A Presidente Dilma Rousseff não terá vida fácil, e é bom os petistas "colocarem as suas barbas de molho". Nos últimos dias, diversos movimentos têm indicado que a oposição, encontrando espaço, está disposta a levar o terceiro turno ao extremo: pugnar pelo afastamento da Presidente, formalizando a solicitação de impeachment. Sinais aparentemente desconexos vão indicando isso. Há alguns dias, o jornal O Estado de São Paulo (aquele jornal que um dos donos não teve cerimônias de, numa manifestação do PSDB, empunhar um cartaz onde - por respeito a língua de Camões, digo em inglês - estava inscrito 'fuck Venezuela') disse expressamente, em editorial, que há bases para o impeachment de Dilma. Dias depois, José Serra vaticinou: 'Dilma não termina o mandato'. E mais: realçou que 'o país vive uma situação de desgoverno tal qual no período de Jânio e Jango' - o resultado disso, na época, nós sabemos qual foi. E hoje (03/02/2014), apenas um dia após a eleição de Eduardo Cunha para Presidência da Câmara, uma espécie de carrasco da Presidente no parlamento, o jurista Ives Gandra da Silva Martins, dizendo ter atendido a uma encomenda, foi direto e estampou na Folha de São Paulo um artigo fornecendo bases jurídicas para o impeachment de Dilma Rousseff. O título do artigo é paradigmático: 'A hipótese da culpa para o impeachment'. Por outro, tenha-se em conta as debilidades do PT: no parlamento, salvo cada vez mais raríssimas exceções, a sua bancada padece de capacidade de intervenção, tendo, a partir de agora, de enfrentar, no Senado, pesos pesados da oposição, como José Serra, Tasso Jeiressati, Ronaldo Caiado, aos quais se somam Aluysio Nunes, o próprio Aécio, Alvário Dias, entre outros. Na Câmara dos Deputados, estará Eduardo Cunha sentado na cadeira da Presidência, que no ano passado, apenas como deputado e líder do PMDB, articulou derrotas sucessivas do governo em matérias relevantes. O malogro de Arlindo Chinaglia no último domingo na eleição para a Presidência da Câmara não foi só uma derrota, foi uma humilhação para o PT e o governo - 136 votos minguados, com Júlio Delgado bem próximo disso e Cunha vencendo no primeiro turno. Os estrategistas do segundo governo Dilma parece que calcularam mal: imaginaram que entregando a gestão da economia a um ortodoxo do laisser-faire, laisser-passer, colocando no Ministério da Agricultura a mulher da 'motosserra de ouro', além de levar ao Ministério das Cidades um 'ex-quadro promessa' do PFL, conseguiriam a aquiescência do rentismo e do esbablishment. Eles querem mais do que anéis, por muitos que sejam - desejam a cadeira presidencial. O tema merece uma análise mais acurada, mas, por absoluta falta de tempo, não tenho como fazê-la agora - voltarei ao assunto. Abaixo, reproduzo o artigo de Ives Gandra a propósito da hipótese do impeachment.
A hipótese de culpa para o impeachment
POR IVES GANDRA DA SILVA MARTINS
Pediu-me o
eminente colega José de Oliveira Costa um parecer sobre a possibilidade de
abertura de processo de impeachment presidencial por improbidade
administrativa, não decorrente de dolo, mas apenas de culpa. Por culpa, em
direito, são consideradas as figuras de omissão, imperícia, negligência e
imprudência.
Contratado por
ele --e não por nenhuma empreiteira-- elaborei parecer em que analiso o artigo
85, inciso 5º, da Constituição (impeachment por atos contra a probidade na
administração).
Analisei também
os artigos 37, parágrafo 6º (responsabilidade do Estado por lesão ao cidadão e
à sociedade) e parágrafo 5º (imprescritibilidade das ações de ressarcimento que
o Estado tem contra o agente público que gerou a lesão por culpa --repito:
imprudência, negligência, imperícia e omissão-- ou dolo). É a única hipótese em
que não prescreve a responsabilidade do agente público pelo dano causado.
Examinei, em
seguida, o artigo 9º, inciso 3º, da Lei do Impeachment (nº 1.079/50 com as
modificações da lei nº 10.028/00) que determina: "São crimes de
responsabilidade contra a probidade de administração: 3 - Não tornar efetiva a
responsabilidade de seus subordinados, quando manifesta em delitos funcionais
ou na prática de atos contrários à Constituição".
A seguir,
estudei os artigos 138, 139 e 142 da Lei das SAs, que impõem, principalmente no
artigo 142, inciso 3º, responsabilidade dos Conselhos de Administração na
fiscalização da gestão de seus diretores, com amplitude absoluta deste poder.
Por fim,
debrucei-me sobre o parágrafo 4º, do artigo 37, da Constituição Federal, que
cuida da improbidade administrativa e sobre o artigo 11 da lei nº 8.429/92, que
declara: "Constitui ato de improbidade administrativa que atente contra os
princípios da administração pública ação ou omissão que viole os deveres de
honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições".
Ao interpretar o
conjunto dos dispositivos citados, entendo que a culpa é hipótese de
improbidade administrativa, a que se refere o artigo 85, inciso 5º, da Lei
Suprema dedicado ao impeachment.
Na sequência do
parecer, referi-me à destruição da Petrobras, reduzida a sua expressão nenhuma,
nos anos de gestão da presidente Dilma Rousseff como presidente do Conselho de
Administração e como presidente da República, por corrupção ou concussão,
durante oito anos, com desfalque de bilhões de reais, por dinheiro ilicitamente
desviado e por operações administrativas desastrosas, que levaram ao seu
balanço não poder sequer ser auditado.
Como a própria
presidente da República declarou que, se tivesse melhores informações, não
teria aprovado o negócio de quase US$ 2 bilhões da refinaria de Pasadena (nos
Estados Unidos), à evidência, restou demonstrada ou omissão, ou imperícia ou
imprudência ou negligência, ao avaliar o negócio.
E a insistência,
no seu primeiro e segundo mandatos, em manter a mesma diretoria que levou à
destruição da Petrobras está a demonstrar que a improbidade por culpa fica
caracterizada, continuando de um mandato ao outro.
À luz desse
raciocínio, exclusivamente jurídico, terminei o parecer afirmando haver,
independentemente das apurações dos desvios que estão sendo realizadas pela
Polícia Federal e pelo Ministério Público (hipótese de dolo), fundamentação
jurídica para o pedido de impeachment (hipótese de culpa).
Não deixei,
todavia, de esclarecer que o julgamento do impeachment pelo Congresso é mais
político que jurídico, lembrando o caso do presidente Fernando Collor, que
afastado da Presidência pelo Congresso, foi absolvido pela suprema corte.
Enviei meu parecer, com autorização do contratante, a dois eminentes
professores, que o apoiaram (Modesto Carvalhosa, da USP, e Adilson Dallari, da
PUC-SP) em suas conclusões.
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IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, 79, advogado, é professor emérito da Universidade
Mackenzie, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola Superior
de Guerra
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Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/206640-a-hipotese-de-culpa-para-o-impeachment.shtml
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