O neurologista e escritor Oliver Sacks foi direto, ao saber que tem os dias contados em face de uma doença terminal: anunciou o fato no New York Times, afirmando que não há mais tempo para nada que não seja o essencial. Do 'sítio Cotioutra', reproduzo, aí abaixo, a repercussão da atitude de Sacks.
Oliver Sacks: despedindo-se |
Oliver
Sacks (81 anos), neurologista e escritor britânico ficou conhecido, dentre
outras realizações, pelos livros “Tempo de despertar” e “O homem que confundiu
sua mulher com um chapéu”. A primeira obra, datada de 1973 é um relato baseado
em suas próprias experiências como médico e foi posteriormente adaptada e
protagonizada por Robert Williams e Robert DeNiro no cinema, obtendo três
indicações ao Oscar. Seus livros foram traduzidos para mais de vinte línguas e
são sucesso de vendas, conquistando diversos prêmios pelo mundo. O neurologista
também é membro honorário da Academia Americana de Artes e Letras, da Academia
Americana de Artes e Ciências e da Academia das Ciências de Nova Iorque.
Nesta
semana, Sacks anunciou a descoberta de um câncer em estágio terminal no fígado.
O anúncio se deu por meio de um artigo intitulado “Minha própria vida”,
originalmente publicado pelo New York Times no dia 19 de fevereiro.
Ele
inicia o texto contando como foi a descoberta da doença:
“Há
um mês, eu sentia que estava em boas condições de saúde, robusto. Aos 81 anos,
ainda nado uma milha por dia. Mas a minha sorte acabou – há algumas
semanas, descobri que tenho diversas metástases no fígado. Há nove anos,
encontraram um tumor raro no meu olho, um melanoma ocular. Apesar da radiação e
os lasers que removeram o tumor terem me deixado cego deste olho, apenas em
casos raríssimos esse tipo de câncer entra em metástase. Faço parte dos 2%
azarados.
Sinto-me
grato por ter recebido nove anos de boa saúde e produtividade desde o
diagnóstico original, mas agora estou cara a cara com a morte. O câncer ocupa
um terço do meu fígado e, apesar de ser possível desacelerar seu avanço, esse
tipo específico não pode ser destruído.”
Sacks
ainda fala de como pretende viver de agora em diante:
“Depende
de mim agora escolher como levar os meses que me restam. Tenho de viver da
maneira mais rica, profunda e produtiva que conseguir. Nisso, sou encorajado
pelas palavras de um dos meus filósofos favoritos, David Hume, que, ao saber
que estava também com uma doença terminal aos 65 anos, escreveu uma curta
autobiografia em um único dia de abril de 1776. Ele chamou-a de “Minha Própria
Vida”.
Ainda
inspirado em Hume: “Tive sorte de passar dos oitenta anos. E os 15 anos que me
foram dados além da idade de Hume foram igualmente ricos em trabalho e amor.
Nesse tempo, publiquei cinco livros e completei uma autobiografia (um pouco
mais longa do que as poucas páginas de Hume) que será publicada nesta
primavera; tenho diversos outros livros quase terminados.”
Sacks
conta que Hume, no texto citado acima escreve que era “um homem de disposição
moderada, de temperamento controlado, de um humor alegre, social e aberto,
afeito a relacionamentos, mas muito pouco propenso a inimizades, e de grande
moderação em todas as paixões.” Relata a seguir que aí se distancia do
filósofo: “apesar de desfrutar de relações amorosas e amizades e não ter
verdadeiros inimigos, eu não posso dizer (e ninguém que me conhece diria) que
sou um homem de disposições moderadas. Pelo contrário, sou um homem de
disposições veementes, com entusiasmos violentos e extrema imoderação em minhas
paixões.”
O
médico conta ainda:
“Nos
últimos dias, consegui ver a minha vida como a partir de uma grande altura,
como um tipo de paisagem, e com uma sensação cada vez mais profunda de conexão
entre todas suas partes. Isso não quer dizer que terminei de viver.
Pelo
contrário, eu me sinto intesamente vivo, e quero e espero, nesse tempo que me
resta, aprofundar minhas amizades, dizer adeus àqueles que amo, escrever mais,
viajar se eu tiver a força, e alcançar novos níveis de entendimento e
discernimento.
Isso
vai envolver audácia, claridade e, dizendo sinceramente: tentar passar as
coisas a limpo com o mundo. Mas vai haver tempo, também, para um pouco de
diversão (e até um pouco de tolice).”
E
continua: “Sinto um repentino foco e perspectiva nova. Não há tempo para nada
que não seja essencial. Preciso focar em mim mesmo, no meu trabalho e nos meus
amigos. Não devo mais assistir ao telejornal toda noite. Não posso mais prestar
atenção à política ou discussões sobre o aquecimento global.
Isso
não é indiferença, mas desprendimento – eu ainda me importo profundamente com o
Oriente Médio, com o aquecimento global, com a crescente desigualdade social,
mas isso não é mais assunto meu; pertence ao futuro. Alegro-me quando encontro
jovens talentosos – até mesmo aquele que me fez a biópsia e chegou ao
diagnóstico de minha metástase. Sinto que o futuro está em boas mãos.
Nos
últimos dez anos mais ou menos, tenho ficado cada vez mais consciente das
mortes dos meus contemporâneos. Minha geração está de saída, e sinto cada morte
como uma ruptura, como se dilacerasse um pedaço de mim mesmo. Não vai
haver ninguém igual a nós quando partirmos, assim como não há ninguém igual a
nenhuma outra pessoa. Quando as pessoas morrem, não podem ser substituídas.
Elas deixam buracos que não podem ser preenchidos, porque é o destino – o
destino genético e neural – de cada ser humano ser um indivíduo único, achar seu
próprio caminho, viver sua própria vida, morrer sua própria morte.”
E
Oliver Sacks conclui seu texto:
“Não
posso fingir que não estou com medo. Mas meu sentimento predominante é de
gratidão. Amei e fui amado; recebi muito e dei algo em troca; li, viajei,
pensei e escrevi. Tive uma relação com o mundo, a relação especial do escritor
e leitor.
Acima
de tudo, fui um ser sensível, um animal pensante nesse planeta maravilhoso e
isso, por si só, tem sido um enorme privilégio e aventura.”
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Fonte: http://www.contioutra.com/nao-ha-tempo-para-nada-que-nao-seja-essencial-trechos-da-carta-de-despedida-de-oliver-sacks/
Uma bela reflexão sobre a vida e uma inspiradora despedida
ResponderExcluirCertamente.
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