Estamos, no Brasil, atrasados, muito atrasados, em
relação a um debate equilibrado e cientificamente orientado em relação à
questão das drogas - sobretudo porque estamos à sombra da estratégia dos Estados Unidos com a dita 'guerra às drogas', que muitas vezes serve aos propósitos político-ideológicos desse país. Então sobra um moralismo de ‘meia pataca’, eivado de
senso comum. Enquanto países vizinhos nossos têm avançado significativamente na
discussão sobre o assunto, existindo até mesmo publicações, como na Argentina,
para discutir a ‘cultura canabis’ (http://www.revistathc.com/), por aqui, só agora há pouco foi liberado o
uso terapêutico do canabinol. A sua proibição, convenhamos, era uma afronta à
literatura científica sobre o tema, mas, ao que parece, a liberação resultou
mais da pressão decorrente das demandas por importação para uso pessoal. Desde
cedo a abordagem sobre as drogas, sobretudo a canabis, está enviesada por uma
diversidade de equívocos. O que pode ser verificado nos livros didáticos. Não
obstante sejam muito escassos os estudos a respeito, os que existem apontam
isso de maneira categórica. Nesse sentido, abaixo um trabalho de já algum tempo
sobre o assunto, mas de uma atualidade marcante. Faz falta a realização de mais
estudos a respeito.
Os livros
didáticos e o ensino para a saúde: o caso das drogas psicotrópicas*
Beatriz Carlini-CotrimI; Fúlvia RosembergII
Introdução
O
livro didático parece se constituir, para o professorado brasileiro, no
principal veículo de informação da matéria que leciona. Freitag e col5 são
enfáticos a este respeito. Depois de analisarem pesquisas brasileiras sobre o
livro didático no cotidiano de professores afirmam: "o livro didático não
funciona em sala de aula como instrumento auxiliar para conduzir o processo de
ensino e transmissão do conhecimento, mas como modelo-padrão, a autoridade
absoluta, o critério último da verdade. Neste sentido, os livros parecem estar
modelando os professores. O conteúdo ideológico do livro é absorvido pelo
professor e repassado ao aluno de forma acrítica e não distanciada".
Por
outro lado, os livros didáticos se constituem praticamente no único material
impresso de que muitos alunos brasileiros dispõem (Fundação IBGE6,
1982), e o próprio Estado tem, nas últimas décadas, comparando e distribuído em
massa esses livros, reforçando ainda mais a prática de centrar o cotidiano de
ensino nesse material.
Assim
sendo, o conteúdo veiculado pelos livros didáticos parece ser um componente
importante na análise da situação do ensino em nosso país.
De
fato, um grande número de pesquisas nacionais tem se dedicado a analisar o
conteúdo desse material5. Na área específica de educação para a
saúde, abordada atualmente dentro das Ciências e Biologia, a produção é
escassa. Particularmente em relação ao tema consumo de drogas, nada existe a
respeito.
O
presente trabalho analisa livros didáticos de primeiro e segundo graus quanto
ao conteúdo que transmitem sobre drogas psicotrópicas, procurando assim
contribuir para a elaboração de estratégias educacionais adequadas para a
abordagem deste tópico, tão evidenciado nos últimos anos.
Material
e Método
A
escolha da amostra
Foram
analisados 18 livros didáticos das áreas de ciências biologia e organização
social e política do Brasil (OSPB)/educação moral e cívica (EMC). Tal opção se
deu pelo estatuto ambíguo do tema que nos interessa: apesar de se tratar de um
assunto do âmbito das Ciências (fato reforçado pela Lei de Entorpecentes n.
6368/76 e pelos Guias Curriculares), é revestido, em nossa sociedade, de um
forte componente moral, o que adequaria a sua inclusão na área de educação
moral e cívica.
Os
livros analisados foram selecionados através de levantamento efetuado junto às
editoras especializadas.
Estas
foram selecionadas em função de dois critérios:
a)
constar como sendo uma das dez maiores editoras de livros didáticos do país na
lista "As cem maiores de 87", publicada na revista LEIA (no 22,
junho de 1988), classificação resultante de ampla pesquisa sobre as editoras
brasileiras promovida por aquele periódico. As editoras estão classificadas na
citada lista em ordem decrescente de quantidade de títulos publicados e
divididas por especialidade (Literatura Brasileira, Paradidáticos, Variedades,
Didáticos, entre outras);
b)
editar livro que conste do "Relatório dos 10 Títulos mais adotados por
Série, em São Paulo", na área de ciências, organizado pela Fundação de
Assistência ao Livro Escolar (FAE). Este relatório divulgou os títulos mais
solicitados pelos professores para serem doados às escolas públicas de primeiro
e segundo graus pelo Ministério da Educação/FAE, através do Programa Nacional
do Livro Didático, em 1987/88. As disciplinas de EMC e OSPB não integram este
programa, por isso não constam da lista.
As
editoras localizadas em São Paulo foram visitadas pessoalmente, durante o ano
de 1988, na seção de atendimento a professores ou de divulgação de material. As
visitas foram formalizadas por ofício, ao Centro Brasileiro de Informações
sobre Drogas Psicotrópicas, da Escola Paulista de Medicina, solicitando o
acesso a todos os livros editados, em circulação, das áreas de ciências e
ECM/OSPB. Os livros existentes foram cuidadosamente folheados no sentido de
localizar textos, capítulos ou citações que abordassem o assunto drogas,
incluindo-se nesta definição os medicamentos, o álcool, o tabaco e as drogas
ilícitas. Quando se localizava um desses assuntos, os livros eram na maioria
das vezes doados.
Na Tabela
1, encontra-se a indicação das Editoras pesquisadas, o número total de
publicações consultadas nas áreas de ciências e OSPB, assim como a proporção de
livros com capítulos ou textos auxiliares onde o tema drogas é tratado. A lista
completa dos livros que compõem a análise estão relacionados no Anexo.
Análise
dos textos
Os
livros didáticos são formados por um conjunto de lições que recortam e
delimitam o programa da disciplina. Assim, procuramos identificar a presença do
tema drogas nas diferentes lições. Observamos que os livros de uma dada
disciplina só tratam do tema em determinados capítulos, o que facilitou a
análise, mas também indicam a forma fragmentada pela qual se transmitem
conhecimentos científicos.
Foram
utilizadas técnicas de "análise de conteúdo"1 para
a discussão dos capítulos em que o tema era tratado. Estes foram,
primeiramente, objeto de uma "leitura flutuante"1 para
definição das categorias de análise. Duas unidades de conteúdo pareceram ser as
mais pertinentes: a estrutura de transmissão da informação e o estilo do texto.
A
primeira procurou detectar e descrever os componentes que compõem a informação
veiculada sobre drogas. Seus componentes foram: conceito (de drogas),
incidência (do uso), causas (que explicam o uso), efeitos (do uso) e prevenção
(ao uso). A preocupação foi constatar a presença/ausência da categoria bem como
a forma de seu tratamento textual.
A
segunda unidade foi construída empiricamente, orientada pelas posturas que indicam
a prevenção ao abuso de drogas3. Detectamos um estilo
afetivo/emocional em contraposição, principalmente nos livros de
ciências/biologia, a uma expectativa teórica de cientificidade. Para objetivar
esta apreensão globalizante, analisamos a linguagem que o texto usa e o
tratamento que dá à informação científica.
Resultados
Apresentação
geral
Do
total dos livros consultados, 25 capítulos são dedicados ao tema ou o
mencionam. Os livros tanto tratam em um mesmo capítulo do álcool, tabaco e
outras drogas ("Os perigos dos tóxicos do álcool e do fumo") quanto
dedicam capítulos em separado às toxicomanias, alcoolismo e tabagismo. Álcool e
tabaco recebem tratamento especial, sendo-lhes dedicados maior número de
capítulos, constituindo mesmo, em alguns poucos livros (principalmente os de
ciências), as únicas drogas tratadas.
A
inserção desse tema no livro ocorre de acordo com a disciplina. Em ciências, a
questão aparece incluída nos capítulos sobre sistema respiratório (tabaco),
digestivo (álcool) ou sistema nervoso (álcool e outras drogas). Pode-se
encontrar também uma inserção no capítulo referente ao aparelho reprodutor. A
associação entre drogas e sexo ocorre, sobretudo, na informação sobre os
efeitos. Em EMC e OSPB o tema aparece no capítulo sobre "caráter, hábitos,
virtudes e vícios", tratando, portanto, do uso na perspectiva do vício ou
dependência.
Dezesseis
drogas psicotrópicas foram abordadas. Tabaco e álcool são as mais mencionadas,
seguidas de maconha, cocaína, heroína, morfina e ópio (Tabela
2). Tal hierarquia de preocupação contrasta vivamente com a distribuição
epidemiológica do consumo de drogas na população estudantil brasileira. De
fato, o tabaco e álcool são as drogas mais usadas pelos estudantes; já a
maconha aparece em quinto ou sexto lugares, o consumo de cocaína não chega a 1%
e não há relatos, nessa população, de uso de heroína, morfina e ópio 2.
Já
os inalantes, os tranqüilizantes e as anfetaminas, as três drogas mais usadas
pela população estudantil brasileira, excetuando álcool e tabaco2,
são mencionadas somente em dois, três e cinco livros, respectivamente (Tabela
2).
Estrutura
e estilo
Os
textos - tanto em sua estrutura quanto no estilo - são regidos por dois eixos
complementares: adotam a pedagogia do amedrontamento e se organizam em torno do
conceito implícito de dependência (e não do uso) de drogas. Assim, a despeito
de grande parte deles pertencer a disciplinas científicas, a informação
organiza-se visando a um impacto possível no leitor, pelo amedrontamento. Ao
invés de se transmitirem precisões conceituais, dados sobre incidência, análise
das causas e orientações para prevenção e tratamento, ocorre uma hipertrofia do
efeito do uso de drogas, mais especialmente de sua dependência(Tabela
3). Neste caso, pouco cuidado se tem com as informações objetivas, como o
conceito ou a classificação das drogas. Foi possível ler que "o alcoolismo
é um termo usado para denominar os efeitos das bebidas alcóolicas sobre o
organismo" (Anexo,
referência 12, p.48) ou que "o álcool etílico, o ópio e a cocaína seriam
drogas euforizantes" (Anexo,
referência 12, p.42).
Os efeitos (categoria
mais freqüente) são múltiplos e geridos quase sempre pela lei do tudo ou nada,
tratados de forma genérica, sem que haja uma especificação de dose, padrão de
uso ou tipo de droga. Esta generalização é a base de um texto onde a loucura, a
morte, a cegueira e a despersonalização aparecem como uma possibilidade
eminente para qualquer usuário de droga.
"No
início, as drogas provocam euforia e um estado agradável, mas logo depois vêm
as conseqüências nocivas: depressão, alucinações auditivas e visuais, paranóia,
agressividade (levando a crimes). Acarretam também a degeneração física, que
leva à morte por meio de: ataque cardíaco, coma, hemorragia cerebral e
outras." (Anexo,
referência 11, p.23).
"Cada
droga em particular tem efeitos próprios, mas podemos sistematizar alguns
efeitos gerais:
-
alterações do sistema nervoso central: os psicotrópicos agridem o sistema
nervoso central causando alterações físicas e mentais;
-
alterações sexuais: inicialmente, por ação psíquica, as drogas produzem
exacerbação da libido. Com o tempo, porém, há diminuição do poder de execução
do ato sexual;
-
desequilíbrio orgânico: o uso de drogas afeta todas as partes do organismo.
Promove alterações respiratórias, circulatórias, digestivas, glandulares e
urogenitais. O viciado com o tempo adquire aspecto próprio, tornando-se pálido,
com os olhos esbugalhados, pálpebras empapuçadas e sinais de envelhecimento
precoce;
-
confusão e desagregação mental: no início, o viciado experimenta excitação da
memória e aclaramento de idéias e isso o anima a continuar. Mais tarde aparece
obnubilação mental, apatia psíquica, embotamento, idiotia e psicoses." (Anexo,
referência 12, p.41). "Cada tóxico causa o seu próprio efeito. No entanto,
de um modo geral, todos provocam alguns efeitos semelhantes, como, por exemplo:
alterações mentais, incapacidade para a vida sexual, alterações respiratórias,
circulatórias, digestivas e grandulares, envelhecimento rápido, desagregação
mental, desajuste social e psicoses." (Anexo,
referência 9, p. 160).
A
lei do tudo ou nada se reflete, também, numa visão de inexorabilidade do
percurso do usuário pois os livros transmitem, de modo geral, uma visão de que
o contato com drogas leva, necessariamente, à dependência. Não há espaço para o
uso eventual, recreativo, terapêutico, ou mesmo um abuso com problemas, mas sem
dependência.
Fica
difícil saber porque as pessoas usam drogas, havendo um hiato na explicação. O
recurso ao conceito de dependência é o elo que permite tratar do efeito sem
discutir o prazer buscado. Há, possivelmente, medo de que a transmissão de
certas informações abra caminho à curiosidade do jovem. E a figura do jovem
aparece na construção do discurso como sendo o outro elo que permite
reestabelecer a lógica (externa) da explicação do uso (sempre visto como início
de dependência): ele é ingênuo, curioso e influenciável; é uma presa fácil para
traficantes inescrupulosos.
"Três
são as fases que descrevem o caminho do vício. Primeiramente, é a fase da
tolerância, quando o organismo está se adaptando à droga; depois é a fase do
hábito, em que o indivíduo passa a necessitar da droga, tanto psicológica como
emocionalmente; finalmente, chega a última fase: a dependência." (Anexo,
referência 2, p. 141).
"Cadáveres
e moribundos de 18 ou 20 anos são encontrados nas calçadas de qualquer cidade.
São aqueles que alguns meses passados, atendendo a criminosos convites de
traficantes, aceitaram o primeiro contato com o vício". (Anexo,
referência 1, p. 144).
"O
vício do uso de tóxicos geralmente é adquirido em fases bem distintas:
inicialmente, em doses pequenas, o indivíduo acostuma-se ao uso da droga,
depois passa a sentir necessidade dela e, finalmente, torna-se um
dependente." (Anexo,
referência 9, p. 160).
Pelo
fato de a juventude se constituir em fase da vida muito centrada na
sexualidade, a pedagogia do amedrontamento associa com freqüência droga e sexo,
mesmo que para isto seja necessário transmitir informações incorretas.
"Pesquisas
recentes, feitas com fumantes habituais de maconha, indicam uma diminuição no
número de espermatozóides e na produção de hormônio masculino, o
que pode levar à impotência sexual" (Anexo,
referência 17, p.152).
A incidência é
tratada de modo impreciso. Há um intuito, no geral, de conferir cientificidade
aos textos, seja pelo uso freqüente de expressões como "a ciência
informa" ou "está cientificamente comprovado", seja pela
legitimidade de entidades internacionais que usufruem da fama de idoneidade e
competência, como a Organização Mundial de Saúde. Porém, quando se atenta para
as informações sobre incidência, observa-se que são apenas qualitativas,
gerando um tom alarmista, predominando a visão de que o consumo de
psicotrópicos vem crescendo dia-a-dia. Aqui, mais uma vez, o texto oscila entre
a dependência e o uso: naquele os números são pequenos, mas os efeitos
alarmantes; neste, os números já são suficientes para o alarme.
"O
consumo de drogas tem crescido assustadoramente em todo mundo..." (Anexo,
referência 12, p.45).
"Só
no Brasil o tabaco mata cerca de 15 pessoas por hora e deixa outras tantas
enfermas" (Anexo,
referência 5, p.33).
"De
acordo com uma pesquisa da Organização Mundial da Saúde, morrem no mundo
anualmente cerca de um milhão de pessoas por causa do consumo de cigarros"
(Anexo,
referência 4, p. 19).
"Como
reconhece a própria OMS, o consumo de drogas, no agitado mundo moderno, vai
ganhando dimensões assustadoras" (Anexo,
referência 6, p. 109).
"Diariamente,
dois menores morrem em Nova York por excesso de heroína" (Anexo,
referência 1, p. 144).
No
campo da prevenção, predomina
o tom claramente normativo. Para evitar o "vício das drogas", o jovem
deve ingerir alimentos ricos e variados, praticar esporte, dedicar-se à leitura,
repousar, evitar más companhias, ter diversões sadias, não ser preguiçoso,
egoísta ou medroso. Uma publicação citada no Anexo(referência
1) recomenda, neste tópico, que se evite a masturbação. Somente dois livros
falam da prevenção através do oferecimento de "opções sociais" e de
se "combater as injustiças" (Anexo,
referência 17,), ou de "se lutar por uma sociedade sadia, onde o valor das
pessoas esteja em primeiro lugar" (Anexo,
referência 5).
Contribuindo
para o tom de alarme, os livros criam um clima dramático, usando adjetivação
superlativa.
"...
Os tóxicos são substâncias que atuam sobre o sistema nervosos central,
provocando alterações NOCIVAS no comportamento... ( ) A dependência é TERRÍVEL...(
)... tornando o viciado um indivíduo INCONSCIENTE E PERIGOSO..." (Anexo,
referência 8, p. 160-1).
"Elas
(as drogas estimulantes) provocam na pessoa um estado inicial de agitação e
bem-estar que é mais tarde seguido de angústia GRAVE, TERRÍVEL mal-estar,
desespero e depressão" (...) Sobre as drogas perturbadoras: "causando
no indivíduo sensações que tanto podem ir de um estado de leveza até HORRIPILANTES
visões, MONSTRUOSAS E APAVORANTES". (Anexo,
referência 16, p. 104).
"O
viciado torna-se PÁLIDO, com olhos ESBUGALHADOS e sinais de envelhecimento
PRECOCE... Com o decorrer do tempo, toma-se APÁTICO, CONFUSO, chegando até a
idiotia..." (Anexo,
Referência 2, p. 142).
Ilustrações
A
grande maioria dos livros é fartamente ilustrada, com desenhos ou fotos,
algumas vezes coloridas. Há, em alguns deles, uma preocupação com a
diagramação, tornando o livro semelhante, graficamente, a uma revista. Títulos,
chamadas, boxes são
outros recursos gráficos que, visivelmente, foram empregados para impregnar os
livros de um tom moderno. Os livros da área de saúde se destacam graficamente
dos demais: assumem o formato de manual e suas ilustrações não são em cores.
As
ilustrações relativas às drogas apresentam algumas particularidades: em sua
maioria, referem-se ao tabaco e logo em seguida ao álcool, sendo que as demais
recebem ilustração em apenas três livros (Tabela
4).
A
quase totalidade das ilustrações que contém figuras humanas representam homens,
sendo que mulheres aparecem apenas fumando (uma vez), em situações genéricas
(uma vez) ou em contra - exemplos ao "vício das drogas". O sexo
feminino é, assim, menos encontrado aqui do que na literatura destinada a
criança e jovens de uma maneira geral, onde a mulher aparece em um terço das
ilustrações7.
O
tema predominante nas ilustrações é a morte: caveiras, esqueletos (parciais ou
completos) e túmulos. Mesmo quando a morte está ausente, o clima da ilustração
é sombrio e desolador. Homens com barba por fazer, correntes que os atrelam,
labirintos e fundos escuros conferem, juntamente com a morte, o clima de
degradação social e moral que se quer associar ao uso de drogas.
Apenas
dois livros utilizam a ilustração para divulgar cartazes de campanhas
anti-tabagismo realizadas no Brasil e no exterior, o que confere a essas
páginas um tom menos lúgubre.
Discussão
É
desnecessário, porque óbvio, afirmar que o material analisado situa-se, em sua
grande maioria, na perspectiva dos modelos preventivos de amedrontamento e do
princípio moral3.
Parte-se,
nos livros didáticos, da premissa de que praticar a "pedagogia do
terror" é uma estratégia eficiente do ponto de vista preventivo. Para
isso, tudo é válido: fazer afirmações cientificamente infundadas e abstrair o
retrato epidemiológico do país. Ignoram-se, assim, resultados de décadas de
pesquisa no campo da educação sobre o consumo de psicotrópicos3 que
apontam a ineficiência desses modelos, ou até seu efeito paradoxal, gerando
muitas vezes um incremento do abuso dessas substâncias.
Este
anacronismo teórico é tão intenso que dá espaço a uma questão: será que o
objetivo último nesses textos é evitar o abuso de drogas? Esta pergunta
torna-se mais pertinente quando se atenta para a assimilação entre o uso e a
dependência: o uso guiaria a avaliação da incidência e a dependência a
avaliação do impacto.
O
que mais causa impacto nos textos analisados é a abstração do fato que a droga
pode propiciar prazer (na forma de sensações gostosas ou de alívio de sensações
ruins). Ao negar esta possibilidade, passa-se a contar somente com a
ingenuidade como categoria explicativa. Dentro desta lógica, é a ingenuidade
que faz com que o adolescente ceda à curiosidade, à pressão de grupo ou à
oferta do traficante e, hipoteticamente, evite o uso de drogas com a
argumentação contida nos livros.
A
decorrência disto é um rol de recomendações e normas que os "indefesos
jovens de nosso país" devem observar para não se transformarem em
"farrapos humanos" (expressão usada nas referências 5,8,16 - Anexo).
Nesta medida, o controle do adulto sobre o jovem legitima-se - há maior
legitimidade que evitar a morte de um jovem? - e, mais uma vez, a produção de
textos visando ao público infanto-juvenil afirma sua missão normatizadora e
moralizadora7.
Neste
quadro, faz sentido que o uso de drogas na forma de medicamentos psicotrópicos
(tranqüilizantes e anfetaminas, principalmente) seja raramente abordado, apesar
de sua grande difusão entre estudantes. Essas substâncias estão bem menos
associadas a um comportamento adolescente, sendo inclusive muito abusadas pelos
adultos.
Com
esses ingredientes todos, a apropriação das drogas como um dos elementos de uma
subcultura jovem, em contraposição ao mundo adulto, se reproduz e se fortalece.
E os problemas associados ao uso crônico ou mesmo agudo das substâncias
psicotrópicas, que evidentemente existem e não são poucos, acabam por se
perpetuar.
Concluindo,
os dados do presente trabalho apontam para a importância de se analisarem os
conteúdos e as práticas desenvolvidos no cotidiano escolar4 em
relação às drogas para, a partir deste conhecimento, propor políticas públicas
no setor. Tentar, por exemplo, reciclar autores e editores dos livros didáticos
brasileiros, em relação a este assunto, poderia ser uma medida pertinente e que
talvez pudesse alcançar algum resultado no sentido de uma abordagem mais
adequada do tema. Principalmente quando se atenta para o fato de que é o Estado
o maior comprador de livros didáticos do país.
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Medicina e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - São Paulo, SP
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Fonte: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0034-89101991000400009&script=sci_arttext
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