quinta-feira, 5 de abril de 2012

Educação, pesquisa e currículo: Implicações sócio-linguísticas

Abaixo, um breve texto que escrevi como parte de intervenção num debate. A linguagem e a ideologia desnorteiam os que acham que educação é só "prática".


Ivonaldo Leite  

Ao realçar que questões e respostas não podem ser formuladas apenas de dentro da própria linguagem, mas requerem que sejam situadas entre a linguística e a sociologia, Henri Lefebvre abriu um vasto e promissor continente intelectual para as Ciências da Educação, dentre estas, designadamente, a Sociologia da Educação.
Levando-se adiante a elaboração lefebrveiana, trata-se de entender, com Boltanski e Thévenot, que é necessário prestar uma atenção acrescida às linguagens que são utilizadas para descrever os fenómenos, visto que as descrições, não tendo propriedades cognitivas suficientes para reflectir o em si dos factos, podem terminar por reproduzir as representações que eles dão corpo. Logo, não sendo o campo do social similar ao das ciências exactas, há de se entender que, nele, além de a linguagem não poder ser concebida como portadora de um substancialismo absoluto, há de se entender, dizíamos, que ela não apenas descreve a realidade, mas também a constrói. Os sentidos da relação linguagem e sociedade são mais argutos do que se pode imaginar. Repisando a tradição francesa no debate sobre o assunto, pode-se afirmar que a palavra é ato de tradução e tem o privilégio (perigoso) de mostrar, ocultando. 
É ilusório, portanto, imaginar, no campo educativo, uma elaboração curricular que formate por antecipação, a 100%, o carácter de um curso, predefinindo práticas (o que, de per si, já é um paradoxo) na perspectiva de se relacionarem e se coadunarem de forma exacta. Não há razão para essa espécie de sobrevida positivista-cartesiana. E ainda mais quando o discurso da flexibilidade curricular e o conceito de educação como prática social são brandidos pelos quatro cantos (ambos tingidos com supostas tintas progressistas!). Ora, mesmo os discursos científicos sobre educação não podem ser concebidos como discursos produzidos sobre objectos predefinidos. Eles são, antes, também, discursos que produzem o próprio objecto sobre o qual empreendem démarches. 
Se assim é, impõe-se a necessidade de, na definição do educativo, se atribuir uma maior relevância à questão da sociabilidade, em detrimento das concepções instrumentais que, tratando da educação, não ultrapassam a mera prescrição de  artefactos escolares pré-construídos. Importa, então, tendo em conta o conceito de sociabilidade, entender a educação como uma acção que, enquanto bem comum, se relaciona a uma noção de cidadania que é inseparável da construção da cidade e, consequentemente, de modos de vida, através do empenho no sentido de se configurar relações sociais argumentadas.
Ao pesquisador do campo educativo, como bem tem mostrado a Sociologia da Educação contemporânea, se imbuído de critérios de verdade, não é admissível que feche os olhos às implicações sócio-linguísticas em seu trabalho. Os objectos de investigação são construídos em espaços e tempos estruturados em torno da produção discursiva e social da realidade. As narrativas científicas demandam uma postura hermenêutica, habilitando o pesquisador, como diz Bourdieu, a superar as categorias de pensamento impensadas, que delimitam o pensável e predeterminam o pensado. 



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