Pernambuco tem sido espaço de uma safra de bons jornalistas. Neste time, estão, por exemplo, Vandeck Santiago e Geneton de Moraes Neto. Com uma projeção nacional, Geneton tem levado a cabo um estilo de jornalismo que mergulha na história. Petites histoires da grande História. É assim que se pode, a meu ver, designar o seu Dossiê Moscou (publicado pela Gerção Editorial), resultado da cobertura que fez da primeira eleição na ex-União Soviética. Ficamos a saber, dentre outras coisas, que Boris Yeltsin - figura sem conteúdo intelectual - decidiu numa sauna, sem roupa, tocar avante a derrocada da União Soviética. De resto, há, no livro, significativas entrevistas, feitas por Genton, com personalidades do quilate do recém falecido Eric Hoobsbawm. Sem mais palavras, vale a leitura da obra - enquanto isso, reproduzo uma resenha sua abaixo.
Fonte: http://www.geracaobooks.com.br/releases/?id=31
Quando terminou seu grande livro
jornalístico sobre o fim da maior das utopias, a socialista, o jornalista
Geneton Moraes Neto pensou em lhe dar o título de Bye,Bye, Brejnev. Ao fazer a
revisão das provas, veio-lhe à mente um título menos empolgante, mas bem mais
preciso: Dossiê Moscou, a cobertura, sim, da primeira eleição para a
presidência da Rússia após sete décadas de comando comunista, mas também, e
principalmente, a história, contada em lances emocionantes, do espetacular
colapso da gigante União Soviética, com intervalos brilhantes para reflexões
sobre ideologias, utopias, modelos políticos e econômicos.
(...)
Com brilhante
carreira no jornalismo eletrônico e impresso, já percorreu os corredores da
morte em prisões de segurança máxima americanas, esteve nas ruínas de campos de
concentração na Alemanha, entrevistou astronautas que pisaram na lua,
sobreviventes do Titanic, o co-piloto do avião que jogou a bomba atômica sobre
Hiroshima e o assassino de Martin Luther King. Dossiê Moscou é o oitavo
livro-reportagem de Geneton, que já escreveu, entre outras coisas, sobre o
pacto maldito entre Hitler e Stalin, sobre o poeta Drummond e sobre a tragédia
da Copa de 50.
Retrato
da humanidade
Uma outra
maneira de definir Dossiê Moscou é que em suas páginas estão escritas as
grandes petite histoires, e não vai contradição nenhuma nisso. São as histórias
que fazem a História. Um retrato da humanidade por meio dos personagens que a
compõem. Assim, o autor combina a reportagem dos grandes fatos de repercussão
mundial com as grandes histórias de pessoas que na maior parte das vezes
escapam das lentes de tevê e das páginas de jornal.
Como o
flagrante ao ex-professor de Ciências Sociais do Partido Comunista, caminhando
cabisbaixo em um inusitado cemitério de estátuas, onde se encontram destroços
dos grandes monumentos a líderes comunistas como Lenin, Brejnev e Andropov, e
maldizendo a marcha da História. Ou o momento único em que Gorbatchev, o líder
que promoveu as aberturas política e econômica na URSS, admirado em todo mundo, Prêmio Nobel
da Paz, depositou seu voto na urna e despontou para o esquecimento no seu
próprio país, onde era impopular.
A História se
faz com fatos como o acontecimento marcante que mudou a geopolítica
internacional. Foi em 1989, e se passou com aquele que seria o presidente que
comandaria uma guinada da Rússia em direção ao capitalismo. Boris Yeltsin,
conhecido pela sua falta de brilho intelectual e pelas constantes mudanças de
opinião, estava nu em uma sauna quando outros homens, igualmente nus, o
estimularam a manter firme a rebelião contra o Partido Comunista. Yeltsin confessaria
para seu biógrafo que aquele fato havia mudado sua visão de mundo. Naquela hora
descobrira que era comunista “por inércia, mas não por convicção”.
Entrevistas
exclusivas
Junto com as
histórias e a História, o livro traz também um caráter reflexivo. Por meio de
entrevistas como as com Eric Hobsbawm, um dos maiores historiadores do século
20, e com o filósofo marxista Leandro Konder, Dossiê Moscou busca responder
perguntas como: O socialismo ainda vive? Há ainda espaço para as utopias? O que
legou para o mundo o comunismo, a “religião sem Deus”, segundo o escritor
Ariano Suassuna, “um insulto à nossa inteligência”, segundo o economista John
Maynard Keynes?
Rico em
entrevistas, Geneton Moraes Neto colheu também um dos últimos pronunciamentos
de Pavel Sudoplatov, único agente da KGB sobrevivente da era Stalin, o homem
que deu a ordem para que se matasse Trotski no México. Falou também com a
astronauta Svetlana Savitskaya, a primeira mulher a flutuar no espaço, que com
sua frieza serviria bem como fonte de inspiração para a Ninotchka do filme de
Ernst Lubitsch. “Se você quer saber sobre emoções, deve entrevistar outra
pessoa”, foi avisando logo de cara, o que não a impediu de dar um dos relatos
mais emocionantes do livro, uma rara perspectiva da guerra vista do alto:
“Quando estão no espaço os cosmonautas vêem a Terra como a casa onde moram.
Voltar para casa significa voltar para o planeta Terra, e não para a América ou
a União Soviética.”
Completam o
quadro de entrevistas Oleg Kalugin, ex-general da KGB, espião que falou sobre
os bastidores da guerra fria e a falsificação de documentos britânicos,
franceses e americanos para mostrar o “caráter sinistro” do imperialismo, o
fanfarrão candidato Vladimir Zhirinovsky, cujo depoimento da própria esposa,
Galina, é de que para ele a política é mais importante que o sexo, o
marqueteiro de Yeltsin, Mikhail Margelov, ex-agente da KGB que agora se dedica
a fazer a denúncia do passado comunista do país, Serguei Kruschev, filho do
líder Nikita, que numa assembléia da ONU em 1960 tirava um dos sapatos e batia
sobre a mesa para expressar discordância aos discursos que ouvia, Oleg
Ignatiev, velho jornalista do Pravda que um dia diante da necessidade inventou
um provérbio egípcio, e Gennady Zyuganov, o candidato comunista que quase tirou
a reeleição de Yeltsin e fez acender o alerta vermelho no Ocidente. Mesmo que
para isso tenha que ter deixado de lado seu materialismo dialético e usar o
Apocalipse bíblico para mostrar que o demônio enviaria duas bestas do inferno,
a primeira com uma marca na cabeça, a segunda com uma marca na mão,
referindo-se a Gorbatchev e sua famosa pinta na testa e a Yeltsin, que havia
perdido dois dedos da mão na explosão de uma granada.
Com isso, este
livro-reportagem traz à tona as peças que compõem a realidade. Mostra que a
reportagem não é só o fato, mas os vários ângulos do fato, combinando a grande
angular com o plano de detalhe. Prova que a reportagem em primeira pessoa, com
emoção e paixão, pode combinar com objetividade. A Dossiê Moscou pode-se aplicar
uma das definições do jornalismo: “o primeiro rascunho da História”. Mas um
rascunho completo, elaborado, apresentado com um texto instigante e envolvente
que convida o leitor a aproximar-se dos fatos que marcaram o século.
Dessa maneira,
Dossiê Moscou vai decifrando uma Rússia que, nas palavras de Winston Churchill,
era “um mistério, envolto por um enigma, embrulhado num segredo”. O livro
estrutura-se como um longo dia de reportagem para dentro da noite. Começa na
manhã das eleições, relatando o “dia que demorou cem anos para acontecer”, na
épica descrição da imprensa russa, e vai relembrando o passado até aquele ponto
final da saga soviética: a revolução de 17 onde menos se esperava, a agrária
Rússia, a morte do líder Lenin em 24, o longo governo de Stalin, as denúncias
de seu sucessor, Kruschev, em 56, que tiraram Stalin da condição de “guia
genial dos povos” para a de um dos maiores criminosos da humanidade, Brejnev,
Andropov, Tchernenko e, finalmente, Gorbatchev, que promoveu a glasnost e a
perestroik mas foi responsabilizado pelo colapso do país. Assim, perdeu as
eleições para Yelstsin, ex-comunista convertido à economia de mercado. No
segundo mandato, Yeltsin, doente, deixou o cargo para o atual presidente,
Vladimir Putin. À noite, só na redação, o jornalista e autor reflete sobre
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