quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

A questão fundamental: continuar os dias ou não

A propósito de algumas postagens por este espaço, lembra-me um amigo o caso do suicídio do pernambucano Byron Sarinho. Foi um homem de permanente intervenção no debate público e um apreciador do "viver a vida" pelos quatro cantos do Recife, e não só. Ao chegar aos sessenta anos, disse que já estava de bom tamanho, já tinha vivido o suficiente,  e então abreviou os seus dias. Colocou fim à existência. Em verdade, aqui e acolá, 'racionalizando a decisão', dizia que, ao atingir a referida idade, considerava fazer o que fez. E fê-lo, deixando uma carta dirigida a amigos e familiares assinalando que não procurassem motivos para a sua atitude, que estava bem, não tinha problemas; contudo, não queria mais continuar. Só isso - era uma decisão racionalizada. Possivelmente, o suicídio de Byron escape às tipologias sociológicas construídas sobre o assunto, nomeadamente as tipologias durkheimianas, quais sejam: suicídio altruísta, anômico e egoísta. Vivo fosse, ele completaria 75 anos neste 2017. Não quis. Em sua memória, os seus amigos organizaram o livro Solidarizando guardados de Byron Sarinho (Edições Bagaço). O caso também me faz lembrar Camus e a sua pergunta sobre a questão fundamental. A propósito, segue um breve texto preliminar aí abaixo (as suas conclusões, por serem sintéticas, provavelmente são um tanto "apressadas").  

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Por Harley Carlos de Carvalho Lima

Introdução
O século XXI é um século em que as conturbações do cotidiano são bem evidentes, e é neste contexto que o presente artigo se propõe trabalhar. Muitas pessoas morrem por considerarem que a vida não merece ser vivida, já outras se deixam levar e se matam pelas ideias ou pelas ilusões que lhes negam uma razão de viver. Nosso objetivo é encontrar na obra O Mito de Sísifo, de Albert Camus, as concepções relacionadas à problemática do absurdo e do suicídio na existência humana. Camus parte deste questionamento que também pode responder a questão fundamental da filosofia: “… Julgar se a vida merece ou não ser vivida…” (CAMUS, 1942, p.13). O filósofo observa que todo conhecimento verdadeiro é impossível e que não conseguimos mais acompanhar as transformações do mundo, porque ele se transforma nele próprio, onde observamos alguns aspectos inumanos nas horas de lucidez em gestos mecânicos.

1 - O Absurdo
Os gestos de levantar, bonde, quatro horas de escritório ou de fábrica, refeição, bonde, quatro horas de trabalho, refeição, sono e segunda-feira, terça, quarta e quinta, sexta e sábado no mesmo ritmo… CAMUS. (1942, citado por RAMOS, 2007).
Para uma melhor compreensão do absurdo é necessário fazer uma análise do próprio cotidiano. As loucuras do dia-a-dia, o corre-corre e a busca do sentido para as coisas e acontecimentos já são indícios do absurdo. O homem cria uma rotina de vida, uma enfadonha monotomia e acaba deixando levar-se pelo absurdo, perdendo o sentido da sua existência. Exemplo disso é quando o homem começa a não dar mais importância aos fatos e acontecimentos em seu trabalho, com os amigos, na família…  tudo se torna comum, rotineiro. Outro ponto que ilustra o absurdo é o fato do homem já não conseguir mais dar conta dos acontecimentos e tudo lhe foge da percepção, e ele mesmo constata que o mundo não tem sentido nem razão, e que a vida é absurda e fantasiosa.
Para Camus fica um questionamento essencial no desenvolver deste tema: “ O que é, com efeito, o homem absurdo? Aquele que sem o negar, nada faz pelo eterno. Não que a nostalgia lhe seja estranha. Mas prefere-lhe a sua coragem e o seu raciocínio” (CAMUS, 1942, p.85).  Seria então o homem absurdo aquele que consegue valorizar o seu espaço, que aprecia todo o seu contexto de vida, ou até mesmo aquele que busca uma vida desarraigada, e consegue valorizar tudo aquilo que tem? Sendo também um homem que não busca o que é supérfluo ou até mesmo não ambiciona o acúmulo de coisas e bens? Ou seria por outro lado para o homem absurdo difícil pensar ou tentar compreender o sentido da vida, onde a mesma está entrelaçada com o tempo? Desde o nascer até os dias em que vive?
Segundo a mitologia, o herói Sísifo foi condenado pelos deuses a realizar um trabalho inútil e sem esperança por toda a vida: empurrar sem descanso uma enorme pedra até o alto de uma montanha de onde ela rolaria encosta abaixo para que o herói mitológico descesse em seguida até a encosta e empurrasse novamente o rochedo até o alto, e assim indefinidamente, numa repetição monótona e interminável através dos tempos. Não tinha como objetivo a imortalidade, mas pelo contrário, o tempo e a multiplicidade, Sísifo vai empenhar-se aplicando meios positivos, e irá deixar a qualidade pela quantidade, o eterno pelo temporal, a unidade pelo todo, multiplicando o que não pode unificar (MAIA, 2010).
O absurdo no homem torna-se uma experiência arriscada, em que seus objetivos para futuro não vão sendo idealizados. Viver sem expectativas, sem ambições para o futuro, não fazer da existência um tempo de profundas experiências, mas deixar-se levar pela melancolia de um absurdo que não liberta e sim amarra, é viver como Sísifo no infortúnio do dia a dia. Há também modelos que ilustram a vida no absurdo, Camus apresenta como “… modelos vivos: o amante no estilo de D. Juan, o actor, o aventureiro. O carácter representativo dessa existência como fim absurdo é esgotar bem a vida que se tem, em papéis sempre variados: é uma multiplicidade de almas num só corpo…” (CAMUS, 1942, p. 181).
Para Camus, o absurdo é algo inexplicável, é uma coisa que toma conta do homem e que passa a fazer parte da sua vida e ele nem percebe.
Os deuses tinham condenado Sísifo a rolar um rochedo incessantemente até o cimo de uma montanha, de onde a pedra caía de novo por seu próprio peso. Eles tinham pensado, com as suas razões, que não existe punição mais terrível do que o trabalho inútil e sem esperança… (CAMUS, 1942, p.161).
Viver uma vida em que tudo é sem esperança e inútil, como Sísifo que é condenado a repetir o mesmo esforço todos os dias, é a maior prova do absurdo. Observa-se que neste mito acontece um confronto com a ação humana e a realidade. Sísifo é um personagem tomado pelo absurdo, não tem nem passado nem futuro, ele será sempre o presente que se deixa levar pela mesma monotomia. “ Esse mito não é apenas o Mito de Sísifo, ele é o mito decisivo. Compreendê-lo é compreender  a condição humana e formular a questão decisiva: a questão do suicídio.” (RAMOS, 2007, p. 2).

2 - O Suicídio
Seria um meio de saída dessa monotomia de vida o homem abandonar-se no suicídio, buscando assim a liberdade?
Por meio do suicídio o homem chegaria a uma falsa esperança de conseguir acabar com o absurdo. Para muitos, a morte é a única forma de fugir e sair do absurdo. Camus não nega que o suicídio seja um fenômeno social e o que importa é a relação entre o pensamento individual e o suicídio. Para Camus um gesto de suicídio acontece no silêncio do coração. O homem deixa consumir-se pelas irracionalidades e faz matar-se. Com esse gesto percebe-se que o homem encontra-se fora da lucidez e que deixou consumir-se com os resultados do absurdo.
… muitas pessoas morrem por considerarem que a vida não merece ser vivida. Outros vejo que se fazem paradoxalmente matar pelas ideias ou pelas ilusões que lhes dão uma razão de viver (o que se chama uma razão de viver é ao mesmo tempo uma excelente razão de morrer). (CAMUS, 1942, p.14)
Achar que a vida não merece ser vivida e deixar corromper-se pelas ilusões do absurdo, é a forma em que o homem começa a ser consumido pelo suicídio. É importante enfatizar esse jogo que acaba sendo fatal na história da existência. A busca da felicidade, ou até mesmo uma saída para a resolução dos problemas rotineiros, são grandes fatores nesse desenrolar de situações que afirmam que o homem vive uma constante caminhada no tecer da existência, com isso muitos se entregam e se deixam ser  vencidos pela ideia de que a vida não vale a pena ser vivida, ou até mesmo que não se dá conta de vivê-la sem deixar-se entrar no absurdo rotineiro.
Não se pode negar que há também várias formas que levam o homem ao suicídio, pode se ressaltar os fatores honrosos, como os suicídios onde o homem foi exposto de forma que feriu sua moral. Nesses casos como em outros, o que leva o homem a este ato é um sentimento de esvaziamento com influências de uma vida absurda a deixar-se levar por um momento sem reflexões numa crise incontrolável.
Na perspectiva do suicídio existem a consciência e a esperança. Nisto diante deste mundo complexo e incompreensível, diante da cotidianidade da vida, onde tudo acabará com a morte, surge a consciência. A consciência é a busca pela nitidez. Já com relação à esperança, trata-se de encontrar outros caminhos, outras saídas. Diante do suicídio está o conflito, a ilusão da liberdade. Com isso o homem quer  suicidar-se como forma de alcançar a liberdade da rotina do cotidiano, a liberdade de uma vida marcada pela irracionalidade. Mas o grande problema é o homem achar que com a morte acabaria assim o absurdo existencial.

Considerações Finais
Portanto, considerar que a vida não tem mais solução e que não conseguimos acompanhar os fatos e acontecimento ou até mesmo perdermos as esperanças e aceitarmos viver no absurdo é entregar-se ao estado mais triste da existência humana. Deve-se levar em consideração que o homem em estado de absurdo não consegue enxergar os caminhos para um desvio desse estado, e na busca de uma mudança cai na ilusão de que o suicídio é o único modo de conquistar a liberdade da vida rotineira. Como diz Camus, é necessário criar consciência e buscar uma liberdade, mas tem que ter o cuidado e atenção para não entrar na falsa esperança e deixar-se levar pelo suicídio.
Buscar valorizar e criar sonhos para o futuro é uma forma de querer sair do absurdo, mas é necessário também criar coragem e buscar inovações e outros caminhos para as atividades do dia-a-dia, tendo consciência que o suicídio não é o único caminho para viver livre de uma monotonia rotineira.

Referências
CAMUS, Albert. O Mito de Sísifo: ensaio sobre o absurdo. Tradução por Urbano Tavares Rodrigues e Ana de Freitas. [Lisboa]: Edição Livros do Brasil, 1942.  244 p. Título original: Le Mythe de Sisyphe.
Maia, Isabel. A Revolta em Albert Camus. Disponível em: www.consciencia.org/camusisabel2.shtml.
Ramos, Flamarion Caldeira. Absurdo e Revolta em Albert Camus. Integração, n. 49, 2007. Disponível em: ftp://www.usjt.br/pub/revint/177_49.pdf.