'Na real', ou no real (para pensar nas oscilações da nossa moeda frente ao dólar), falemos sobre economia. Sobretudo agora que o Sr. Ministro da Fazenda anda a anunciar aos altos financistas em Nova Iorque que, pasmem! (mas acreditem), o Brasil está a desmontar as medidas anticíclicas - mais precisamente: 'Brasil deixa medidas anticíclicas para trás'(http://economia.uol.com.br/noticias/reuters/2015/02/18/levy-diz-que-brasil-deixa-medidas-anticiclicas-para-tras-e-que-confia-em-recuperacao.htm).
Ora, o que o Ministro está a dizer é que as políticas de estímulo à aquisição de bens, o acesso ao crédito, os juros "mais atraentes", etc. ficarão para trás. E repisa a fraude monetarista de que juro alto garroteia inflação. Se a banda tocasse nesse tom, há muito tempo a lavoura estaria salva em Pindorama. É isso mesmo? Realmente, dentro do governo federal, todos estão de acordo com essa patranha? Não há uma manifestação, um pronunciamento sequer em sentido contrário. Pois bem, e dentro do Palácio do Planalto ocupa um gabinete de destaque alguém que nos acostumamos a ver como um fervoroso defensor do chamado 'novo desenvolvimentismo', com tese de doutorado e tudo mais a respeito, em láureas, na companhia de outros, pelos corredores da Unicamp, a defender exatamente essas políticas que agora se diz que 'vão ficar para trás'. Vá se entender! Em tempos assim, só mesmo voltando aos clássicos da Economia Política para respirar. Será meu "prato" neste sábado, por convite do amigo-irmão de sempre Alder Júlio: a apreciação do Capítulo IX, do Livro III, de O Capital. A minha interpretação está aí abaixo.
Anotações a propósito da
leitura de O Capital, Livro III, Vol.
IV, Capítulo IX: ‘Formação da Taxa Geral de Lucro (Taxa Média de Lucro) e a
Conversão dos Valores em Preços de Produção’, de Karl Marx (Edição: Civilização
Brasileira, tradução de Reginaldo Sant’Aana, 1 ed., 1984).
Por Ivonaldo Leite
Sabendo ser impertinente
conceber a obra de Marx acantonando-a em compartimentos ou fazendo inferências
a partir de textos isolados, a rigor, em minha perspectiva, devemos tratar do
Capítulo IX do Livro III de O Capital,
voltando ao Livro I. Fundamentalmente o que está em causa no Capítulo IX do
Livro III é a questão da troca de mercadorias, de par com a discussão sobre a
formação da taxa geral/média de lucro e a conversão dos valores em preços de
produção. Essa volta ao Livro I, relacionada à leitura do Capítulo IX do Livro
Terceiro, permite-nos perceber que há, em O Capital, duas concepções sobre o
valor de troca das mercadorias. Quais sejam:
a) No Livro I, as
mercadorias são trocadas pelos seus valores de custo, que os valores de troca
expressam, sendo os valores de custo de produção consubstanciados pela soma dos
valores de custo dos fatores produtivos com a mais-valia.
b) No Livro III, no Capítulo
IX, a troca das mercadorias passa a ocorrer mediante os seus preços de
produção, com eles já não correspondendo aos valores de custo, sendo estes
últimos resultantes da soma dos preços de produção dos fatores produtivos como
o lucro, decorrente da aplicação de uma taxa geral de lucro - a relação do
lucro com a totalidade do capital empregado.
Ao que parece, a concepção
inicial do Marx, acreditando que as mercadorias eram trocadas pelos seus
valores de custo e atribuindo a formação dos seus valores de troca à adoção de
uma taxa geral de mais-valia, conduzia à obtenção de lucros não proporcionais
aos capitais empregados e de taxas de lucro inversamente proporcionais às suas
composições orgânicas, talvez, assim, discrepando da realidade. Também, por
outro lado, poder-se-á considerar que a nova concepção é justificada como tendo
sido formulada como produto de um estado mais avançado do desenvolvimento do
capitalismo, a que não se referia a concepção inicial, tendo sido nessa direção
então que Engels, a partir dos rascunhos deixados por Marx após a sua morte,
encaminhou a edição póstuma dos Livros II e III de O Capital.
De toda forma, a nova
concepção, isto é, a concepção presente no Capítulo IX do Livro III, é
apresentada como resultado da conversão de preços representativos dos valores
nos denominados preços de produção, realizada mediante a ação do mercado, pelo
imperativo da concorrência, em resposta aos interesses dos ‘capitalistas
associados’. O mercado, que inicialmente
formava os preços representativos dos valores, determinando por ação da
concorrência o trabalho socialmente necessário para a produção de mercadorias,
passa a formar então – também por força da concorrência – preços de produção
não representativos de valores.
Seja como for, não me parece
que existam rupturas extremas no que é preconizado no Capítulo IX do Livro III,
por comparação aos escritos anteriores, conforme, penso eu, uma revista de algumas das premissas básicas do
referido Capítulo pode revelar. Vejamos:
- Logo de início é (re)afirmado
o que se compreende por composição orgânica do capital: “em qualquer momento,
depende [a composição orgânica] de duas circunstâncias: da relação técnica
entre a força de trabalho empregada e a quantidade dos meios de produção
utilizados, e do preço dos meios de produção” (p. 175). Representando isso,
emblematicamente, apresenta-se uma ‘fórmula projetiva’ de composição orgânica
do capital expressa nos seguintes termos 80c + 20v, decorrendo a configuração
das frações da composição na seguinte ordem 4 /5 de capital constante e 1/5 de capital
variável.
- Posto isto, são
considerados, de forma suposta, cinco ramos industriais diferentes em que os
capitais investidos têm em cada um composição orgânica distinta (p.176), com a
mesma taxa de mais-valia (100%), tendo-se então taxas de lucros diversas, como
reflexo das diferentes composições orgânicas do capital (cc e cv) em cada ramo.
Desenvolve-se, a partir daí, toda uma discussão específica a respeito das
variações, com fundamento em base quantitativa.
- As taxas de lucro nos
diferentes ramos da produção diferem. Daí elas, por força da concorrência,
nivelam-se numa taxa geral de lucro, que é a média de todas elas. “O lucro que,
de acordo com essa taxa geral, corresponde a capital grandeza dada, qualquer
que seja a composição orgânica, chama-se lucro médio” (p. 179).
- Os capitalistas, de
diferentes ramos da produção, ao venderem as mercadorias, recobram os valores
de capital consumidos para produzi-las; contudo, a mv que colhem não é gerada
no próprio ramo com a respectiva produção de mercadorias, mas sim a que cabe a
cada parte alíquota do capital global, numa repartição uniforme da mv global
produzida, em dado espaço de tempo, pelo capital global da sociedade em todos
os ramos.
- Sobre lucro e mais-valia, mais
um raciocínio projetivo, para considerar uma diferença: “sabemos que o preço do
produto do capital B, por exemplo, se desvia do valor porque a mais-valia
realizada por B pode ser maior ou menor que o lucro incluído no preço dos
produtos de B, o que se estende às mercadorias que constituem a parte constante
do capital B e às que, indiretamente, como meios de subsistência dos
trabalhadores, formam a parte variável” (p.183).
- A propósito da mudança de
concepção relativa a preços, antes aludida, pode-se ler na pág. 187: “(...)
modificou-se a determinação do preço de custo das mercadorias. No início,
admitíamos que o preço de custo de uma mercadoria era igual ao valor [destacado no texto] das mercadorias
consumidas para produzi-la. Mas, para o comprador, o preço de produção de uma
mercadoria é o preço de custo, podendo por isso entrar na formação do preço de
outra mercadoria como preço de custo. Uma vez que o preço de produção da
mercadoria pode desviar-se do valor, também o preço de custo de uma mercadoria,
no qual se inclui esse preço de produção de outra mercadoria, está acima ou
abaixo da parte do valor global formada pelo dos correspondentes meios de
produção consumidos. Em virtude dessa significação modificada do preço de
custo, é necessário lembrar que é sempre possível um erro quando num ramo
particular de produção se iguala o preço de custo da mercadoria ao valor dos
meios de produção consumidos para produzi-la. Em nossa pesquisa atual, é
desnecessário insistir nesse ponto. Entretanto, continua correta a afirmativa
de que o preço de custo das mercadorias é menor que o valor”.
- Preços: o preço de custo de uma mercadoria
refere-se à quantidade do trabalho pago nela contido; o valor, a totalidade do trabalho nela contido (pago e não pago); o preço de produção, corresponde a soma do
trabalho pago, acrescida de determinada quantidade de trabalho não pago.
- No que concerne à
diferença quantitativa real entre lucro e mais-valia nos ramos particulares de
produção, é de se notar que ela “oculta a verdadeira natureza e a origem do
lucro, não apenas para o capitalista que tem aí especial interesse em
enganar-se, mas também para o trabalhador. Com a transformação dos valores em
preços de produção encobre-se a própria base da determinação do valor. E mais.
A simples transformação da mais-valia em lucro leva a parte do valor a qual
constitui o lucro a confrontar a outra parte, o preço de custo da mercadoria,
já fazendo desaparecer para o capitalista a noção de valor. É que ele não tem diante de si o trabalho total que custa produzir a mercadoria, mas apenas a
parte paga desse total, viva ou morta, configurada em meios de produção,
aparecendo-lhe desse modo o lucro como algo extrínseco ao valor encerrado na
mercadoria” (p.191).
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