sexta-feira, 28 de junho de 2013

'Pode alguém ser quem não é?'

A palavra está com o luso Sérgio Godinho, em uma música que é bem própria do seu estilo:
"Senhora de preto
diga o que lhe dói
é dor ou saudade
que o peito lhe rói
o que tem, o que foi
(...)
Pode alguém ser livre 
se outro alguém não é 
a corda dum outro 
serve-me no pé 
nos dois punhos, nas mãos 
no pescoço, diz-me: 
Pode alguém ser quem não é?"

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Cartas a um/a Jovem Pesquisador/a

Em verdade, o título da obra é Cartas a um Jovem Cientista - O Universo, a Vida e Outras Paixões (Editora Campus). Mas, de uma perspectiva mais ampla, também calha Cartas a um/a Jovem Pesquisador/a. Trata-se de um trabalho de Marcelo Gleiser, onde ele procura transmitir aos leitores um pouco do que aprendeu em suas três décadas de dedicação à ciência. Um livro recomendável aos mais jovens, que decidiram enveredar pelo desafiante mundo da pesquisa e da ciência. 




sábado, 22 de junho de 2013

Manifestações no Brasil: Atores e Projetos

Sob o título 'O PT ficou para trás - fosse aquele anterior à eleição de Lula, hoje cavalgaria o agito popular', o editorial do último nº da da Revista Carta Capital, escrito pelo jornalista Mino Carta, aporta uma interessante contribuição à análise da atual onda de manifestações que vive o Brasil. Reproduzo a seguir.


Fonte: http://www.cartacapital.com.br/revista/754/o-pt-ficou-para-tras-2204.html

O Brasil vive um momento de desencontros e esperanças, nem todas bem-postas. Primeiríssima entre estas a da mídia nativa, chega a sustentar que as atuais manifestações de rua se assemelham àquelas pelo impeachment de Fernando Collor. Má informação e delírio são alguns dos atributos do jornalismo pátrio. Quando a Globo mobilizou uma juventude carnavalizada para solicitar a condenação do presidente corrupto, o próprio já havia sido atingido fatalmente pelas provas das ligações entre o Planalto e a Casa da Dinda, levantadas pela IstoÉ. Seu destino estava selado com ou sem passeatas. No mais, é do conhecimento até do mundo mineral que imaginar a derrubada de Dilma Rousseff naufraga no ridículo.
Impávida, a mídia nativa, depois de recomendar repressão enérgica contra os baderneiros, percebeu a possibilidade de enganar os incautos ao sabor da sua vocação e tradição, e agora afirma com a devida veemência o caráter antigovernista das manifestações. Mira-se logo nas próximas eleições. Difícil mesmo, se não impossível por enquanto, distinguir o que move os manifestantes. Certa apenas a demanda da periferia no país da casa-grande e da senzala. Aludo à maioria dos brasileiros que usam ônibus e desconhecem um certo Estado do Bem-Estar Social, para sofrer as consequências de sistemas de saúde, educação, transporte coletivo de péssima qualidade. Sem contar o saneamento básico.
No mais, há espaço nas ruas para as motivações mais diversas, desde o prazer da festa até a expectativa de quem aspira a alguma mudança sem saber como se daria e com qual profundidade. Desde quem se aproveita da confusão para quebrar vidraças e invadir lojas até os netos e bisnetos dos burguesotes das marchas da família, com Deus e pela liberdade, que invocavam o golpe em 1964. Todos juntos, como torcidas uniformizadas, mas ao acaso, sem liderança. Abrem-se situações expostas a qualquer desfecho e mais uma certeza é a de que ninguém consegue controlar as ruas.
Entende-se. Igual ao abismo que separa ricos e pobres há outro entre a nação e as instituições ditas democráticas. Entre Legislativo, Judiciário e Executivo e esta massa empurrada em boa parte por intenções nebulosas. Avulta, no quadro, a ineficácia do Congresso, entregue aos interesses particulares de deputados e senadores, donde inabilitados a influenciar o destino do protesto popular e, cada qual, o comportamento dos seus eleitores.
Pergunto aos meus inquietos botões o que se daria hoje se o PT tivesse mantido as posições anteriores à eleição de Lula, quando no centro de sua doutrina instalava-se a negativa peremptória à modernização do atraso. Hoje vemos o PT presa dos compromissos da chamada governabilidade, disposto às piores concessões e irremediavelmente esquecido das consignas de outrora. O PT montou a ratoeira e ali colocou o queijo para atrair os ratos. Ao cabo, ele próprio gostou do queijo e caiu na armadilha. Não fosse isso, respondem soturnos os botões, neste instante cavalgaria o agito das ruas. Seria o partido que lidera antes mesmo de controlar.
O governo não discrepa do PT, a despeito dos índices elevados de aprovação, conquanto em leve diminuição e à espera das consequências das manifestações destes dias. Às vezes porta-se como se o complexo do vira-lata, ao qual Lula costuma aludir, tomasse conta das suas ações, inclusive no confronto com a mídia que o ataca e denigre, e também com uma base pretensamente aliada, predadora voraz. Faltam ao lado da presidenta tanto uma figura capaz de operar politicamente, como se diz, quanto parceiros mais competentes e menos comprometidos em alguns ministérios. Sem esquecer que os problemas do País não se resolvem a partir de uma lógica meramente tecnocrática.
Seria trágico, e não hesito ao recorrer ao adjetivo, desperdiçar 12 anos de governo petista, até hoje de efeitos em geral benéficos. Outra há de ser, porém, a postura nas circunstâncias. Quero dizer, mais afirmativa, mais desabrida, mais corajosa. E mais afinada com as promessas do passado. Ouço uma voz otimista: “Isso tudo terá o efeito de oxigenar a política brasileira”. Tal é mais uma esperança do momento. Bem-posta, creio eu, desde que não deságue em nova desilusão.


quarta-feira, 19 de junho de 2013

Multidões em Protesto

Muitas cobranças para que este espaço publique algo sobre as manifestações que se verificam Brasil afora. Há muito a dizer. Há muito também, ainda, a analisar. E de cá, da capital paraibana, estou propenso a realçar que falta sobriedade em determinadas abordagens. Por agora, reproduzo um texto de Hélio Schwartsam, publicado na Folha Online de hoje (19/06/2013). 


As massas, a rua e a sociedade: o que esperar? 

Por Hélio Schwartsam*

Que diabos está acontecendo, é o que todos se perguntam. É verdade que ninguém entendeu direito o que levou multidões de jovens (e alguns não tão jovens) a, de uma hora para outra, protestar nas ruas de todo o Brasil, mas também não estamos diante de um monstro alienígena.
Manifestações e confrontos existem desde que surgiram as primeiras cidades, alguns milhares de anos atrás, e, mesmo na versão moderna, em que são convocados pelas mídias sociais, ocorrem de forma relativamente corriqueira. No presente momento, além do Brasil, há protestos em massa ocorrendo na Turquia e na Bulgária. Poucas semanas atrás, era a civilizada polícia sueca que enfrentava a ira de manifestantes em Estocolmo e outras cidades.
Se estendermos o horizonte de tempo para incluir os últimos quatro anos, a lista de países afetados pula para quase uma centena, abarcando desde a Primavera Árabe até o "Occupy" e os indignados. Foram atingidas desde nações miseráveis como Malaui e Bolívia até as maiores economias do planeta. Embora cada um desses movimentos tenha uma gênese e uma pauta diferentes e únicos, há algumas lições que podemos tirar do agregado de experiências.
É claro que, em princípio, tudo pode ocorrer. Mas, se os seres humanos que protestam têm algo em comum uns com os outros, como se imagina que tenham, a tendência é que o movimento comece em breve a arrefecer. Manter a mobilização é energeticamente dispendioso. Manifestações dão trabalho, impõem um ônus às cidades que as hospedam e acabam enjoando. A primeira passeata é divertida e a gente nunca esquece, mas a quinta já é aborrecida.
É certamente possível estender uma série de protestos quando eles têm um objetivo claro e mais ou menos unânime, como derrubar um ditador, mas, se o que os motiva é uma insatisfação difusa, como parece ser o caso aqui, isso fica mais difícil. Se as autoridades não voltarem a cometer erros como reprimir manifestantes pacíficos, que são a esmagadora maioria, catalisam esse processo.
Massas são uma coisa meio esquisita. Os especialistas que estudam a psicologia das multidões ainda não chegaram a um consenso sobre como elas se comportam, mas levantaram alguns problemas e "insights" interessantes.
A primeira e mais óbvia questão é: no que o grupo difere do indivíduo? Várias respostas foram ensaiadas. Para uma corrente, as diferenças são mais de grau do que de natureza. Se as três emoções humanas fundamentais são medo, alegria e raiva, quando aplicadas a multidões elas se tornam, respectivamente, pânico, júbilo e hostilidade. Há, entretanto, escolas que pensam que o comportamento de massa leva as pessoas a fazer o que jamais fariam se estivessem sozinhas. Fico com o segundo grupo. Numa espécie hipersocial como a nossa, são formidáveis os efeitos que indivíduos produzem uns sobre os outros, levando a formas insuspeitas de emergência.
Como tentei mostrar na coluna publicada na edição impressa da Folha de ontem, juntar um bocado de gente para fazer uma coisa pode trazer grandes vantagens, mas também envolve riscos. Os limites entre a sabedoria e a loucura das multidões são tênues.
Há ganhos óbvios como a multiplicação de forças e a possibilidade de divisão do trabalho (com aumento da produtividade) que nem vale a pena explorar. Mas existe também um efeito mais sutil que gostaria de desenvolver. Trata-se do bônus da agregação. Em 1906, sir Francis Galton, o polêmico e genial primo de Darwin, conduziu um experimento dos mais interessantes. Ele visitara uma feira agrícola e viu que haviam organizado um concurso no qual as pessoas deveriam adivinhar o peso de um bezerro. Exatas 787 pessoas responderam e nenhuma acertou. Mas, como constatou Galton, a média dos palpites, 1.197 libras, ficou a apenas 0,08% do peso aferido, que era de 1.198 libras. Curiosamente, Galton, que era um aristocrata com tendências fortemente elitistas, teve de dar o braço a torcer. "O resultado parece dar mais crédito à confiabilidade do juízo democrático do que se poderia esperar", escreveu.
O mecanismo em ação é o da eliminação. As estimativas mais extremas tendem a anular umas às outras e o que sobra é um palpite que faz sentido. A pergunta, então, é: por que não escolhemos o melhor governante com uma precisão de 0,08% em eleições de verdade? O economista Brian Caplan tem uma resposta convincente. Para ele, o milagre da agregação funciona apenas para eliminar erros aleatórios, cuja distribuição é gaussiana, mas se torna inútil para evitar os erros sistemáticos, que são aqueles em que a maioria das pessoas, provavelmente devido a vieses cognitivos, vai para o mesmo lado. A democracia não nos salva de nossas obsessões nem dos demagogos, ainda que tenha o dom de extirpar as posições mais radicais --o que não é pouca coisa.
Do lado negativo, a conta também pode ficar bastante salgada. Não são poucas nem inócuas as chamadas patologias do pensamento de grupo. Uma delas é a polarização. Se você juntar um punhado de pessoas com opiniões semelhantes e deixá-las conversando por um tempo numa sala, o grupo sairá com ideias mais parecidas e mais radicais. É assim que surgem as organizações terroristas e, nas manifestações, a disposição de enfrentamento que por vezes descamba no vandalismo. Minha hipótese é que a internet, ao permitir a criação de comunidades virtuais de pessoas com convicções bem exóticas e raras, contribui para uma certa radicalização da paisagem ideológica, mas nada que a democracia não possa curar.
Outra moléstia de grupo importante é a conformidade. Multidões têm o hábito de suprimir o dissenso. Isso explica várias coisas, desde as caças às bruxas e a perseguição de minorias até o sucesso das religiões. Num comício, frases como "sem violência" até funcionam, desde que os que advogam pelo quebra-quebra não formem uma massa concentrada o bastante para considerar-se um grupo à parte.
Vale mencionar ainda a animosidade. Ponha um corintiano e um palmeirense numa sala e mande-os discutir futebol. Eles discordarão, mas provavelmente se tratarão com certa civilidade. Entretanto, se você colocar cem torcedores rivais de cada lado, quase certamente produzirá uma batalha campal. Vimos isso acontecendo na quinta-feira passada em São Paulo, quando policiais do batalhão de choque avançaram sobre manifestantes tranquilos menos por cumprimento do dever do que por vê-los como um grupo antagônico que era preciso derrotar.
Aonde isso nos leva? Qual o sentido desses protestos e o que eles podem fazer por nós? Sou simpático à causa, mas me reservo o direito de guardar uma saudável dose de ceticismo. Não penso que virá daqui a revolução redentora. Como já disse, a mobilização não vai durar para sempre. Pleitos específicos como a redução de tarifas poderão ser atendidos em determinadas praças. Não sei se sou muito a favor disso. As manifestações, como é óbvio, não criam dinheiro, que terá de sair de outras rubricas se não quisermos pagar mais impostos. Quanto de subsídio o setor público deve conceder ao transporte público é uma questão aberta a debate. De minha parte, penso que transporte e saúde funcionam como despesas de custeio. Não há como evitá-las, mas, se for para escolher uma prioridade, minha preferência é a educação, que é a única das grandes áreas que pode ser encarada como investimento no futuro.
O que vejo de bom nos protestos é que eles sugerem que se está constituindo no Brasil uma sociedade civil um pouco mais articulada, que cobra seus governantes e os mantém sob pressão. Cada vez mais acredito na teoria de que o que distingue os países que dão certo das nações fracassadas é a existência de instituições que promovem o poder político dos cidadãos e lhes permitem tirar proveito das oportunidades econômicas. Uma classe média exigente que se faça ouvir pelos dirigentes é um elemento importante dessa institucionalidade positiva. Mas não nos enganemos. Já vimos a tal da sociedade civil surgir antes nas diretas já e no impeachment de Collor, apenas para submergir por vários anos antes de reaparecer. O descompasso aqui é entre o horizonte de nossas expectativas, que operam na escala dos meses e anos, e o da constituição de estruturas sociais democráticas, que obedece ao ciclo das décadas e gerações.
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*Hélio Schwartsam é bacharel em filosofia e autor de Aquilae Titicans: O Segredo de Avicena, uma Aventura no Afeganistão. 




quinta-feira, 13 de junho de 2013

'O primeiro dia do resto da tua vida'

Canta o luso Sérgio Godinho:




O Primeiro Dia
Sérgio Godinho 

A principio é simples, anda-se sozinho
passa-se nas ruas bem devagarinho
está-se bem no silêncio e no borborinho
bebe-se as certezas num copo de vinho
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida

Pouco a pouco o passo faz-se vagabundo
dá-se a volta ao medo, dá-se a volta ao mundo
diz-se do passado, que está moribundo
bebe-se o alento num copo sem fundo
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida

E é então que amigos nos oferecem leito
entra-se cansado e sai-se refeito
luta-se por tudo o que se leva a peito
bebe-se, come-se e alguém nos diz: bom proveito
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida

Depois vêm cansaços e o corpo fraqueja
olha-se para dentro e já pouco sobeja
pede-se o descanso, por curto que seja
apagam-se dúvidas num mar de cerveja
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida

Enfim duma escolha faz-se um desafio
enfrenta-se a vida de fio a pavio
navega-se sem mar, sem vela ou navio
bebe-se a coragem até dum copo vazio
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida

E entretanto o tempo fez cinza da brasa
e outra maré cheia virá da maré vazia
nasce um novo dia e no braço outra asa
brinda-se aos amores com o vinho da casa
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida.

segunda-feira, 10 de junho de 2013

O 'Eduquês' e a 'demagogia nas escolas', segundo Nuno Crato

Abaixo, extratos de uma entrevista com Nuno Crato, Ministro da Educação de Portugal, e que um leitor deste espaço me encaminhou pedindo publicação. Pedido atendido. 


Contra a demagogia na escola






Nuno Crato, 61 anos, notabilizou-se por divulgar e traduzir para o cotidiano os grandes teoremas e equações — trabalho que o fez merecedor do cobiçado European Science Award, em 2008. Há dois anos como ministro da Educação e da Ciência em Portugal, ele comanda hoje uma radical reforma no ensino que se baseia em metas, avaliações e mérito. Mesmo antes, Crato já era figura conhecida e muito discutida por seus colegas da educação. É do ministro o livro O "Eduquês" em Discurso Direto — em que disseminou o termo "eduquês” para se referir à linguagem empolada e vazia adotada por uma ala de educadores.

0 senhor provocou debate acirrado entre educadores do mundo todo ao afirmar que a escola moderna é vítima do “eduquês”. Por que o assunto causou tanto barulho?

Minha crítica bate de frente com uma linha muito celebrada nas escolas de hoje. É uma corrente que dá ênfase excessiva às atitudes e à formação cívica do aluno e deixa em segundo plano o conhecimento propriamente dito. Pergunto: como investir em formação cívica se o estudante não consegue nem ler o jornal? Vejo vários educadores por aí se perdendo em uma linguagem hermética, dúbia e demagógica — que é o mais puro “eduquês" — para falar sobre seus objetivos difusos para a sala de aula. Essa turma não só resgata como radicaliza teorias do passado para combater práticas na educação que já tiveram sua eficiência amplamente atestada pela ciência. Alguns me acusam de ser insensível ao dizer tais coisas, mas sou um entusiasta do saber científico e desprezá-lo, a meu ver, só prejudica o ensino.



Quais boas práticas exatamente essa ala de educadores rejeita?

Muitos batem na tecla de que prova faz mal. Acham  que ela submete o aluno a um alto grau de stress, sem necessidade. Vão aí na contramão do que afirmam os grandes pesquisadores. Eles já sabem que, ao ser questionada e posta a refletir sobre um conteúdo, a criança consegue absorvê-lo melhor, avançando no conhecimento. Também a disciplina é um ponto em que a condescendência e a leitura enviesada de velhas teorias ofuscam a razão. Esse grupo de educadores admite que o aluno pode ser no máximo incentivado a respeitar a ordem na sala de aula, mas nunca, sob nenhuma hipótese, ele deve ser forçado a fazer isso. Nesse caso, não é preciso de muita ciência para saber que o resultado final será muita bagunça e pouco aprendizado.



No Brasil, mais da metade das escolas se define como construtivista. Isso é bom ou ruim?

Antes de tudo, é bom esclarecer que, embora muita gente não saiba, o construtivismo de hoje é uma interpretação livre da teoria sobre o aprendizado lançada pelo psicólogo Jean Piaget há um século. Para mim, sua vertente mais radical é um equívoco pedagógico completo. Ela se baseia na ideia de que o professor não passa de um mero "facilitador" do aprendizado — esse um termo muito em voga na linha politicamente correta. Soa bonito, mas é prejudicial ao ensino por derrubar pilares fundamentais.



Quais são esses pilares?

Um mestre tem o dever de transmitir a seus alunos os conteúdos nos quais se graduou. E, sim, precisa ter objetivos bem claros e definidos sobre o que vai ensinar. É ingênuo achar que o estudante vai descobrir tudo por si mesmo e ao seu ritmo, quando julgar interessante. Quem de bom-senso tem dúvida de que, se a criança puder esperar a hora que bem lhe apetecer para mergulhar num assunto, talvez isso nunca aconteça?



A neurociência vem mapeando os caminhos que a informação percorre no cérebro de uma criança até ser assimilada. As escolas já começaram a fazer uso desse conhecimento?

Infelizmente, a grande maioria passa ao largo dessas descobertas. E isso as mantém congeladas no tempo, aferradas a pensamentos anacrônicos. A neurociência descobriu que é possível acelerar, e muito, o aprendizado de uma criança à base de incentivos permanentes. Isso tromba de frente com os principais postulados de Piaget. Ele acreditava que o processo de retenção de conhecimentos se dava por etapas muito bem definidas, divididas segundo as faixas etárias. Muitas escolas ainda se fiam nisso e perdem grandes oportunidades de fazer seus alunos dispararem. 
(...) 


Um pensamento muito em voga nas escolas modernas é o de que a criança só aprende de verdade aquilo de que ela realmente gosta. O senhor concorda?

Esse é um pensamento limitado. Veja o caso da leitura. Muitos educadores acham que para ler bem a criança precisa, antes de qualquer coisa, ser despertada para o gosto pela literatura. Só assim ela lerá muito e ganhará fluência, dizem. A neurociência lança uma luz interessante sobre essa questão, colocando-a exatamente ao avesso. Ela mostra que ter fluência na decodificação dos grafemas é crucial para ler bem. Em resumo: tem de se ler muito, mesmo sem gostar. O treino precisa ser permanente, exaustivo. Quanto mais automática se tomar a leitura, mais chances ela terá de ser prazerosa.


O senhor se notabilizou pela divulgação da matemática, a mais temida e odiada de todas as disciplinas escolares. Que caminhos sugere para tomá-la mais atraente?
A fórmula que eu defendo não tem nada de mirabolante. A maior pane dos estudantes repudia a matemática porque não consegue ultrapassar os obstáculos que ela vai colocando pelo caminho. Eles não entendem bem os conceitos, mas, ainda assim, o professor faz com que avancem na matéria. Assim, deficiências elementares acabam ficando para trás. É uma bola de neve. Numa disciplina como história, mesmo sem ter assimilado toda a narrativa sobre a colonização no Brasil, o aluno pode se embrenhar pelo capítulo da Revolução Industrial na Inglaterra. Mas na matemática não é possível progredir sobre uma base frágil e cheia de lacunas. Nessa área, o conhecimento é cumulativo — um depende do outro. Sem dominar a aritmética, não dá para passar à trigonometria. Se isso acontecer, e acontece muito, o estudo vai se tomar improdutivo e frustrante.


O que falta então para um bom ensino da matemática?

Organização do conteúdo por parte dos professores e muito treino do lado dos alunos. O ensino deve ser progressivo, sem pular etapas e sempre reforçando o mais básico. Se for preciso, que se volte ao início. As sociedades hoje frequentemente não valorizam o conhecimento rigoroso, aquele que exige método, empenho e exercício para ser bem sedimentado. Acham que as crianças vão acabar aprendendo matemática por osmose. Mas elas não aprendem. As avaliações costumam ser impiedosas ao escancarar as deficiências. Na maioria das disciplinas, o aluno pode chegar à resposta certa por aproximação, mas na matemática é diferente. Não canso de repetir que também os pais têm um papel importante  aí. No lugar de enfatizar a aversão aos números, eles devem, isto sim, reforçar a ideia de que a matemática é essencial para o crescimento de qualquer pessoa em qualquer área. Também podem falar aos filhos sobre a importância do esforço e do treino mental. Enfim, devem ajudar a consolidar em casa o valor e o hábito do estudo.



Currículos muito detalhados costumam suscitar resistências por parte de educadores que se dizem tolhidos em sua liberdade de ensinar. O senhor concorda?

Sempre aparece uma turma  para empunhar a bandeira da liberdade do aluno, dizendo que ele deve aprender sem as amarras de um currículo. Esse pessoal sustenta ainda que os currículos são um limitador da aula porque podam as asas do professor. Felizmente, em Portugal, são  uma minoria.  (...)



A falta de dinheiro é sempre citada como um fator que impede a melhoria do ensino. O senhor concorda?
Acho que nossos desafios dependem menos de dinheiro e mais de objetivos claros, ambiciosos e de organização. Para avançarmos,  precisamos formar  mais e mais engenheiros, médicos e cientistas. As crianças devem ser despertadas desde cedo para o interesse por essas áreas. Não será à base do velho e empolado "eduquês" que conseguiremos dar o grande salto.


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quarta-feira, 5 de junho de 2013

Sempre Belchior!

Sempre Bechior! Por onde andará o 'rapaz latino-americano'? Ele tem de voltar... enquanto isso, ficamos com as suas músicas clássicas, como esta aí abaixo. 



terça-feira, 4 de junho de 2013

Ciúme

Eduardo Ferreira-Santos é formado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP e Doutor em Ciências Médicas pela USP. Escreveu um interessante livro sobre o ciúme, que se diferencia das abordagens de tipo folhetim. Ciúme: o lado amargo do amor (Editora Ágora) é um livro com substância analítica. Abaixo, uma reportagem da Folha de São Paulo a respeito. 


As férias, período de maior convivência de um casal, podem levantar a libido, diversificar o relacionamento, criar situações de maior envolvimento e intimidade, dentro ou fora de casa. Entre os conflitos típicos da temporada, há o lado amargo do ciúme. Em viagens, por exemplo, os dois estão mais expostos às tentações da carne, principalmente em círculos mais animados, boemia, noite, brincadeiras em clubes e espaços públicos. Eles se achavam tão moderninhos e, pá, pintou ciúme na relação.
O livro "Ciúme: O Lado Amargo do Amor", do psiquiatra Eduardo Ferreira-Santos, dá um choque de realidade no[a] ciumento[a] compulsivo[a], tocando em conflitos de egos, hipocrisia familiar, desajuste emocional.
"Infelizmente, as vítimas do ciúme demoram para percebê-lo e para reagir contra o ciumento. Isso se dá por várias razões, e a principal é que elas são seduzidas pela ideia romântica de que o ciúme é uma demonstração de amor. Podem também colocá-lo em segundo plano, envolvidas pelo entusiasmo que caracteriza os primeiros tempos de uma relação. Podem, ainda, existir motivos indiretos, que são inconsistentes, na escolha de um parceiro ciumento. Por exemplo, há milhares de mulheres que, para fugir do assédio excessivo, real ou não, procuram um homem ciumento que tome posse delas e as proteja", escreve o médico no capítulo "Uma história de Barbie".
Os títulos dos capítulos abrem o apetite para mergulhar nos mistérios de um sentimento tão feroz: "Profissão: desconfiar, Jamais diga: "Você é minha vida", Será que não está faltando empatia? Os acordos secretos do casal, As perguntas essenciais de cada um, A dor da traição já existia antes, As pazes já não são feitas na cama, Uma história de Barbie, Dez da noite. E toca o telefone para ela...De perto, ninguém é normal, Com o lobo mau não tinha papo, O ciúme no seio da família, O ciúme entre irmãos, A química do corpo e o ciúme".
O texto faz interrogações instigantes e pontua logo as respostas, exemplifica, didaticamente.
"Por exemplo: até onde é possível, numa relação, um parceiro dizer ao outro, sem que o mundo desabe, que achou outra pessoa atraente? Eu não saberia responder, mas posso dizer que um casal supostamente maduro iria discutir o problema e fazer um balanço da relação para achar uma resposta e reorientar sua rota. O sentimento de atração indica que o relacionamento não está satisfatório, dando margem para um "acidente de percurso". A pessoa carente está predisposta a ser seduzida por alguém que possa, mesmo que na aparência, atender a seus anseios. Falta apenas a ocasião. Convém lembrar que essa atração também pode ser algo banal, sem nenhuma consistência: acha-se alguém bonito e atraente, e o assunto esgota-se aí. Não há necessidade para levá-lo para casa!"
Eduardo Ferreira-Santos é também psicoterapeuta de adultos e adolescentes. Formado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, ele especializou-se em psiquiatra. Médico-supervisor no Serviço de Psicoterapia do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP, coordena um grupo de atendimento a vítimas de sequestro que desenvolveram o transtorno de estresse pós-traumático. É mestre em psicologia clínica pela PUC-SP e doutor em Ciências Médicas pela FMUSP.