sábado, 14 de fevereiro de 2015

Nick Cave: para a existência, o cinzento e melancólico na música

Aí abaixo, passagens de uma reportagem sobre Nick Cave, publicada no diário lusitano Jornal de Notícias. O tom cinzento e melancólico abrigado na música, para revelar a existência. Antes, representativo disso, um vídeo com 'Are you the one that I've been waiting for?', com ele possivelmente na melhor performance na vocalização desta. 


Por Cristiano Pereira 

Há muito que Nick Cave se afirmou como um dos mais credíveis artistas da música das últimas três décadas e meia. O homem atingiu um estatuto que poucos ousam subestimar. São quase 40 anos de uma carreira de cantor, compositor, romancista, argumentista e poeta.
O seu percurso com os Bad Seeds, iniciado no final de 1983, é o mais relevante e visível do grande público, mas Cave começou bem antes. Em meados da década de 70, era um jovem vagamente problemático dos subúrbios de Melbourne, na Austrália, e decidiu formar os Boys Next Door. Temperada com uma certa demência punk, a banda acabou, anos mais tarde, por dar origem aos Birthday Party, um cocktail explosivo enriquecido por referências de blues retorcido e quase primitivo. Chegaram a criar culto em Inglaterra, mas desatinos de vária ordem levariam ao colapso da formação, em 1983.
Cave não largou o seu companheiro de longa data - Mick Harvey - e recrutou Blixa Bargeld, um músico alemão que tripulava os Einstürzende Neubauten, uma das bandas mais ousadas da época. Juntos, fundaram a banda que veio mudar tudo: os Bad Seeds. Não eram tempos fáceis para o australiano. Usava drogas pesadas. De temperamento tumultuoso, assombrado por fantasmas interiores de vária ordem, Nick Cave vivia em quartos emprestados e mal tinha dinheiro para comer. 
Tal desasossego acabou por revelar-se extremamente inspirador e criativo - e até ao final da década de 80, quase sempre entre Berlim e Londres. Nick Cave & The Bad Seeds gravaram qualquer coisa como cinco álbuns a roçar o genial.
O primeiro foi "From her to eternity", uma porrada sonora deliciosa de rock sombrio enriquecido por um experimentalismo visceral. O cineasta alemão Wim Wenders viria a captar a própria banda para o seu filme "As asas do desejo", naquela que foi apenas uma de várias aparições de Cave na grande tela. 
Pouco antes da viragem da década, Cave viveu algo que acabaria por torná-lo mais manso na sua faceta auto-destrutiva. Durante uma digressão que o levou ao Brasil, apaixonou-se por uma moça do público: a brasileira Viviane Carneiro. Acabou por casar com ela e até tiveram um filho. Nick Cave viveu uma temporada em São Paulo, aprendeu uma ou outra palavra de português, aparentemente livrou-se das drogas. Acalmou-se. E tudo isso foi evidente no disco seguinte. "The Good Son", de 1990, abandonava a tensão dos álbuns anteriores e revelava um Nick Cave mais relaxado, luminoso, tocado pela redenção. Nem todos os fãs acharam gostaram.
O músico é daqueles que funcionam bem com energia negativa. E foi assim que gravou um dos seus discos mais singulares e que ainda hoje divide as opiniões dos fãs. Uns amam; outros acham uma seca. O disco é "The Boatman's call" e distanciou-se de todos os outros pelo som depurado, despido, quase minimal, movido quase apenas a piano e voz.
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Fonte: http://www.jn.pt/blogs/festivaisdeverao/archive/2013/02/15/nick-cave-uma-semente-a-germinar-h-225-35-anos.aspx



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