram eles, pobres deuses sem culpa, foi o "fator Deus", esse que é terrivelmente igual em todos os seres humanos onde quer que estejam e seja qual for a religião que professem, esse que tem intoxicado o pensamento e aberto as portas às intolerâncias mais sórdidas, esse que não respeita senão aquilo em que manda crer, esse que depois de presumir ter feito da besta um homem acabou por fazer do homem uma besta.

Ao leitor crente (de qualquer crença...) que tenha conseguido suportar a repugnância que estas palavras provavelmente lhe inspiraram, não peço que se passe ao ateísmo de quem as escreveu. Simplesmente lhe rogo que compreenda, pelo sentimento de não poder ser pela razão, que, se há Deus, há só um Deus, e que, na sua relação com ele, o que menos importa é o nome que lhe ensinaram a dar. E que desconfie do "fator Deus". Não faltam ao espírito humano inimigos, mas esse é um dos mais pertinazes e corrosivos. Como ficou demonstrado e desgraçadamente continuará a demonstrar-se.


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Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u29519.shtml


sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Palavras ditas: intermitências de uma cidade inquieta (cosmopolitismo e cultura na Mossoró de Antônio Francisco)

Das minhas andanças mundo afora, Mossoró é uma das cidades que sempre tenho voltado. Os anos de atividade profissional na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) levaram-me a constituir consistentes laços com a cidade. Uma cidade que, cada vez mais, se tem afirmado como um pólo cosmopolita e como propulsora de  uma intensa vida intelectual, impulsionada pelas suas universidades (com destaque para as duas públicas). E onde a inquieta cultura popular abunda. Neste sentido, o poeta Antônio Francisco é uma referência - 'o poeta da bicicleta', conforme o documentário a seu respeito que já cruzou o Atlântico. O poeta que se tornou membro da Academia Brasileira de Literatura de Cordel. Por estes dias, em mais uma passagem por Mossoró, para um Seminário na UERN, voltei a apreciar a prosa de Antonio Francisco. Vale a pena. Abaixo, vídeo e entrevista dele (concedida ao Jornal O Mossoroense,de 23/10/2011). Poesia na escola, erudição e preocupação ambiental.







Entrevista - Poeta Antônio Francisco

Membro da Academia Brasileira de Literatura de Cordel desde 2006, o poeta Antônio Francisco Teixeira de Melo é conhecido como um dos maiores cordelistas da região. Graduado em História pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (Uern), Antônio Francisco apresenta pelos palcos da vida todo o seu talento de cordelista, xilógrafo e compositor.
Ele começou a trabalhar profissionalmente com literatura tardiamente, aos 45 anos, mas isso não o impediu de construir uma carreira sólida, que rendeu vários livros e cordéis publicados e ter seu nome comparado a grandes mestres da cultura popular, como Patativa do Assaré. Nesta entrevista, o poeta fala sobre sua vida, desafios e sua paixão, a literatura. 
O Mossoroense: Como foi que o senhor despertou o gosto pelos cordéis?
Antônio Francisco: 
Comecei a gostar de cordéis, quando vi meu pai abrir sua mala e ali dentro estar vários, como o "Português de melancia", "O pavão misterioso", foi assim que comecei a tomar gosto pelos cordéis. Além disso, sempre li jornais. Quando era gazeteiro, as letras dos jornais ficavam pregadas em mim. Também tinha uma tia que contava histórias, contava que ia a pé para Canindé... Então aquelas histórias da minha tia ficavam na minha cabeça. E foi então que comecei a ser também contador de histórias e fui escritor pela vivência, aos 45 anos. Antes eu escrevia de brincadeira, fazia uma paródia, uns versos livres para os amigos, mas publicar mesmo eu só vim publicar com 45 anos de idade.
OM.: Na maioria das vezes, a pessoa começa a construir uma carreira profissional aos 20 e poucos anos, principalmente na área cultural, que é uma área difícil para a maioria, com muitas barreiras a serem vencidas. Por que o senhor decidiu iniciar a carreira de cordelista aos 45 anos de idade?
AF.:
 Eu sempre tive muita energia, e ainda tenho. Antes tudo que eu via eu queria ser. Queria ser pintor, escultor, retocar, jogar bola. Depois decidi ser esportista. Eu tinha a vantagem da minha saúde que permitia que eu fosse ciclista. Apesar de ser pequeno, comprei uma bicicleta passei uma parte boa da minha vida andando de bicicleta, sou louco por bicicleta, conheci muitas cidades. Enquanto que para uns andar de bicicleta é só um esporte, para mim é um grande lazer. Passei muito tempo dedicado ao esporte e não tinha tempo para outras coisas.
Somente depois dos 40 anos começou a minha aproximação com Crispiniano Neto, Luiz Campos, Caio Cézar Muniz, com a Poema e comecei a fazer recitais. Eu acho que se a pessoa não dá certo no palco, não dá certo. Eu dei certo, graças a Deus. Hoje sou convidado para fazer palestras em vários locais e muitas pessoas leem meus cordéis.
OM: O senhor teve apoios na sua carreira como poeta?
AF.: 
Em toda minha vida eu soube que era muito difícil conseguir vitória nessa área, mas eu consegui. E contei com a ajuda de muitas pessoas. Um dos grandes passos da carreira foi quando conheci Vingt-un Rosado. Ele foi a mola-mestra na minha carreira. Ele sempre me incentivou, ficava insistindo para eu fazer livros, tanto que eu fiz. Como diz Crispiniano, meu livro foi Vingt-un quem fez. (risos). Foi tudo graças a ele, a Poema, meus amigos, desde o começo. E de lá para cá foi dando certo.
OM: O senhor tem quantos cordéis e livros publicados?
AF.:
 Eu escrevo pouco. Vou contar uma história: Quando era jovem, morava na Lagoa do Mato, eu sacudia pedra de uma margem da lagoa para outra. Um dia chegou um senhor com cinco pedras e perguntou quantas das cinco pedras eu conseguia atravessar até o outro lado. Eu disse que não posso, não são cinco pedras qualquer que sei que vou conseguir arremessar pela lagoa. São cinco pedras escolhidas por mim, que eu sei que irá atingir o outro lado. Com os cordéis é desse jeito. Entre cinco ou seis assuntos, eu escolho um para dar certo. Não é todo assunto que dá um cordel. Por isso, tenho uns 40 títulos de cordéis publicados. Já com relação a livros, tenho quatro livros publicados e um sendo preparado.
OM.: Um de seus livros, "Dez Cordéis num cordel só", foi incluído na lista de obras para o Processo Seletivo Vocacionado (PSV) da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (Uern). Como o senhor avalia essa indicação?
AF.:
 Ter um livro indicado no vestibular da Uern foi um marco da minha vida como escritor e como mossoroense. Imagine, você ter um livro no meio de nomes como o de Machado de Assis, Cecília Meireles. Você saber que milhares de jovens vão ler o seu livro é muito gratificante. Eu acho bom, foi um grande troféu.
OM.: A sua história de vida foi tema de um documentário "O Poeta e a Bicicleta", que foi exibido em um festival de curtas em Lisboa, Portugal. O senhor imaginava que sua história fosse ser propagada tão longe.
AF.:
 Com o resultado do documentário fiquei muito feliz, e mais feliz ficou Talles Chaves, o diretor do filme. Eles fizeram o documentário em uma oficina de curtas e chegaram até onde chegaram pela qualidade. Nem eles pensavam e nem eu imaginava que íamos chegar tão longe. De levar o nome de Mossoró a Portugal. Eu ganhei, ele ganhou e toda a cultura de Mossoró ganhou com isso.
OM.: Hoje o senhor é um cordelista conhecido, que conseguiu reconhecimento pelo seu trabalho. Quais as dificuldades que teve até chegar aqui?
AF.:
 Não tive muitas dificuldades. Até porque nunca fiz nada que eu não gostasse. Quando eu era sapateiro, eu me acordava às 4h da manhã e ficava rezando para o dia amanhecer para fazer sapato. Quando eu era pintor, passava a semana abrindo letras em Mossoró e no sábado e domingo, meus dias de lazer, eu ia olhar as letras que eu fiz. Já nos cordéis, comecei com 45 anos, já comecei maduro, sabia das dificuldades. Eu ia de bicicleta pedir patrocínio, e o cara chegar de bicicleta numa loja para pedir patrocínio é difícil, eu já ia consciente.
Na verdade o meu sonho, e foi o que eu alcancei, foi conseguir que minha família, meus vizinhos, meus amigos lessem meus livros. E hoje, muita gente recita meus livros, em Mossoró eu vejo as professores lendo meu livro para os alunos, os estudantes lendo o meu livro para o vestibular.E isso me deixa alegre. Quando você quer convencer o mundo, você deve primeiro convencer em casa. E eu acho que consegui isso. Quando vi um sobrinho meu com o livro na mão aquilo para mim foi uma felicidade. Às vezes a pessoa pergunta, você é feliz fazendo isso, fazendo aquilo? Eu sou feliz demais.
OM: O senhor demonstra um grande carinho pelos livros. Na sua opinião, qual a importância da leitura para a formação dos cidadãos?
AF.:
 Eu acredito que a pessoa não pode viver uma vida toda sem ter tido o prazer de ler. Às vezes, a mãe obriga o filho a ir à escola, a ler um livro. É preciso fazer a criança e o jovem compreenderem que escola não é um castigo, a leitura não é um castigo. A leitura é um prazer, um conhecimento, uma viagem. Quando peguei um livro e vi que através das letrinhas você viajava, conhecia vários mundos, chorava, se emocionava e ainda tem o conhecimento e a vontade de dizer isso nos cantos contando sua história, aquela foi a maior alegria do mundo. Tenho minha biblioteca, deito naquela redinha (ele fala de uma rede armada na sala de sua casa), redinha de Caicó. Isso para mim é uma felicidade.
OM.: Como o senhor se define atualmente?
AF.:
 Hoje com 62 anos, não sei se estou mais feliz porque tenho minha profissão ou porque dei uma carreira e agradeci a Deus como é bom ter saúde e disposição para viver. Quando vinha pela manhã, encontrei com um contemporâneo meu dizendo que estava com artrose, então eu parei para não passar correndo por e



domingo, 20 de novembro de 2011

Rente ao dizer

Autor de uma vasta obra, que inclui produções como À Sombra da Memória, Os Afluentes do Silêncio, Os Lugares do Lume, Rente ao Dizer, etc, Eugênio de Andrade, contudo, foi um literato português marcadamente discreto: "E não quero ocultar que, mais do que nunca, a preocupação maior destes versos foi a de fazer um rente a dizer". Assim passou pela vida. Um esboço de leitura da sua poesia está aqui: http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/2691.pdf

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

The boatman's call - Nick Cave

Dizia Schopenhauer que 'a música exprime a mais alta filosofia numa linguagem que a razão desconhece'. Pois bem, ao ouvir Nick Cave, nomeadamente o álbum The boatman's call, desde logo, penso a respeito...A música Lime tree arbour muito diz disso. 

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Sofrimento romântico: as dores de Werther

Clássico universal, o alemão Johan Wolfang Von Goethe, com a obra Os Sofrimentos do Jovem Werther, lançou as bases do movimento romântico. Colocou em realce toda a intensidade do amor propagado pelo Romantismo, com as válvulas de escape que eventualmente se lhe podem seguir. Reproduzo, abaixo, um breve artigo a respeito. 
 
A morte de Werther, quadro de Baude 



A obra Os Sofrimentos do Jovem Werther, do escritor alemão Johan Wolfgang Von Goethe, lançada em 1774, é hoje considerada um clássico da literatura universal. Primeira produção literária do Romantismo, ela é considerada o sinal inicial que indicia o princípio deste movimento cultural.

Um dos primeiros livros de Goethe, provavelmente de caráter autobiográfico, este romance caracteriza-se por seu teor epistolar, pois se trata da reprodução de cartas que o Jovem Werther teria escrito ao narrador por muito tempo. A obra, narrada na primeira pessoa, com economia de personagens, tem em suas notas de rodapé a indicação de que nomes e locais foram substituídos por dados fictícios, o que contribui para que se acredite na transposição das emoções e sofrimentos do próprio autor para as páginas deste livro, apenas com algumas modificações, principalmente no final.

Goethe, como Werther, também fora vítima de um amor não correspondido; sentira-se igualmente dominado por emoções incontroláveis e avassaladoras; mas o escritor, ao contrário de seu alterego, não opta pelo suicídio. O personagem, vencido pela força de seus sentimentos por Charlotte que, insensível às suas emoções, se casa com Alberto, sucumbe e, pedindo à própria amada que lhe forneça as armas do marido, atira em sua própria cabeça, buscando assim o fim de seus sofrimentos.

A narrativa de Goethe é tão intensa que, na época, muitos suicídios juvenis ocorreram por todo o continente europeu, levando alguns governantes a tentarem até mesmo censurar a leitura deste livro. Werther se tortura por não esquecer Charlotte, mesmo depois de seu matrimônio. Ele tenta viver em outro local, mas nem a distância lhe traz o esquecimento. Por outro lado, seu rival nutre intenso ciúme dele, o que o perturba ainda mais, pois sente que está provocando constrangimentos ao casal. O jovem decide então se afastar definitivamente.

A descrição do último encontro de ambos é pungente. Ele declama em alta voz os Cantos de Ossain para sua Charlotte. Os dois se emocionam e se beijam, mas ela o rejeita e exige que ele desapareça de sua vida. Werther vai embora consciente de que é correspondido, mas também ciente de que não há esperança para eles.

É neste momento que ele decide caminhar pelas veredas da morte. Com este gesto, o autor revela toda a intensidade, eventualmente destrutiva, do amor propagado pelo Romantismo, com suas opções por uma válvula de escape, muitas vezes representada pela morte voluntária.
Além de Werther, Charlotte e Alberto, o enredo abriga em sua trama o editor, que teria ordenado as cartas do jovem suicida; e Guilhermine, amigo do protagonista, para quem as epístolas eram normalmente enviadas.

Goethe pôde, então, através desta obra, extravasar seus próprios sofrimentos, as condições de sua alma, expressando os tormentos que afetavam o seu emocional. Assim ele empreende a catarse de seus sentimentos, libertando-se deles por meio da expressão artística.
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segunda-feira, 14 de novembro de 2011

István Mészáros e o pensamento da contracorrente

Certa feita, em Londres, assisti uma conferência do filósofo István Mészáros, e confesso que tinha uma maior expectativa num realce ontológico do ser social, sobretudo tendo sido ele bastante próximo de Lukács e, possivelmente, sendo o principal representante contemporâneo do que foi chamado de a Escola de Budapeste. Ao ler o seu Para Além do Capital, também confesso que me quedou uma certa impressão de 'demasiada amplitude' em algumas teses. Contudo, o livro é uma obra de envergadura e aporta uma reflexão extremamente fecunda para a abordagem do metabolismo social dos dias atuais. A resenha de Ricardo Antunes, que a seguir reproduzo, capta com pertinência o sentido geral do livro, e mostra que estamos diante de um pensamento da contracorrente.



Para além do capital e de sua lógica destrutiva
 Por Ricardo Antunes
Enquanto escrevia sua última obra, a Ontologia do ser social, Lukács anunciou que gostaria de retomar o projeto de Marx e escrever O capital dos nossos dias. Esse projeto significaria investigar o mundo contemporâneo, a lógica que o preside, os elementos novos de sua processualidade, objetivando com isso fazer, no último quartel do século XX, uma atualização dos nexos categoriais presentes em O capital. Lukács chegou a indicar seus lineamentos gerais, mas nunca pôde iniciar essa empreitada. Foi outro filósofo marxista, o húngaro István Mészáros, grande colaborador de Lukács, que se se lançou a esse desafio monumental e certamente coletivo.

Radicado na Universidade de Sussex, na Inglaterra, onde é Professor Emeritus, Mészáros já havia publicado obras de grande projeção intelectual, de que podemos destacar A teria marxista da alienação (1970), Filosofia, ideologia e ciências sociais (1986) e O poder da ideologia (1989), entre vários outros livros, publicados em vários países do mundo.

Para além do capital tornou-se, no entanto, o seu livro de maior envergadura e se configura como uma das mais agudas reflexões críticas sobre o capital em suas formas, engrenagens e mecanismos de funcionamento sociometabólico, condensando mais de duas décadas de intenso trabalho intelectual. Mészáros empreende uma demolidora crítica do capital e realiza uma das mais instigantes, provocativas e densas reflexões sobre a sociabilidade contemporânea e a lógica que a preside.

Como um dos eixos centrais de sua interpretação particular do fenômeno, Mészáros considera capital e capitalismo como fenômenos distintos. A identificação conceitual entre ambos fez com que todas as experiências revolucionárias vivenciadas no século passado, desde a Revolução Russa até as tentativas mais recentes de constituição societal socialista, se revelassem incapacitadas para superar o “sistema de sociometabolismo do capital”, isto é, o complexo caracterizado pela divisão hieráquica do trabalho, que subordina suas funções vitais ao capital. O capital antecede ao capitalismo e é a ele também posterior. O capitalismo, por sua vez, é uma das formas possíveis de realização do capital, uma de suas variantes históricas, como ocorre na fase caracterizada pela subsunção real do trabalho ao capital. Assim como existia capital antes da generalização do sistema produtor de mercadorias, do mesmo modo pode-se presenciar a continuidade do capital após o capitalismo, pela constituição daquilo que Mészáros denomina como “sistema de capital pós-capitalista”, que teve vigência na URSS e demais países do Leste Europeu, durante várias décadas do século XX. Estes países, embora tivessem uma configuração pós-capitalista, foram incapazes de romper com o sistema de sociometabolismo do capital.

O capital é, portanto, um sistema poderoso e abrangente, tendo seu núcleo constitutivo formado pelo tripé capital, trabalho e Estado, sendo que estas três dimensões fundamentais são materialmente constituídas e inter-relacionadas, sendo impossível supera-lo sem a eliminação do conjunto dos elementos que compreende esse sistema. Sendo um sistema que não tem limites para a sua expansão (ao contrário dos modos de organização societal anteriores, que buscavam em alguma medida o atendimento das necessidades sociais), o sistema de sociometabolismo do capital torná-se no limite incontrolável. Fracassaram, na busca de controlá-lo, tanto as inúmeras tentativas efetivadas pela social-democracia, quanto a alternativa de tipo soviético, uma vez que ambas acabaram seguindo o que Mészáros denomina de linha de menor resistência do capital.

Mészáros demonstra como essa lógica incontrolável torna o sistema do capital essencialmente destrutivo. Essa tendência, que se acentuou no capitalismo contemporâneo, leva o autor a desenvolver a tese, central em sua análise, da taxa de utilização decrescente do valor de uso das coisas. O capital não trata valor de uso e valor de troca como separados, mas de um modo que subordina radicalmente o primeiro ao último. O que significa que uma mercadoria pode variar de um extremo a outro, isto é, desde ter seu valor de uso realizado, num extremo da escala, até jamais ser usada, no outro extremo, sem por isso deixar de ter, para o capital, a sua utilidade expansionista e reprodutiva. E esta tendência decrescente do valor de uso das mercadorias, ao reduzir sua vida útil e desse modo agilizar o ciclo reprodutivo, tem se constituído num dos principais mecanismos pelo qual o capital vem atingindo seu incomensurável crescimento ao longo da história.

E quanto mais aumentam a competitividade e concorrência intercapitais, mais nefastas são suas conseqüências, das quais duas são particularmente graves: a destruição e/ou precarização, sem paralelos em toda a era moderna, da força humana que trabalha e a degradação crescente do meio ambiente, na relação metabólica entre homem, tecnologia e natureza, conduzida pela lógica societal subordinada aos parâmetros do capital e do sistema produtor de mercadorias.

Expansionista, destrutivo e, no limite, incontrolável, o capital assume cada vez mais a forma de uma crise endêmica, crônica e permanente, com a irresolubilidade de sua crise estrutural fazendo emergir, na sua linha de tendência já visível, o espectro da destruição global da humanidade, sendo que a única forma de evitá-la é colocar em pauta a atualidade histórica da alternativa societal socialista. Os episódios ocorridos em 11 de setembro e seus desdobramentos são exemplares dessa tendência destrutiva.

Emerge aqui outro conjunto central de teses na obra de Mészáros, com forte significado político: a ruptura radical com o sistema de sociometabolismo do capital (e não somente com o capitalismo) é, por sua própria natureza, global e universal, sendo impossível sua efetivação no âmbito da tese do socialismo num só país. Além disso, como a lógica do capital estrutura seu sociometabolismo e seu sistema de controle no âmbito extraparlamentar, qualquer tentativa de superar este sistema que se restrinja à esfera institucional está impossibilitada de derrotá-lo. Só um vasto movimento de massas radical e extraparlamentar pode ser capaz de destruir o sistema de domínio social do capital. Conseqüentemente, o processo de auto-emancipação do trabalho não pode restringir-se ao âmbito da política. Isto porque o Estado moderno é entendido por Mészáros como uma estrutura política compreensiva de mando do capital, um pré-requisito para a conversão do capital num sistema dotado de viabilidade para a sua reprodução, expressando um momento constitutivo da própria materialidade do capital.

Solda-se, então, um nexo fundamental: o Estado moderno é inconcebível sem o capital, que é o seu real fundamento, e o capital, por sua vez, precisa do Estado como seu complemento necessário. A crítica à política e ao Estado desdobra-se em crítica aos sindicatos e aos partidos, colocando o grande desafio de forjar novas formas de atuação capazes de articular intimamente as lutas sociais, eliminando a separação entre ação econômica e ação político-parlamentar.

Pode-se discordar de muitas de suas teses, quer pelo seu caráter contundente, quer pela sua enorme amplitude, abrangência e mesmo ambição – que por certo gerarão muita controvérsia e polêmica. Mas esse livro, já publicado em diversos países, é, neste início de século, o desenho crítico e analítico mais ousado contra o capital e suas formas de controle social, num momento em que aparecem vários sintomas de retomada de um pensamento vigoroso e radical. A síntese de Mészáros, inspirada decisivamente em Marx, mas tributária também de Lukács e da radicalidade crítica de Rosa Luxemburgo, resulta num trabalho original, indispensável, que devassa o passado recente e o nosso presente, oferecendo um manancial de ferramentas para aqueles que estão olhando para o futuro. Para além do capital.
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Sobre o autor:
István Mészáros é um renomado filósofo húngaro que colaborou diretamente com Luckács junto à Universidade de Budapeste nos anos que antecederam à intervenção soviética na Hungria, em 1956. Posteriormente, radicou-se na Inglaterra, junto à Universidade de Sussex, onde aposentou-se recentemente. Sua produção é vasta e significativa,  tendo vários livros publicados em diversas línguas e também em espanhol e em português: Aspectos de la historia y la consciencia de clase, UNAM, México, 1973; La teoria de la enajenación en Marx, Ediciones Era, México, 1978; Marx: A Teoria da Alienação, 1981; El pensamiento y la obra de Georg Lukács, Editorial Fontanamara, Barcelona, 1981; A necessidade do controle social,  1987; Produção destrutiva e estado capitalista, Cadernos Ensaio, São Paulo, 1989; A obra de Sartre: Busca da Liberdade, 1991; Filosofia, ideologia e ciência social, 1993; O poder da ideologia, 1996.