terça-feira, 30 de abril de 2013

Madredeus - Ao longe o mar


Uma permanente volta à antiga formação do Madredeus - Ao longe o mar



Porto calmo de abrigo
De um futuro maior
Inda não está perdido
No presente temor
Não faz muito sentido

Já não esperar o melhor
Vem da névoa saindo
A promessa anterior

Quando avistei

Ao longe o mar
Ali fiquei
Parada a olhar

Sim, eu canto a vontade

Canto o teu despertar
E abraçando a saudade
Canto o tempo a passar

Quando avistei

Ao longe o mar
Ali fiquei
Parada a olhar

Quando avistei

Ao longe o mar
Sem querer deixei-me
Ali ficar


sexta-feira, 26 de abril de 2013

'Sentimentos do Mundo': Entre Drummond e Paulo Diniz


No caminho do mundo, segundo Paulo Diniz: encanto ou desencanto da vida  


Em atenção a uma sugestão, faço a postagem a seguir sobre Paulo Diniz e os seus 70 anos de música e poesia. Pernambucano do agreste do estado, da cidade de Pesqueira, Diniz consagrou-se nacionalmente com uma substancial obra, que vai desde a 'musicalização de poetas', como Carlos Drummond, até a trabalhos/composições com valor ontológico - o ser, o tempo, a existência. Os Sentimentos do Mundo, lembrando Drummond. E assim temos, por exemplo:

Caminhos que me levam
Não têm Sul nem Norte
Mas meu andar é firme
Meu anseio é forte
Ou encanto a vida
Ou desencanto a morte
(Paulo Diniz, Vou-me Embora) 

 Paulo Diniz - canto de uma obra múltipla                                                                                                                                       

Por Juareiz Correya 

Nascido em Pesqueira, Agreste de Pernambuco, no dia 24 de janeiro de 1940, Paulo Lira de Oliveira perdeu o pai, Manuel Roque, ainda criança, e foi criado com o sacrifício da mãe, dona Amélia, costureira pobre, que fez de tudo para alimentar, vestir e educar o menino junto com a irmã, mais nova, Maria das Dores. Depois da escola, o menino Paulo (quase foi registrado como Paulo Cícero, por causa do desejo da mãe em sua religiosidade nordestina) se virava como engraxate, na tentativa de ajudar a mãe e a irmã e, na escola da vida, abria mais os olhos, a mente e o coração para além da Serra do Ororubá, luz e norte de Pesqueira.

Ainda jovem, Paulo iniciou a carreira de radialista na sua cidade natal, trabalhando na Rádio Difusora Pesqueira. Mudou-se para o Recife, foi locutor na Rádio Jornal do Commercio e trabalhou ainda como locutor em rádios do Ceará. Foi o jovem radialista Paulo Oliveira que chegou ao Rio de Janeiro, em 1964, para trabalhar na Rádio Tupi, Rádio Mayrink Veiga, e ingressar na emissora que liderava a audiência popular na capital carioca : a Rádio Globo. 
Trabalhando na Globo, cantarolando algumas coisas nas horas vagas, o pernambucano fez uma composição de brincadeira, e um amigo radialista, de quem era parceiro, no seu programa, em tom descontraído, dizia : "E então, seu Diniz ? Está triste ou está feliz ?" O bordão servia como introdução para tocar a "brincadeira musical" do cantor inédito Paulo Diniz (assim lançado com o compacto simples da sua composição "O chorão"). A tal brincadeira, sucesso antecipado no Programa Luiz de Carvalho, estourou nas rádios de todo o País (chegou na época a tocar/vender mais do que Roberto Carlos). Paulo faturou shows em todos os Estados brasileiros, sem obra definida, na base do compacto simples, e bastava "cantar só um lado" que era o que o povo queria.
Do fulminante sucesso do compacto lançado pela Discos Copacabana em 1966, o cantor, que havia desistido de seguir a carreira de radialista, viveu um tempo amargo de dureza e mergulhou na vida boêmia do Rio de Janeiro em busca dele mesmo, da sua identidade como homem e como artista. Cantava em bares para sobreviver. Violonista autodidata, músico intuitivo, criador inquieto e aberto para a profusão de idéias e criações do seu tempo, Paulo Diniz enveredou pelo caminho sem fim do rico e inesgotável cancioneiro popular brasileiro. E, com a sua música simples, marcada por uma interpretação personalíssima, em companhia de um letrista carioca, tão sofrido quanto ele, compôs e lançou um elepê com as suas canções e do parceiro Odibar : QUERO VOLTAR PRA BAHIA (Odeon, Rio, 1971), produzido pelo amigo e radialista Adelzon Alves, lançado com sucesso, firmou o nome de Paulo Diniz na emblemática constelação da MPB. A história desse disco, em particular, merece um instigante capítulo à parte na biografia de Paulo Diniz e na história do nosso cancioneiro moderno.
O criador inquieto e insatisfeito, como todo artista verdadeiro, não se "aquietava" mesmo com o sucesso. E lia, de cambulhada, o que lhe chegava às mãos e o que o seu coração descobria nas andanças e outras harmonias do mundo. Drummond, vivo, dizia, turbilhonando a sua cabeça : E agora, José ? E agora, Paulo ? E agora você ?
Quando musicou e lançou o poema "José", fazendo com que o maior poeta brasileiro vivo fosse cantado, de norte a sul do País, por crianças de 8 a 80 anos, Paulo Diniz surpreendeu muita gente e até provocou preconceito no meio jornalístico que, desrespeitosamente, não o considerava "capaz" de musicar a poesia de Drummond. Era muita ousadia...
Pois é. Ele ousou e fez. Ao longo de sua carreira - mais de 100 canções, de sua autoria e com alguns parceiros, gravadas em 15 elepês e CDs, Paulo Diniz já compôs e interpretou composições, além de Drummond, com a poesia de Manuel Bandeira("Vou-me embora pra Pasárgada"), Ferreira Gullar ("Bela bela"), Jorge de Lima ("Essa Nega Fulô", Gonçalves Dias ("Canção do Exílio"), Gregório de Matos ("Definição do Amor"), Augusto dos Anjos ("Versos Íntimos") e Adélia Prado ("Amor Feinho"). E tem ainda poemas musicados inéditos de Ascenso Ferreira, Jayme Griz, Zé da Luz, e mais Adélia e mais Drummond. Todos os poemas musicados serão reunidos na edição especial de um CD - PAULO DINIZ E O SENTIMENTO DO MUNDO - que será lançado em breve.
Nos seus 70 anos de música e poesia, Paulo Diniz continua o mesmo compositor e músico intuitivo com a sua criatividade antenada com a leitura do "sentimento do mundo", aliando a sua voz à interpretação da palavra mais humana de notáveis poetas brasileiros.

terça-feira, 23 de abril de 2013

Mundo dos professores: Venturas e desventuras da docência

O texto abaixo, escrevi-o há cinco anos. Já não me dava conta desse distanciamento temporal (é isso mesmo: o tempo passa numa velocidade inversamente proporcional a conhecer?). E também praticamente já não o tinha em conta - a ele não teria voltado se não o tivesse visto citado numa base bibliográfica online. Foi publicado pelo Jornal da Ciência/SBPC.



Num trabalho que, sugestivamente, tem como subtítulo “do excesso de discursos à pobreza das práticas”, António Nóvoa, ao tratar das formulações educativas e da atuação docente, coloca em realce algo paradigmático. Nos últimos tempos, assinala, tem-se insistido, ora na formação inicial, ora na formação continuada.
Mas, prossegue, tanto num caso como no outro, há tendências claras para a “escolarização” e para a “academização” dos programas de formação de professores. Assim sendo, e apesar da retórica do “professor reflexivo”, conclui, os resultados conduzirão, inevitavelmente, a uma “memorização” dos docentes, reduzindo a percepção do que significa o trabalho educativo. 
Deste modo, não constitui surpresa, portanto, argumento eu, que, atualmente, existam tanta incompreensão e confusão a respeito dos contextos de desenvolvimento do trabalho educativo. Se este fenômeno é mais visível hoje, é por, fundamentalmente, diferente do passado, termos ingressado no que se denomina, genericamente, de a sociedade da informação, onde a escola tem sido deslocada como instituição guardiã dos saberes e agência hegemônica de sua transmissão.
De outra parte, a crise da escola, como problema estrutural, comum a todos os países centrais e semi-periféricos, como o Brasil, relaciona-se ao esboroar das suas concepções fundadoras perante a ampliação (massificação) da oferta educativa. 
Seja como for, “pari passu”, ampliam-se os espaços de desenvolvimento do trabalho educativo, sendo exemplares, a este respeito, as implicações decorrentes de formulações como pedagogia da gestão, ação pedagógica nas empresas e em contexto prisional, bem como as ações pressupostas pelos projetos de educação ambiental.
Isto é, trata-se da configuração de um cenário de labor educativo exógeno à escola. Frente a este quadro, não só tem pairado incompreensão e confusão sobre os espaços de realização do trabalho educativo, como, por vezes, enquanto forma de reação ao que se desconhece, tende-se a limitar tal trabalho ao âmbito escolar.
Quase sempre isto resulta de uma postura que, na procura de uma excessiva verticalização da identidade profissional, termina por - referindo uma vez mais Nóvoa - abonar vias simplificadoras que reduzem o campo de abrangência do agir educativo.
Assim, ao fim e ao cabo, desconsidera-se o caráter inter/transdisciplinar das Ciências da Educação, o que significa dizer que a constituição identitária do trabalho educativo não pode ser concebida de forma tout court, como uma espécie de identidade de “primeiro grau”, mas requer ter em conta que o fazer neste campo é múltiplo, sendo ilustrativo disso o fato de que, enquanto esfera do conhecimento, ele é estruturado por diferentes disciplinas cujos marcos de referência incidem tanto sobre a educação escolar como sobre a não-escolar.
Ora, a propósito, a forma como a docência tem sido referida é ilustrativa da confusão (por vezes, trapalhada mesmo) conceptual que tem pairado nos discursos a seu respeito. Pelo óbvio, chega a ser até constrangedor repisar que, requerendo substância (o que não significa substancialismo), um conceito opera com variáveis, pelo que, quando se fala de docência, é preciso explicitar o conteúdo que lhe fornece estatuto epistemológico.
Portanto, em princípio, não têm consistência os discursos que falam de uma “visão ampliada de docência”. Ampliada de onde para onde? Quais variáveis lhe estruturavam e quais são as novas que foram incorporadas pelo conceito? Ou seja, qual era a base primária do conceito e, agora, quais são os novos postulados que ele assumiu? Isto está por ser esclarecido, e, enquanto não o for, a noção de “docência ampliada” não poderá ser apresentada (a rigor) de modo conceptual.
Quedar-se-á como noção vazia, propícia à retórica (aos discursos que muito falam e nada dizem...), mas será imprópria a um projeto educativo cientificamente orientado. Talvez seja até útil, do ponto de vista curricular, para “definir” (formalmente) a intervenção dos professores nos espaços não-escolares, porém nem por isso tal noção deixará de ser deficitária em seus fundamentos.
No mais, essa “utilidade” expõe-se ao risco de cometer aquele equívoco para o qual a comunidade da investigação educacional contemporânea tem chamado a atenção: escolarizar as práticas educativas não-escolares. Uma desventura. Ao invés disso, far-se-ia melhor começar lembrando que, classicamente, como conceito, a docência pressupõe ensino, conteúdo disciplinar, avaliação, averiguação comportamental, normas da polis estatal, etc., para então se saber para onde se caminha com a noção de “docência ampliada”.
Contudo, e de resto, a propósito da produção conceptual, cabe deixar anotado o seguinte: os conceitos não se produzem pelo desdobramento da razão sobre si mesma. Não é pertinente, portanto, que venham a lume como desdobramento lógico de um pensamento abstrato das oposições entre conceitos anteriormente construídos. Eles devem ser formulados como síntese do pensamento que reproduz um modo de articulação deixando ver a tecitura através da qual a variedade de relações se hierarquiza e se unifica num determinado conjunto estrutural. É um processo de produção teórico-prática.




sexta-feira, 19 de abril de 2013

Antes de Nascer o Mundo

Mia Couto, tenho dito, é, hoje, uma das principais referências literárias do mundo de língua portuguesa. Falando e escrevendo diretamente de África. Moçambique. Quem quiser comprovar, pode começar por Antes de Nascer o Mundo (publicado no Brasil com a chancela da Companhia das Letras). A seguir, uma passagem emblemática do livro. 


Foto: O coração é como a árvore - onde quiser volta a nascer.
(Adaptação de um provérbio moçambicano)
MIA COUTO 

No livro "O fio das missangas!
"Não chegamos realmente a viver durante a maior parte da nossa vida. Desperdiçamo-nos numa espraiada letargia que, para nosso próprio engano e consolo, chamamos existência. No resto, vamos vagalumeando, acesos apenas por breves intermitências. Uma vida inteira pode ser virada do avesso num só dia por uma dessas intermitências”. 

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Sobre como estudar


Reproduzo, abaixo, matéria a respeito da pesquisa publicada por Psycological Science in the Pubblic Interest sobre dez técnicas de estudo/aprendizagem, avaliando as mais eficientes (fonte: http://ethosproject.blogspot.com.br/2013/04/as-10-melhores-tecnicas-de-estudo.html
Um estudo recentemente publicado em janeiro de 2013 na revista científica Psychological Science in the Public Interest avaliou dez técnicas comuns de aprendizagem para classificar quais possuem de fato a melhor utilidade.
O resultado do paper (íntegra aqui) traz algumas surpresas para o estudante.
Técnicas bastante populares no Brasil, como resumir, grifar, utilizar mnemônicos, visualizar imagens para apreensão de textos e reler conteúdos foram classificadas como as de utilidade mais baixa.
Três práticas foram encaradas como de utilidade moderada: interrogação elaborativa, auto-explicação e estudo intercalado.
E as duas que obtiveram o mais alto grau de utilidade na aprendizagem foram as técnicas de teste prático e prática distribuída.
É a ciência desaprovando boa parte do meu método de estudo, muito baseado em resumos, grifos, mnemônicos e mapas mentais. Por outro lado, foi confirmada a impressão que eu tinha de que a realização de exercícios em doses cavalares era extremamente efetiva para o estudo para concursos públicos.
Lembre-se de que o ranking reflete os resultados do estudo, porém cada pessoa tem o seu estilo de estudo e nada está escrito em pedra. Dito isto, falemos agora sobre as dez técnicas, das piores para as melhores.

grifar 595x396 As 10 melhores técnicas de estudo, segundo a ciência
Tão fácil quanto ineficiente.
Prepara-se para dar um descanso ao seu grifador amarelo. O estudo aponta que a técnica de apenas grifar partes importantes de um texto é pouco efetiva pelos mesmos motivos pelos quais é tão popular: praticamente não requer esforço.
Ao fazer um grifo, seu cérebro não está organizando, criando ou conectando conhecimentos. Então, grifar só pode ter alguma (pouca) utilidade quando combinada com outras técnicas.

reler 595x396 As 10 melhores técnicas de estudo, segundo a ciência
Deixa eu ler pela quinta vez…
Reler um conteúdo, em regra, é menos efetivo do que as demais técnicas apresentadas. O estudo, no entanto, mostrou que determinados tipos de leitura (massive rereading) podem ser melhores do que resumos ou grifos, se aplicados no mesmo período de tempo. A dica é reler imediatamente depois de ler, por diversas vezes.

mnemonico 595x446 As 10 melhores técnicas de estudo, segundo a ciência
Remember, remember, SoCiDiVaPlu.
Segundo o dicionário Houaiss, mnemônico é algo relativo à memória; que serve para desenvolver a memória e facilitar a memorização (diz-se de técnica, exercício etc.); fácil de ser lembrado; de fácil memorização.
Em apostilas e sites de concursos públicos, é muito comum ver o uso de mnemônicos com as primeiras letras ou sílabas, como SoCiDiVaPlu para decorar os fundamentos da República Federativa do Brasil (artigo 1º da Constituição).
O estudo da Psychological Science in the Public Interest mostrou que os mnemônicos só são efetivos quando as palavras-chaves são importantes e quando o material estudado inclui palavras-chaves fáceis de memorizar.
Assuntos que não se adaptam bem a geração de palavras-chaves não conseguiram ser bem aprendidos com o uso de mnemônicos. Então, utilize-os em casos específicos e pouco tempo antes de teste.

mindmap visualizacao 595x464 As 10 melhores técnicas de estudo, segundo a ciência
Exemplo de mapa mental.
Os pesquisadores pediram que estudantes imaginassem figuras enquanto liam textos. O resultado positivo foi apenas em relação a memorização de frases. Em relação a textos mais longos, a técnica mostrou-se pouco efetiva.
Surpreendentemente (ao menos para mim), a transformação das imagens mentais em desenhos também não demonstrou aumentar a aprendizagem e ainda trouxe o inconveniente de limitar os benefícios da imaginação.
Isso não invalida completamente o uso de mapas mentais para estudos, já que esses consistem além de desenho a conexão de ideias e conceitos.
De qualquer maneira, o resultado do estudo é que a visualização não é uma técnica efetiva para provas que exijam conhecimentos inferidos de textos.

resumir 595x395 As 10 melhores técnicas de estudo, segundo a ciência
Vou resumir para você.
Resumir os pontos mais importantes de um texto com as principais ideias sempre foi uma técnica quase intuitiva de aprendizagem.
O estudo mostrou que os resumos são úteis para provas escritas, mas não para provas objetivas.
Embora tenha sido classificado como de utilidade baixa, a técnica de resumir ainda é mais útil do que grifar e reler textos. O paper diz que a técnica pode ser uma estratégia efetiva para estudantes que já são hábeis em produzir resumos.

perguntar 595x348 As 10 melhores técnicas de estudo, segundo a ciência
Por que é que a vida é assim?
A técnica de interrogação elaborativa consiste em criar explicações que justifiquem por que determinados fatos apresentados no texto são verdadeiros.
O estudante devem concentrar-se em perguntas do tipo Por quê? em vez de O quê?.
Seguindo o exemplo que demos pouco antes, em vez de decorar um mnemônico como SoCiDiVaPlu, o ideal seria perguntar-se por que o Brasil adota a dignidade da pessoa humana como fundamento da República? E buscar a resposta na origem do estado democrático de Direito e na adoção do princípio da dignidade da pessoa humana pelas principais democracias ocidentais após a Revolução Francesa.
Note que esse tipo de estudo requer um esforço maior do cérebro, pois concentra-se em compreender as causas de determinado fato, investigando suas origens.
Falando especificamente de concursos públicos, a interrogação elaborativa é um grande diferencial na hora de responder redações e questões discursivas.

autoexplicacao 595x396 As 10 melhores técnicas de estudo, segundo a ciência
Entendeu, Eu Mesma?
A auto-explicação mostrou-se ser uma técnica útil para aprendizagem de conteúdos mais abstratos. Na prática, trata-se de ler o conteúdo e explicá-lo com suas próprias palavras para você mesmo.
O estudo mostrou que a técnica é mais efetiva se utilizada durante o aprendizado, e não após o estudo.

estudo intercalado 595x483 As 10 melhores técnicas de estudo, segundo a ciência
Vou alternar as matérias, na ordem dessa pequena pilha.
O estudo intercalado é o que chamamos de rotação de matérias em posts anteriores.
A pesquisa procurou saber se era mais efetivo estudar tópicos de uma vez ou intercalando diferentes tipos de conteúdos de uma maneira mais aleatória.
Os cientistas concluíram que a intercalação tem utilidade maior em aprendizados envolvendo movimentos físicos e tarefas cognitivas (como ciências exatas).
O principal benefício da intercalação, como já havíamos observado, é fazer com que a pessoa consiga manter-se mais tempo estudando.

teste marcar x 595x396 As 10 melhores técnicas de estudo, segundo a ciência
Simular é o melhor caminho.
Realizar testes práticos sobre o que você está estudando é uma das duas melhores maneiras de aprendizagem. A pesquisa científica mostrou que realizar testes práticos é até duas vezes mais eficiente do que outras técnicas.
No caso específico de concursos públicos, a recomendação é fazer toneladas de exercícios de provas anteriores. Não apenas do cargo para o qual você está estudando, mas qualquer tipo de questão que encontrar pela frente.
Como já recomendamos anteriormente, a maneira mais fácil de realizar testes é utilizando sistemas específicos para isso, como o site Questões de Concursos.

distributed 595x377 As 10 melhores técnicas de estudo, segundo a ciência
Vou rever o conteúdo a cada 15 dias.
A prática distribuída consiste em distribuir o estudo ao longo do tempo, em vez de concentrar toda a aprendizagem em um bloco só (a.k.a. na véspera da prova).
Pesquisas mostram que o tempo ótimo de distribuição das sessões de estudo é de 10% a 20% do período que o conteúdo precisa ser lembrado. Por essa conta, se você quer lembrar algo por cinco anos, vocÊ deve espaçar seu aprendizado a cada seis meses. Se quer lembrar por uma semana, deve estudar uma vez por dia.
A prática distribuída também pode ser interpretada como a distribuição do estudo em pequenos períodos ao longo do dia, intervalando com períodos de descanso. Por exemplo, uma hora de manhã, uma hora à tarde e outra hora à noite.

terça-feira, 16 de abril de 2013

Alucinação

By Belchior 
A minha alucinação é suportar o dia-a-dia,
E meu delírio é a experiência com coisas reais




Doença e sofrimento

Como enfrentar a dor da doença? Como lidar com a 'tristeza do sofrimento'? Nessa situação, ler continua sendo um caminho, de par com os outros procedimentos médicos.  Ler exatamente sobre o estado em que se encontra. Ler sobre doença e sofrimento. Um livro? Ele pode ser o Doença, Sofrimento e Perturbação: Perspectivas Etnográficas, organizado por Luiz Fernando Dias Duarte e Olinda Fachel Leal (Editoria Fiocruz). 

sábado, 13 de abril de 2013

O Casamento

O Casamento, único romance que Nelson Rodrigues assinou com o próprio nome, sintetiza o seu pensamento, segundo a Folha de São Paulo, ao noticiar a montagem da peça teatral inspirada na obra.   Tenho dúvidas. Mas o que importa é o fato  de um dos principais cronistas e dramaturgos brasileiros conseguir, enfim, ter o seu devido reconhecimento, mesmo que só agora, tardiamente. A peça está no Teatro Tuca, na capital paulista. A seguir, uma breve referência a Nelson e ao livro.

O Casamento (Nelson Rodrigues)
 
Tão criticado quanto incompreendido. Tão amado quanto odiado. Para uns, um pervertido, para outros um reacionário. Em se tratando de Nelson Rodrigues, impossível mesmo é ficar indiferente à sua obra, seu talento e sua personalidade. Tanto que a história tratou de colocá-lo em seu lugar de direito, como um dos maiores cronistas e dramaturgos brasileiros.

Com seu estilo trágico e passional, em sua segunda peça, Vestido de Noiva, encenada em 1942, praticamente reinventou o gênero, dando início ao moderno teatro brasileiro. Batizou, assim, as peças carregadas de tragédias burguesas, que desvendam a hipocrisia existente no seio da tradicional família brasileira: histórias rodrigueanas.
Fruto de uma vida marcada por dramas pessoais, o texto de Nelson é doído, rasgado, irônico, descarado. Escancara o que não se diz, penetra os pensamentos mais recônditos e coloca às claras o que a sociedade – daquele tempo e dos dias de hoje - insiste em esconder: a esposa adúltera, o pai pervertido, o padre hipócrita, a adolescente maliciosa. Colocando em cheque crenças e valores, põe na boca de seus personagens aquilo que ele, Nelson, tem vontade de bradar aos quatro cantos. "Se todos conhecessem a intimidade sexual uns dos outros, ninguém se cumprimentaria."
Publicado em 1966, "O Casamento" foi o único romance do autor escrito para ser publicado diretamente em livro e não em crônicas de jornais. Bem ao estilo de Nelson Rodrigues, nada melhor do que uma instituição sagrada para servir de palco para uma história arrebatadora de desencontros, traumas, hipocrisia e tabus. Pouco tempo depois de lançado o livro seria censurado pelo Ministro da Justiça do Governo Castelo Branco, por ser considerado um "atentado" contra a "organização da família". A essa altura, porém, já alcançara grande sucesso entre os leitores. (...).  

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Infelicianeidade

A esfera política brasileira, ressalvada as devidas exceções, que existem e devem ser ressaltadas, parece viver num mundo à parte. Mundo que só faz aumentar a cisão entre representantes e representados, pondo em causa a democracia representativa. Que o Congresso Nacional tem sido palco de 'movimentações' nada republicanas, disso já sabemos há muito. Mas, nos últimos tempos, a situação tem superado todos os limites. A última é a do Pastor Feliciano. E já não falo nem na necessidade de se garantir o caráter laico do Estado - cada vez mais uma ficção no Brasil. O que causa espécie é alguém com as posições (e as práticas) que tem o deputado-pastor Feliciano chegar à Presidência da Comissão de Direitos. Dizer que o 'Pai', o 'Filho' e o 'Espírito Santo' foram os responsáveis pelo tiros em John Lennon, fazer o comércio da fé e reclamar de fiel da sua Igreja que fornece o cartão mas não entrega a senha, afirmar que os africanos descendem do diabo... enfim, a lista de absurdos é interminável. Contudo, lá está o Feliciano, aboletado na Presidência da Comissão de Direitos Humanos. E esta é a questão: ele lá não chegou sozinho. Foi conduzido por seus pares. Estes, como o deputado-pastor, também devem ser questionados. A situação é tão absurda que até religiosos de bom senso se têm voltado contra ela - com o faz o frade dominicano Frei Betto, conforme o texto abaixo, sugestivamente intitulado Infelicianeidade (publicado no Jornal Folha de São Paulo, edição para assinante (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/103375-infelicianeidade.shtml)

Frei Betto


Vocábulos nascem de expressões populares. Assim como nomes próprios trazem significados que deitam raízes em suas respectivas etimologias. Feliciano é nome de origem latina, derivado de felix, feliz. Nem sempre, contudo, uma pessoa chamada Modesto deixa de ser arrogante, e conheço uma Anabela que é de uma feiura de fazer dó.
Estamos todos nós, defensores dos direitos humanos, às voltas com um pepino federal. Nossos servidores na Câmara dos Deputados, aqueles cujos altos salários são pagos pelo nosso bolso, cometeram o equívoco de eleger o deputado e pastor Marco Feliciano para presidir a Comissão de Direitos Humanos e Minorias.
O pastor deputado, filiado ao PSC-SP, escreveu em seu Twitter: "Africanos descendem de ancestral amaldiçoado por Noé. Isso é fato". Em outra mensagem, postou: "Entre meus inimigos na net (sic) estão satanistas, homoafetivos, macumbeiros...".
Em processo aberto no Supremo Tribunal Federal, Feliciano é acusado de induzir ou incitar discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia ou religião --crime sujeito à prisão de um a três anos, além de multa. Em sua defesa, Feliciano afirma: "Citando a Bíblia (...) africanos descendem de Cão (sic) (ou Cam), filho de Noé. E, como cristãos, cremos em bênçãos e, portanto, não podemos ignorar as maldições".
Que deus é esse que amaldiçoa seus próprios filhos? Essa suposta teologia vigorou no Brasil colonial para justificar a escravidão. O Deus de Jesus ama incondicionalmente a todos. Ainda que O rejeitemos, Ele não deixa de nos amar, conforme atestam a relação do profeta Oseias e sua mulher, Gomer, e a parábola do Filho Pródigo.
Todo fundamentalismo cristão é ancorado na interpretação literal da Bíblia, que deriva da ignorância exegética e teológica. Os criacionistas, por exemplo, acreditam que existiram um senhor chamado Adão e uma senhora chamada Eva, dos quais somos descendentes (embora não expliquem como, pois tiveram dois filhos homens, Caim e Abel...). Ora, Adão em hebraico é terra, e Eva, vida. O autor bíblico quis acentuar que a vida, dom maior de Deus, brota da terra.
Ter Feliciano como presidente de uma comissão tão importante --por culpa de legendas como PMDB, PSDB e PT-- é uma infelicidade. Não condiz com o nome do deputado que, na roda do samba que está obrigado a dançar, insiste no refrão: "Daqui não saio, daqui ninguém me tira".
O deputado é um pastor evangélico. Sua conduta deveria, no mínimo, coincidir com os valores pregados por Jesus, que jamais discriminou alguém.
Jesus condenou o preconceito dos discípulos à mulher sírio-fenícia; atendeu solícito o apelo do centurião romano (um pagão!) interessado na cura de seu servo; deixou que uma mulher de má reputação lhe lavasse os pés com os próprios cabelos e ainda recriminou os que se escandalizaram ao presenciar a cena; e não emitiu uma única frase moralista à samaritana adepta da rotatividade conjugal, pois estava no sexto homem! Ao contrário, a ela Jesus se revelou como o Messias.
É direito intrínseco de todo ser humano, e também da democracia, cada um pensar pela própria cabeça. Nada contra o pastor Feliciano, na contramão do Evangelho, abominar negros e odiar homossexuais e adeptos da macumba. Desde que não transforme seu preconceito em atitude discriminatória e seu mandato em retrocesso às conquistas que a sociedade brasileira alcança na área dos direitos humanos.
Estamos todos nós indignados frente ao impasse armado pelo jogo político rasteiro da Câmara dos Deputados. Eis uma verdadeira situação de infelicianeidade, com a qual não podemos nos conformar.

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Um Rio Chamado Tempo, uma Casa Chamada Terra

Para contrariar um pouco a imagem tão caricata de África, vale a pena a leitura do moçambiacno Mia Couto, um dos mais criativos escrtores contemporâneos, e um referência da literatura em língua portuguesa. Designamete o seu livro Um Rio Chamado Tempo, uma Casa Chamada Terra.  Abaixo, uma recensão do mesmo.

 Foto: Encheram a terra de fronteiras, carregaram o céu de bandeiras, mas só há duas nações – a dos vivos e dos mortos.

MIA COUTO

No livro "Um Rio Chamado Tempo, Uma Casa Chamada Terra"

 Fonte: http://www.passeiweb.com/

Na obra Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra, Mia Couto transporta-nos para um universo onde sentimos de tal forma o pulsar da África, que chegamos a sentir saudades desse continente, mesmo sem nunca ter estado lá. Este livro mostra a preocupação do autor em preservar algumas tradições moçambicanas, sem referir-se diretamente a questões políticas, mas aflorando os confrontos e conflitos de uma realidade comum a um dos países mais pobres do mundo. Tudo com uma linguagem lúdica, criativa, que não se envergonha nem mesmo de trocadilhos, capaz de fazer lembrar o falar das veredas do sertão de Guimarães Rosa.

Na obra somos levados a visitar os últimos 50 anos da história de Moçambique pela pena de um poeta que escreve em prosa. "Nenhum país é tão pequeno como o nosso. Nele só existem dois lugares: a cidade e a Ilha. A separá-los, apenas um rio. Aquelas águas, porém, afastam mais que a sua própria distância. Entre um e outro lado reside um infinito. São duas nações, mais longínquas que planetas. Somos um povo, sim, mas de duas gentes, duas almas." (pág. 18).

É uma história que se situa num período de paz, depois de 16 anos de guerra. O autor viveu, praticamente, quase metade de sua vida sob o fogo cruzado da guerra. Primeiro, de 1972 a 1975, ainda adolescente, como membro da Frelimo, a frente de libertação liderada por Samora Machel. Depois, a guerra com a Rodésia e, em seguida, a guerra civil que destruiu o sonho de uma geração que pensava ser possível criar uma nação próspera, capaz de enfrentar o futuro com dignidade.

Fruto de um tempo de sonhada paz, Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra não traz a amargura que se sente em outras obras, de épocas mais duras. Enfim, sem esse viés, não se compreende este livro: Luar-do-Chão encontra-se num estado de abandono, miséria e decadência que deixa claro que o sonho de Samora Machel e seus seguidores ficou longe de se concretizar. A realidade pós-colonial é ainda pior.

No livro, o estudante universitário Mariano volta a sua terra natal para o funeral do avô. Enquanto aguarda pela cerimônia ele é testemunha de estranhas visitações na forma de pessoas e de cartas que lhe chegam do outro lado do mundo. São revelações de um universo dominado por uma espiritualidade que ele vai reaprendendo. À medida que se apercebe desse universo frágil e ameaçado, ele redescobre uma outra história para a sua própria vida e para a da sua terra.

Em Luar-do-Chão, uma misteriosa ilha de acontecimentos fantásticos, ele precisa solucionar um conflito íntimo, semelhante ao dilema da África pós-colonial. Esta Ilha vai representar para o protagonista um reencontro consigo próprio.

Manhã cedo me ergo e vou à deriva. (...) Pretendo apenas visitar o passado. Dirijo-me às encostas onde, em menino, eu pastoreava os rebanhos da família. As cabras ainda ali estão, transmalhadas. Parecem as mesmas esquecidas de morrer. Se afastam, sem pressa, dando passagem. Para elas, todo o homem deve ser pastor. Alguma razão têm. Em Luar-do-Chão não conheço quem não tenha pastoreado cabra. Ao pastoreio devo a habilidade de sonhar. Foi um pastor quem inventou o primeiro sonho. Ali, face ao nada, esperando apenas o tempo, todo o pastor entreteceu fantasias com o fio da solidão. As cabras me atiram para lembranças antigas. (pág. 190)

A pretexto do relato das extraordinárias peripécias que rodeiam o funeral do avô de Mariano, este romance traduz, de uma forma ao mesmo tempo irônica e profundamente poética, a situação de conflito vivida por uma elite ambiciosa e culturalmente distanciada da maioria rural.

Certamente, nos familiarizamos com as personagens de Mia Couto, que poderiam habitar muitas de nossas regiões, com suas rezas e segredos. No entanto, o assalto aos valores desse povoado muito diz, como já citado, sobre a própria história de Moçambique, e mais além, sobre a situação atual do homem moderno em qualquer parte do mundo, exilado de sua coletividade e de suas crenças, errante num universo onde sua existência individual carece de importância. O autor aborda o confronto entre dois universos diferentes: o capitalista e urbano construído em torno das idéias de progresso e modernidade, e o religioso e mítico dominado pelos valores ancestrais da comunidade, cuja independência se apresenta recente.

Esse encontro se expressa nas surpresas e angústias de Mariano (personagem-protagonista), que ao redescobrir a sua comunidade, conhecerá também a sua própria história. Nascido na ilha, mas habitante da cidade, o jovem é obrigado pelas circunstâncias a um novo olhar para as tradições regionais que se impõem soberanas.

Ele irá transitar nos domínios natural e sobrenatural de Luar-do-Chão, onde o sagrado impera no mais banal e cotidiano, e as histórias individuais estão profundamente ligadas aos destinos da coletividade e da ilha. As tradições, descritas com seus ritos e princípios éticos, são construídas de forma a nos dar a dimensão da estreita ligação dos homens à Nyumba-Kaya, a casa, a legítima morada, bela lembrança de uma África originária.

Mariano recebe do avô "pseudomorto" a missão de restaurar a normalidade da vida, por meio da compreensão dos dramas interiores de cada um de seus familiares e do desvendar de segredos antigos. Insere-se o espaço da profundidade psicológica precisa na caracterização dos personagens, símbolos de diversas formas de existência e luta humanas.

As simples mulheres do povoado se mostram pivôs de antigos romances, de tragédias submersas no rio, muitas destinadas a representações míticas e fantásticas, como a bela Nyembeti, que simboliza a própria ilha (ou seria o próprio país, Moçambique). Incapaz de falar e dona de hábitos estranhos à maioria, a jovem é predestinada à exclusão e ao ofício de enterrar os mortos, dada sua familiaridade com o mundo subterrâneo.

Já os homens mostram-se sensíveis diante das transformações e ameaças iminentes da ilha. Por meio deles o autor trabalha o desencanto diante da independência conquistada, da tradição que se imaginara assegurada, misturado ao temor da perda de Nyumba-Kaya, morada absoluta dos vivos e dos antepassados.

Não é à toa que o falecido avô, também Mariano, resiste em morrer. O retorno às origens, trilhado pelo neto, torna-se a verdadeira possibilidade da partida derradeira do avô, rumo a uma nova existência. A morte, nesse exemplo, requer o retorno à vida, a extração da verdade, sob conseqüência de perturbar todos os demais, pois algo deve ser dito. Algo tão importante, capaz de fazer com que a terra envergonhada se feche. Capaz de permitir que a ilha ressentida se mostre exausta e busque a verdade que oculta em seu solo.

Seu retorno é uma imposição da tradição, incumbido que fora para dirigir as cerimônias fúnebres de seu avô Dito Mariano, de quem recebera o mesmo nome e a incumbência. Neto favorito do patriarca de uma família moçambicana da terra, o estudante, ao chegar à ilha, vê-se envolvido então numa teia de intrigas e segredos familiares que imaginava já não existirem.

São intrigas que envolvem seu pai, Fulano Malta, a avó Dulcineusa, os tios Abstinêncio, Ultímio e Admiranga e sua mãe, Mariavilhosa, morta em circunstâncias nebulosas, todos nomes que fazem o leitor brasileiro lembrar de figuras do Nordeste. Marianinho logo descobre que a morte do avô – que teima em não morrer de vez – permanece envolvida por um mistério que escapa à luz da razão – como tudo nessa enigmática Luar-do-Chão, onde os mortos continuam a governar os vivos.

Portanto, o eixo temático deste romance gira em torno desta viagem empreendida pelo protagonista, e resgata, por sua vez, outros itinerários que se dão no curso de rios reais e ficcionais.

Nas águas do rio Madzimi, Mariano parte em busca das suas origens e do seu passado, empreendendo, para tanto, um denso mergulho em suas memórias de menino, evocando com elas as brincadeiras de outrora com o amigo Juca Sabão, às margens desse mesmo rio. A chegada a Luar do Chão, sua terra-natal, se dá em sincronia com a partida do avô, passageiro do "barquito desabandonado" que o conduzirá pelas "águas do tempo" à "outra margem", onde ele se juntará aos seus antepassados, cumprindo, pois, o ciclo de vida acreditado em África.

A viagem de retorno à infância de Mariano e a do avô rumo ao futuro, indicam uma sincronia, visto que este movimento para trás e para frente aponta a chegada a um lugar onde idoso e criança tornam-se pontos limítrofes do mundo visível africano e que, por sua vez, convive harmoniosamente com mundo invisível dos antepassados. A morte, primeiro substantivo nomeado no romance em questão, torna-se, portanto, "o umbigo do mundo", onde estes espaços se entrecruzam e estabelecem um ciclo vital entre si. A ilha é o último espaço de convivência entre avô, neto e família neste lado da margem e a derradeira possibilidade de restauração de uma série de elementos estruturais de que o avô depende para poder, enfim, assumir seu lugar no mundo invisível. Esta premissa nos é inicialmente apresentada na epígrafe do primeiro dos vinte e dois capítulos da obra: "Encheram a terra de fronteiras, carregaram o céu de bandeiras. Mas só há duas nações — a dos vivos e a dos mortos". A delimitação de um espaço primordial africano e a importância da consciência do homem da posição que nele ocupa revelam a preocupação constante de Mia Couto: como artesão da palavra, cabe ao poeta a função de pensar o mundo, o homem e a sociedade em sua totalidade e, com isso, fazer com que sua escritura provoque atitudes líricas mas também políticas que perpassem a beleza estética e resultem em ações que os integrem ao seu espaço e cultura.

A desagregação encontrada por Mariano em sua ilha-natal exacerba a fragmentação cultural que Mia Couto se preocupa em denunciar. Esta é claramente evidenciada através dos nomes das personagens, já que a descontrução lingüística empregada por ele denota um processo de revitalização da linguagem através da sua reinvenção, ainda que no romance em questão o autor lance mão de menos neologismos.

Pela modificação das construções e da estrutura das palavras da língua portuguesa, Mia Couto mescla elementos que resgatam a poeticidade em seu sentido lingüístico mais amplo, ressalta imaginário de seu país, preservando constantemente suas marcas culturais.

Por esta razão, o tio mais velho de Mariano, Abstinêncio abstém-se do mundo e da vida, minimizando todo o contato com o mundo externo, tomado por um mutismo que o afasta até mesmo de sua família. O terno negro e a gravata por eles envergados metaforizam um "escuro envergando escuridão" e a gravata cinza "semelha uma corda ao despendurão num poço que é seu peito escavado" por uma dor que ele não deseja claramente reconhecer, o que lhe acarreta a melancolia característica dos que se mantêm descontextualizados.

Fulano da Malta, o pretenso pai de Mariano, tem no nome toda a evidencia de indefinição e da insegurança como progenitor. O nome revela, sobretudo, sua melancolia em não reconhecer, como ex-guerrilheiro, os resultados da guerra por que lutou, o que o faz sentir-se excluído da nação e do mundo e, conseqüentemente, de sua família. O regresso de Mariano implicará, por isso, uma reaprendizagem mútua: a do pai que aprende a ser pai e a do filho que reconhece a pertinência de atos que Fulano outrora cometera e que apenas após este resgate do passado foram por ele compreendidos.

O tio Ultímio, terceiro dos três filhos, é, por sua vez, o que menos percebe a relevância da terra, da família e das tradições como elementos constituintes do homem, uma vez que, como burocrata, "se dá a exibir, alteado e sonoro, pelas ruas da capital, ocupado entre os poderes e seus corredores". A crítica à personagem se exacerba na comicidade da cena de seu automóvel importado atolado nas areias de Luar do Céu, até ali levado para impressionar futuros investidores estrangeiros ávidos por transformar a ilha em rentável investimento turístico, assim como para ressaltar as diferenças que Ultímio crê existir entre ele, sua família e os demais habitantes da localidade.

É, no entanto, outra personagem, a velha Miserinha, quem melhor descreve o quadro inicial da viagem e do cenário sombrio que permeia a ilha e seus moradores, todos metonimizados pela alegoria e vítimas, como o restante do país, da perda de identidade: "Já não vejo brancos nem pretos, tudo para mim são mulatos". O único resquício de cor associada à personagem e à ilha está no lenço de seda multicolorido usado por ela e que representa a última memória das diferentes colorações do mundo, que contrastam, no entanto, com a roupa surrada da personagem, com seu rosto vincado e, sobretudo, com suas retinas fatigadas pelo tempo, as quais vêem os homens acinzentados e marcados por um traço comum: a perda do desejo e da identidade.

Ao longo da narrativa, Mariano se depara, pois, com o insólito causado pela quase morte do avô. Em estado de latência e possível catalepsia, Dito Mariano aguarda o regresso do neto a casa para que se ajustem detalhes cruciais à sua partida. Como espaço catalisador da ação das personagens "Nyumba-Kaya" é a casa que tem seu nome composto pelas palavras que designam este vocábulo em línguas de pontos extremos do país, "para satisfazer familiares do norte e do sul". Destelhada, segundo as tradições fúnebres, para que o luto que ordena o céu se adentre por seus compartimentos, a casa é regada diariamente como uma planta para que as águas não apenas a limpem, mas também a fertilizem e preserve em suas colunas e paredes o saber primordial africano.

Quem a faz molhar é a avó Dulcineusa, doce no nome para compensar a amargura da perda de parte da mão e dos dedos corroídos pela acidez do caju colhido nos tempos coloniais. Em momentos que alternam delírio e lucidez, Dulcineusa revela conflitos do homem diante da confluência de valores sociais, culturais e religiosos que lhe foram impostos ao longo dos anos.

O percurso de Mariano é igualmente permeado por conflitos, dúvidas, descobertas e surpresas ligadas originariamente ao funeral, mas que acabam por revelar novas histórias para o protagonista e para sua terra. Lançando mão de elementos fantásticos, o "avô" comunica-se com o neto por meio de cartas que sua mão moribunda não pode escrever, as quais, por sua vez, surgem misteriosamente ao pé do neto para lhe servir de diretriz sobre cada passo a ser dado na condução das exéquias e na sua posterior liderança da família.

O retorno de Marianinho à ilha para encontrar uma nova forma de salvar a terra, que também é a sua casa, e reconstruir um mundo novo, sem abandonar as tradições, é, de certa maneira, uma parábola da África pós-colonial que precisa juntar seus destroços para seguir adiante e não ficar irremediavelmente para trás na história das nações.

O centro deste retorno é a casa de seus ancestrais na Ilha de Luar-do-Chão, o ponto de partida de sua identificação consigo mesmo dentro daquele universo aparentemente tão distante e tão diferente da cidade, lugar de sua formação, rico em recursos da modernidade, porém infértil para o sustento das tradições.

A relação estabelecida entre a casa e o tempo, declarada pelo próprio título do romance, permeia todas as vertentes da obra, todos os seus personagens e seus espaços.

Uma sucessão temporal de eventos, abrigados pela memória dos rituais da tradição africana, dentro das visões que Marianinho estabelece em suas visitas, se dá pelo contato do que lhe é natural e sobrenatural, um processo, muitas vezes, afastado dos conceitos de lógica e linearidade da verossimilhança.

Esta ruptura com a linearidade do texto, no uso sensível da prosa poética, é um grande marco da escrita de Mia Couto, apropriando-se da construção do fantástico dentro da realidade de seus personagens e da realidade do próprio leitor. O trabalho “artesanal” de seu léxico é um registro de compromisso com a representação estética do mundo. O uso explícito de criações neológicas ultrapassa o registro do que seria uma linguagem regional e oral, representando, nas mãos do escritor, a exposição de um universo contraditório presente nos países colonizados em África que buscam até hoje, após e até pela Independência, sua identidade.

O tempo e a casa selam uma união conjugal dentro do romance. O tempo, em seu caráter masculino, representa os homens da história. Sofre um processo de desmoronamento (particular à casa) para refletir toda a desconstrução dos homens desta família: suas dependências emocionais, suas ambições sempre volúveis, os desenganos vestidos pela guerra do país e desnudos por uma fome de paz interna e externa insaciável em seus corpos e espíritos.

A casa, o feminino, é habitada pelas mulheres. Precisa de defesa, mas mantém-se altiva pela junção dos vivos e dos mortos no ventre de seus corredores. As revelações que direcionam o desenvolvimento do romance são cozidas, conduzidas e muitas vezes protagonizadas pelas mulheres da família.

A morte de Dito Mariano, patriarca dos Malilanes é a morte da “casa pai” e o nascimento da “casa mãe”, responsável pelo abrigo das peças que compõem a identidade de Marianinho mediada pela tradição e pela modernidade de seus valores.

Um dos pontos fulcrais do romance é a recusa da terra em receber o corpo do semidefunto (ou semivivo?) antes do tempo oportuno. A tentativa de antecipar o enterro, liderada por Últímio, não encontra a maior resistência na família, mas sim no solo adubado pela insensatez humana que se cerra completamente na recusa de receber o corpo de Mariano. O chão arenoso em que o automóvel importado atolara resiste, agora, rígido, à pá do coveiro e faz com que seu metal se vergue ensimesmado no terreno desprovido da maciez que a umidade da água outrora lhe concedera.