Há já algum tempo, venho perfilando ao lado de uma linha reflexão que põe em realce a tese de crise do modelo escolar configurado pela modernidade. E se é assim que se passa, coloca-se então o imperativo de reinventar a escola. Quando olhamos para a escola e a vemos fragilizada como agência de socialização secundária, conforme a sua perspectiva clássica; quando testemunhamos a multiplicação das modalidades não-formais de trabalho educativo; quando observamos os impactos das novas tecnologias sobre os tempos e as temporalidades do trabalho docente; quando vemos as salas de aula com a superlotação da superlotação e os professores com imensas dificuldades no (não) exercício do seu métier ... não nos resta senão concluir que o modelo escolar gestado nos alvores da modernidade encontra-se numa situação dilemática. Pode-se ainda fechar os olhos e gritar bem alto que isto não é verdade... funciona por uns momentos, ou seja, enquanto os olhos estão fechados. Mas quando eles são abertos novamente... Tem-se falado muito, vamos lá, que 'um outro mundo é possível', e se tem dito que a educação tem papel central nesta perspectiva. Bom, expressões como estas, assim como determinados "discursos críticos" em educação, atualmente, cada vez mais não dizem nada, são expressões ocas, oba-oba. Se calhar, a questão precisa ser posta em outros termos: uma nova educação, uma nova escola, para um 'outro mundo possível'. Para alimentar essa prosa, abaixo a defesa de um outro arquétipo de escola, em artigo de José Carlos Morgado (Universidade do Minho, Portugal).
Atualmente, a Escola está sendo "tragada" pela sociedade em rede - tudo muito diferente do seu modelo originário
Para um outro arquétipo de escola: a necessidade de mudar as
políticas e as práticas curriculares
Por José Carlos Morgado
Introdução
O debate sobre a escola ou, mais concretamente, sobre a
"crise da escola" continua na ordem do dia, o que demonstra, por um
lado, a importância que a educação continua a merecer no imaginário social e,
por outro, a clara dificuldade de compreender as mudanças que sofreu nos
últimos anos e as que precisa concretizar para conseguir dar resposta aos
desafios com que se confronta.
Na opinião de Rui Canário (2005, p. 183), a dificuldade em
compreender as mutações que a escola foi sofrendo resulta tanto do "processo
de naturalização" a que ela foi estando sujeita, quanto do fato de "o
monopólio educativo" conquistado pela escola pública contribuir para a
fechar sobre si mesma e a privar de "referenciais externos" que
ajudariam à sua crítica e transformação. Acrescenta, ainda, que tal dificuldade
não se circunscreve apenas ao domínio educativo, inserindose num "fenómeno
mais geral de défice de capacidade crítica" que perpassa a própria
sociedade contemporânea.
Não nos surpreende que assim seja, uma vez que as relações
simbióticas que existem, e sempre existiram, entre a escola e a sociedade são
"interacções dialécticas onde, quer a escola, quer a sociedade são
simultaneamente determinantes e determinadas" (FERNANDES, 1991, p. 60). Se
a escola é um episódio do próprio tecido social, a verdade é que, em
simultâneo, se torna imprescindível para a construção, modelação e manutenção
dessa macroestrutura. É nesse sentido que Mariano Enguita (2007) assevera que
as escolas tendem a ser conservadoras/reprodutoras quando integram sociedades
mais estáveis, mais estáticas, assumindose, porém, como entidades
transformadoras quando inseridas em sociedades mais dinâmicas, que procuram
decidir o rumo a seguir.
No entanto, não podemos deixar de ter em atenção que, quando
"as sociedades dinâmicas seguem um rumo errático ou imprevisível", as
escolas podem verse rapidamente "imersas num desvairo completo" que
desemboca, por norma, numa crise que torna visível quer a sua
"insustentabilidade dinâmica", quer a sua incapacidade para
desenvolverem novas oportunidades (ENGUITA, 2007). Curiosamente, é numa
situação idêntica à que acabamos de descrever que se encontram hoje muitas das
nossas escolas, nomeadamente em Portugal, que continuam a configurarse mais
como locais de execução de medidas oriundas do seu exterior do que como espaços
de decisão política e curricular, situação a que acresce, ainda, certa
"erosão" do estatuto profissional dos docentes.
Importa, por isso, refletir sobre as seguintes questões:
• Será que os desafios de mudança colocados às escolas, em
resultado das intensas transformações científicas e tecnológicas e das novas
formas de organização social e econômica que caracterizam o mundo
contemporâneo, em vez de gerarem mudanças educacionais positivas estão a
corroer o otimismo, a esperança e as capacidades profissionais dos professores?
• Que podem as escolas, em particular os professores, fazer para
contrariar essa tendência e para debelar certa incapacidade coletiva de reação
que se foi instalando no seio da classe docente?
• Que condições – políticas, pedagógicas e materiais – são
necessárias para mudar as instituições escolares e recuperar o reconhecimento e
o protagonismo perdidos?
• Que medidas políticas e educativas devem ser adotadas para, no
imediato, se tentar inverter toda essa situação?
• Será que podemos/devemos continuar a falar de autonomia
curricular?
• Por que se torna imprescindível mudar as práticas curriculares e
desenvolver culturas de colaboração nas escolas?
É, pois, a partir dessas questões que pretendemos refletir ao
longo deste texto, embora facilmente se compreenda que, no espaço de que
dispomos para esta comunicação, seja impossível abordá-las na totalidade e com
a profundidade que seria desejável. Mesmo correndo o risco de, como alerta Karl
Popper (1999), esta reflexão se inserir mais numa lógica de
"reconhecimento" e confirmação do que tem sido produzido neste
domínio, do que numa lógica de "produção" de novos conhecimentos,
decidimos abordar as questões formuladas referindo alguns aspectos que, em
nosso entender, têm concorrido para configurar o cenário educativo atual e para
caracterizar a profissão docente, bem como para fundamentar a necessidade, cada
vez mais premente, de mudar as práticas curriculares que se desenvolvem nas
escolas e nas salas de aula.
Na estrutura do texto, tivemos ainda em conta dois aspectos que
nos parecem relevantes. Em primeiro lugar, o fato de ser difícil entender a
ação educativa como um processo social sem lhe serem atribuídos objetivos
específicos, objetivos esses que traduzem as opções estratégicas e as
prioridades das políticas educativas que, em determinado momento, se afirmam.
Qualquer análise do fenômeno educativo assume, por isso, cariz social e
político e, no nosso caso, justifica a referência que fazemos às políticas
educativas e curriculares ao longo do texto.
Em segundo lugar, e não menos importante que o primeiro, o
contexto histórico em que todo esse processo se desenvolveu. O estudo da
realidade educativa deve, sempre que possível, partir de um deslinde cronológico
que nos ajude a compreender as transformações processuais e evolutivas no campo
educativo. Como destaca Alejandro Ferrer (2002a,p. 15), o conhecimento da
evolução que experimentou a educação ao longo do tempo "constitui um
elemento de indubitável valor para a formação dos profissionais que desenvolvem
a sua tarefa nos sistemas educativos actuais"; além de propiciar recursos
intelectuais para analisar e interpretar cada contexto de trabalho numa
perspectiva histórica, tal conhecimento permite "desenvolver uma
consciência histórica, de carácter crítico, que deve precavê-los em relação às
abundantes concepções deterministas e explicações intemporais dos factos
educativos em que participam". Assim se percebe como é difícil
problematizar o futuro sem conhecermos o passado e compreendermos o presente.
Com base nos pressupostos enunciados, organizamos o presente
trabalho em torno de três eixos de análise: (1)o
primeiro, que intitulamos "Evolução histórica do 'figurino'
educativo", onde fazemos uma breve análise dos diferentes paradigmas
escolares ao longo do século XX, do papel desempenhado pelo Estado na
configuração desses "formatos" educacionais, das políticas educativas
e curriculares vigentes e dos modelos de ensino e de professor que foram prevalecendo; (2) o segundo, que designamos por
"Situação atual – que perspectivas?", ao longo do qual fazemos uma
reflexão sobre o conjunto de tensões que, externa e internamente, podem
condicionar o trabalho dos professores e a mudança do edifício educativo; (3) o terceiro, um segmento que
denominamos "Para um outro arquétipo de escola" e no qual referimos
algumas mudanças que, em nosso entender, urge imprimir para a que a escola e os
professores se possam ver ressarcidos do protagonismo que foram perdendo e recuperar
o lugar de referência que, por direito próprio, lhes cabe no desenvolvimento da
sociedade do século XXI. Por fim, elaboramos uma breve conclusão em que
enaltecermos a importância que a educação continua a granjear na matriz
civilizacional dos nossos dias, chamamos a atenção para as responsabilidades
acrescidas com que a sociedade se depara em termos educativos e relevamos o
papel que a escola ocupa no processo de desenvolvimento, integração e promoção
de cada indivíduo, permitindonos assim compreender por que nela continuam a
repousar muitas das esperanças e expectativas de melhoria da sociedade futura.
1.
Evolução histórica do "figurino" educativo
Vários autores1 coincidem ao assinalar a existência de
três "momentos" distintos na (re)configuração da escola ao longo do
século XX.
1.1. A escola como "episódio" de estabilidade
O primeiro momento, que havia de prolongarse até meados do século,
foi conotado como um período de afirmação da escola e fica marcado pela
importância que as instituições escolares granjearam quer em termos didáticos e
pedagógicos, quer em termos políticos, econômicos e sociais.
Estávamos em presença do que Rui Canário (2005, p. 67) designa por
período da "escola das certezas", para se referir a uma instituição
coerente, com forte legitimidade social, que cumpria cabalmente os mandatos que
lhe estavam consignados. A nível político, a escola assume-se como uma entidade
de referência na promoção da cultura e identidade nacionais, tendo desempenhado
importante papel na [emergência e] consolidação do Estado-nação. Do ponto de
vista social, a escola contribui para a criação de uma "nova ordem",
fundada num "novo tipo de laço social", construído em torno da
emergência da relação salarial e do declínio do paradigma rural mais
tradicional, e num estatuto social que deixa de ser transmitido por via
familiar e passa a ser adquirido pela ação individual, "no quadro de
estruturas sociais marcadas por uma crescente mobilidade" (CANÁRIO, 2005,
p. 66). Em termos econômicos, a escola configura-se como um elemento charneira
na produção de mão de obra disciplinada, capaz de se adequar às diferentes
modalidades resultantes da "crescente racionalidade da organização do
trabalho, baseada na hierarquia, na segmentação das tarefas e na dissociação
entre o trabalhador e o produto do seu trabalho" (CANÁRIO, 2005, p. 67).
No que diz respeito à organização pedagógica da escola, esta
elabora-se a partir de uma estrutura nuclear – a classe –, entendida como um
grupo de alunos que recebe, em conjunto e de forma simultânea, o mesmo ensino.
Trata-se, como sustenta João Barroso (2001, p. 69), de um "modo de
organização pedagógica" que se consubstancia no princípio de "ensinar
a muitos como se fossem um só". Uma "forma escolar" onde
prevalece o princípio da homogeneidade, determina a "organização do
espaço, do tempo, dos saberes" e representa uma "marca distintiva da
escola" (CANÁRIO, 2005, p. 76). Essa solução
organizacional, que rapidamente se naturalizou e que, a despeito das
constantes críticas que foi sofrendo, por se configurar como uma das
"invariantes educativas" que mais dificulta a mudança da escola, se
perpetuou até aos dias de hoje, revelou-se extremamente eficaz para concretizar
os desígnios que norteavam a educação da altura – a divisão do trabalho dos
alunos, a especialização das funções docentes e a consolidação de uma escola de
elite, fundada num paradigma educativo baseado numa lógica cumulativa e
repetitiva de informações, em que a compartimentação de saberes e a memorização
se assumem como principais elementos estruturantes. A esse respeito, João
Barroso (2001) assevera que
a classe, que era inicialmente uma simples divisão de alunos,
transforma-se progressivamente num "padrão" organizativo para
departamentalizar o serviço dos professores e o próprio espaço escolar.
Simultaneamente, adquire o valor de "medida" na progressão dos alunos
(passar de "classe") e na divisão temporal do percurso escolar (o
termo "classe" vai-se tornando sinónimo de "ano" de
escolaridade) (BARROSO, 2001, p. 69).
Relativamente ao papel do Estado, estávamos em presença do que
vários autores designam como "Estado Educador", uma vez que lhe
competia a provisão da educação e a criação de condições para a subsistência, o
funcionamento e a regulação do sistema de ensino. Ao Estado arrogava-se o
direito de, ao bom estilo centralista, interferir no que considerava conhecimento útil e nas determinações sobre os
curricula, os planos de estudo, os parâmetros de avaliação, entre outros. Daí o
pendor centralista, uniformizador e impessoal que revestiu o currículo escolar,
idealizado como instrumento propício para a consecução de uma efetiva
racionalidade administrativa, sendo, por isso, identificado metaforicamente
durante muito tempo como "currículo uniforme pronto-a-vestir de tamanho
único" (FORMOSINHO, 1987).
Por seu turno, Mariano Enguita (2005, p. 26)2,
numa reflexão que faz a partir da relação entre educação e mudança social, em
que procura, por meio de mudanças substanciais nas formas de vida, de trabalho
e convivência, averiguar se a escola terá contribuído mais para preservar ou
transformar a sociedade, considera esta época como um período de "mudanças
suprageracionais", isto é, um período em que as mudanças existem mas não
são perceptíveis de uma geração para a outra, tanto pela sua lentidão quanto
por afetarem apenas grupos minoritários. Assim se compreende que, para a
maioria dos cidadãos, a família e a comunidade imediata tivessem papel
educativo relevante, reservando-se a instituição educativa apenas para determinada
camada populacional mais elitista. A educação funcionava numa lógica claramente
reprodutora da estrutura social vigente.
Esse modelo viria a ser fortemente abalado com o deflagrar da
Segunda Guerra Mundial, que representou um marco importante no desenvolvimento
dos sistemas educativos contemporâneos. O impacto dos acontecimentos produzidos
pela guerra foi muito amplo e fez sentir-se em diversos âmbitos, não
constituindo exceção o campo educativo. A assinalável perda de vidas humanas, a
ruína das economias e a grande destruição de bens de todo tipo, sobretudo nos
países diretamente implicados no confronto, produziram fortes comoções e
estiveram na base de muitas das dificuldades sentidas para tentar levar a cabo
a necessária reconstrução política, econômica e social em cada país.
Entrava-se num novo período da história da humanidade, "um
período de consenso, de fé na autoridade e na legitimidade", tornando-se
perceptível que o final da guerra tinha "gerado uma corrente de promessas
e de esperança numa nova era caracterizada por mudanças progressivas na relação
entre o Estado e a sociedade" (HELD, 2001, p. 265).
1.2. A escola como "motor" de desenvolvimento
O princípio de que a educação se revelava como um dos principais
argumentos para a reconstrução e o desenvolvimento de cada país, associado à
ideia de que o Estado devia assumir a tarefa de (re)organizar um sistema de
ensino que proporcionasse escolarização de base a toda a população, aspectos de
resto vinculados à origem do Estado liberal e à génese dos sistemas educativos
ocidentais em finais do século XVIII e princípios do século XIX, veemse agora
reforçados e são reconhecidos como elementos preponderantes a ter em
consideração.
A esse propósito, assinala George Papagiannis (1992, p. 4646) que
tanto a reforma dos sistemas de ensino quanto a expansão da educação se
tornaram preponderantes, ao serem reconhecidas "como elementos chave no
complexo processo de potencializar o crescimento económico, de conseguir a
modernização política e social e de formar cidadãos de mente crítica,
independentes e participativos". Não surpreende, pois, que desde os
primórdios da década de 1950 se tenham feito grandes investimentos na
(re)construção e no desenvolvimento dos sistemas educativos de muitos países,
particularmente na Europa, assistindo-se a uma evolução caracterizada,
fundamentalmente, "pela sua expansão quantitativa, pela sua abertura a
novos públicos e pela sua contribuição para o desenvolvimento de novos estilos
de organização política e social" (FERRER, 2002b, p. 260).
Inicia-se, assim, um segundo momento na história da educação, que
começa no pós-guerra e se vai estender até meados dos anos setenta, época em
que dealba a forte recessão econômica que viria a assolar o Mundo. A escola
configura-se como uma mais-valia em termos de desenvolvimento econômico e
assiste-se à tentativa de democratizar o acesso à escola, o que desembocaria no
fenômeno de "explosão escolar" a que temos assistido desde essa
altura e à edificação da comummente designada "escola de massas". Não
surpreende, pois, que a maioria dos autores considerem esse período como a
passagem de uma escola elitista para uma escola de massas e, por isso mesmo, um
dos mais importantes na democratização
da educação.
Afirmava-se, assim, um período de mudanças que Mariano Enguita
(2005, p. 27) apelida de "mudança intergeracional", no qual as
mudanças são claramente perceptíveis de uma geração para outra, por grupos significativos
da população. Adianta o autor (ENGUITA, 2005, p. 32) que, nesse período, a
escola e a docência se configuram como elementos cruciais do progresso em
relação à tradição, do futuro em relação ao passado e da razão em relação à
superstição. É uma época gloriosa, em que os professores sentem que lhes é
confiada uma missão, reconhecida pela sociedade, o que contribui para verem,
ainda que não por muito tempo, elevar o seu estatuto profissional.
Na opinião de Rui Canário (2005, p. 7879), o "crescimento
exponencial da oferta educativa escolar", em resultado do aumento da
oferta e do acréscimo de procura, faria entrar a escola numa fase que designa
como o período da "escola das promessas", expressão que traduz a
associação do fenômeno educativo a três promessas fundamentais: "uma
promessa de desenvolvimento,
uma promessa de mobilidade
social e uma promessa deigualdade".
Acrescenta o autor (CANÁRIO, 2005) que essa onda de euforia e otimismo em
relação à escola é concomitante com a construção de um Estado-providência que,
ao reconhecer o crescimento do sistema educativo como "factor económico de
primeira importância" e ao assumir a sua gestão como uma "grande
empresa", adquire as características de um "Estado
desenvolvimentista".
Convém lembrar duas teorias que, segundo George Papagiannis (1992,
p. 4647), contribuíram para potenciar a "ideia de que a expansão e o
desenvolvimento educativos podiam superar a pobreza e o
subdesenvolvimento": ateoria do capital humano3 – que defende uma correspondência
direta entre o desenvolvimento educativo e o crescimento econômico – e a teoria funcional e modernista4 – segundo a qual "a invenção, a
tecnologia e a inovação" são consideradas como forças capazes de
"aumentar a capacidade económica e social dos indivíduos".
Simultaneamente, ganha relevância e aceitação a corrente de
planificação macroeconômica proposta por John Keynes (1974), que propõe maior
intervenção do Estado por forma a garantir, por meio de políticas fiscais
progressivas, os direitos e os serviços sociais a toda a comunidade,
considerados agora como imperativos fundamentais de qualquer sociedade
democrática. Do ponto de vista político, a progressiva tomada de consciência do
direito de cada indivíduo à provisão pública de uma série de serviços sociais,
destinados a cobrir necessidades humanas básicas (educação, assistência
sanitária, pensões, habitação), justificavam, por si só, a intervenção do
Estado no sentido de garantir tais prestações, contribuindo assim para a maior
justiça social.
Assim se compreende que, de forma similar ao que aconteceu a nível
econômico e social, onde foi necessário um poder político forte, capaz de fazer
vingar os direitos coletivos em detrimento dos interesses individuais e de
controlar os mecanismos e as forças de mercado, também no campo educativo se
percebeu a importância de o Estado assumir idêntico protagonismo. A educação
como direito social de qualquer cidadão passa a ser vista
como um ideal possível de atingir, cabendo ao Estado a responsabilidade de
proporcionar os meios e os recursos necessários para sua concretização.
Como consequência, a maioria dos países ocidentais viveu um
período de acentuado centralismo educativo. Os respectivos governos,
baseando-se em imperativos de igualdade e democratização social e escolar,
acabam por controlar os destinos educacionais e ter uma intervenção direta nos
respectivos sistemas de ensino. Predominam os sistemas educativos
centralizados, que embora teoricamente se digam ao serviço da democratização do
ensino acabam, na prática, por servir mais à função educadora do Estado do que
à participação democrática dos docentes e dos estudantes nas decisões
educativas.
As políticas educativas centralizadas, que estariam na base de um
conjunto de reformas educativas impostas pelo poder central, acabaram por gerar
autoritarismo, conformismo e uma tendência comum para uniformizar o ensino e a
formação. A escola vai-se tornando cada vez mais refém das diretrizes emanadas
pela administração educativa e converte-se num espaço propício para a aplicação
de políticas educativas definidas a nível central. Os professores limitam-se a
cumprir normas e a executar os programas prescritos para cada disciplina e/ou
ano de escolaridade – prevalece o interesse pelos resultados (produtos) em
detrimento da importância dos processos de ensino-aprendizagem e da seleção dos
conteúdos.
Em suma, as políticas educativas centralizadas acabaram por
fomentar a configuração de sistemas educativos uniformes, rígidos e
burocráticos, com esquemas de funcionamento em que os critérios
administrativo-burocráticos prevalecem sobre os de natureza pedagógica,
protagonizando modelos educativos mais direcionados para a transmissão de
conhecimentos e a obtenção de resultados visíveis a curto prazo do que para as
dimensões humanas e sociais que devem servir de esteio aos processos de
ensino-aprendizagem.
No dealbar da década de 1970, toda a estratégia expansionista da
reforma educativa e as ideias que a consubstanciaram – educação como via para
mudar o mundo, investimento na educação como de fomentar o desenvolvimento
econômico e a igualdade social, investimento social como estratégia para
legitimar os regimes democráticos – começaram a evidenciar sinais de
debilidade.
A esse prenúncio da crise escolar não foi alheia a forte recessão
econômica resultante da crise
do petróleo de 1973, cujas consequências fizeram diminuir os gastos que os
Estados vinham fazendo em vários setores sociais, nomeadamente no campo
educativo5,
enfraquecendo assim o otimismo pedagógico que vinha imperando até essa altura.
No que diz respeito à escola, afirma Canário (2005, p. 80), a expansão da
"escolarização de massas" não se traduziu nem na "generalização
do 'bem-estar' à escala mundial, nem na ultrapassagem do fosso que separava os
países 'desenvolvidos' dos que se encontravam 'em vias de desenvolvimento' ou em
situação de 'subdesenvolvimento'".
Não podemos, a esse respeito, deixar de referir uma importante
crítica às estratégias reformistas das décadas anteriores que surgiu pela voz
de Philipe Coombs (1971, p. 10), numa Conferência Internacional sobre a Crise Mundial da Educação,
realizada no estado de Virgínia (EUA.), em 1967. Não deixando de reconhecer que
"os sistemas educativos se tinham desenvolvido e modificado mais
rapidamente do que nunca", considera que não o teriam feito com a devida
celeridade, respondendo com demasiada lentidão "ao rápido compasso dos
acontecimentos a que se encontravam circunscritos". Demonstrando sempre
uma profunda preocupação com a educação e enorme otimismo relativamente ao
futuro, Coombs (1971) não deixou de assinalar que o aumento dos custos da
educação, a crescente procura de títulos escolares, o excessivo número de
abandonos, a explosão demográfica e a recessão econômica teriam, em conjunto,
conduzido ao que denominou por "crise mundial da educação".
Com efeito, as políticas educativas e curriculares vigentes nesse
período concorreram mais para privilegiar uma dimensão instrumental e
utilitarista da educação e do currículo do que para uma afirmação de valores,
do desenvolvimento humano e da construção da cidadania. Permitiram que
continuasse a perpetuar-se um paradigma educativo mais consonante com a
submissão, a passividade e a uniformidade do que o pensamento autônomo, a
liberdade, a capacidade de resolução de problemas e a reflexão crítica. Uma
situação que acabaria por conduzir a um progressivo alheamento da escola em
relação aos contextos em que se encontra inserida e por produzir elevadas taxas
de insucesso e de abandono escolar.
Em termos curriculares, continuaram a prevalecer a lógica do currículo nacional, o peso da
prescrição curricular e a tendência de a administração continuar a controlar o
currículo tanto ao nível do seu conteúdo quanto da sua forma (MORGADO, 2003).
Embora se questionem quer "as práticas de isolamento da escola face à
comunidade", quer a "qualidade de um currículo nacional que é
construído à prova dos professores" (LEITE, 2005, p. 18), a verdade é que
às escolas e aos atores educativos é apenas consignado o papel de meros
executores de decisões que outros prescreveram, remetendo os professores para o
estatuto do funcionalismo
público e para a posição de
meros técnicos curriculares.
A esse cenário não são alheias nem as mudanças que, entretanto, se
desencadearam a nível econômico, político e social, nem a crise política que
assolou o Estado-providência, visível pelas suas limitações na gestão da vida
coletiva e pela crescente falta de credibilidade das instituições políticas, o
que, por si só, justificou a procura de novos modelos de solidariedade e de
governo pela sociedade civil. Inicia-se, assim, um novo período, que
intitulamos de "escola como artefacto de criatividade e inovação".
1.3. A escola como espaço de "criatividade" e de
"inovação"
O terceiro momento, que abrange o último quarto do século XX,
configurase como um período em que a escola, em resultado da catadupa e da
rapidez das mudanças que ocorreram em diversos setores sociais, se vê
rapidamente imersa num conjunto de reformas e desafios que a (re)colocam no
centro do debate educacional e a confrontam com a necessidade de se
reorganizar, sob pena de, se o não fizer, vir a ser atacada por um surto de
obsolescência e a ficar relegada para meras funções de custódia ou, como refere
Green (1997)6,
a funcionar como um "parque de estacionamento" de potenciais
desempregados, assumindo-se "o prolongamento de estudos (no contexto da
escola ou da formação profissional) como uma panaceia para conter
artificialmente os problemas do desemprego e do sub-emprego que tendem a
assumir uma carácter endémico e a ser minorados através das políticas de
formação".
Na configuração desse cenário, que Rui Canário (2005, p. 8184)
intitula como a era da "escola das incertezas", tiveram peso
significativo a erosão e o défice de legitimidade do Estado-providência – a que
se associam a progressiva emergência de um Estado mínimo (Estado Regulador) –,
a globalização – cujas consequências imediatas foram a progressiva
liberalização dos mercados, a livre circulação de capitais e o avanço das
forças do mercado –, as transformações no mundo do trabalho – com o aumento dos
níveis de desemprego estrutural e a precarização dos vínculos laborais –, a
progressiva incapacidade coletiva de reivindicação por parte das tradicionais
estruturas sociais – caso das associações profissionais e dos sindicatos que se
veem constantemente relegados para segundo plano no campo das decisões – e,
ainda, a inflação e progressiva "desvalorização dos diplomas
escolares" – em resultado da acentuada discrepância entre "o aumento
da produção de diplomas pela escola e a rarefacção de empregos
correspondentes".
A escola submerge, assim, no que Mariano Enguita (2005, p. 27)
identifica como período de "mudanças intrageracionais", para se
referir a uma etapa em que as mudanças são perceptíveis, de forma generalizada,
dentro de uma mesma geração e nos aspectos estruturantes da experiência humana:
economia, política, cultura, família, entre outros. Nesse sentido, afiança que
as transformações no mercado de trabalho, na organização empresarial, nas
formas de comunicação e de acesso à informação, na estrutura da vida urbana e
nas relações sociais obrigaram a uma readaptação das populações "a novas
condições de vida, de trabalho e de sociabilidade" (ENGUITA, 2005, p. 33),
com reflexos evidentes ao nível da instituição escolar, que se vê confrontada
com a necessidade de concretizar novas formas de aprendizagem, ancoradas em
novas competências e ao longo de toda a vida "útil" dos indivíduos.
Em face da crise com que se deparou o Estado nacional desde o
início da década de 1980, e para fazer face às mudanças e às exigências que se
colocam às escolas, os governos de diversos países encetam uma série de
reformas das respectivas administrações públicas, reformas essas que se foram
concretizando "desde uma perspectiva mais centrada na transferência de poderes
entre os vários níveis da administração (descentralização)", com a
inerente "alteração de processos de decisão e gestão (nova gestão
pública), até perspectivas mais radicais de liberalização e privatização do
sector público", isto é, a adoção de uma lógica de mercado (BARROSO, 1998,
p. 36). Tratando-se de posições distintas em relação ao protagonismo do Estado
e à dimensão do serviço público, essas perspectivas acabariam por coexistir e
conviver no panorama social, interferindo e condicionando as reformas em vários
setores, particularmente no âmbito das políticas sociais e educativas.
No terreno educacional, as intenções de reformar os sistemas de
gestão burocráticos e de promover a participação dos vários atores sociais nos
destinos educativos passam a ser uma referência obrigatória na generalidade dos
discursos políticos e educacionais. Prevalece a ideia de que a gestão
participada dos sistemas educativos e das escolas pode ajudar a resolver a
crise que atravessa a educação. O tema da "autonomia da escola" passa
a ser referência obrigatória da retórica governativa e da produção normativa e
as escolas passam a ser consideradas como lugares estratégicos de decisão
política, devendo, por isso, assumir-se como estruturas capazes de produzir
respostas eficazes para as necessidades das comunidades em que se inserem.
Só que, nem sempre aquilo que se propala a nível dos discursos se
concretiza ao nível das práticas. Exemplo disso é o que se passa da
"autonomia da escola", expressão com um campo semântico de largo espectro
e que, na opinião de João Barroso (2006, p. 2535), pode originar "modos de
fazer" distintos, permitindo-lhe, no caso de Portugal, identificar três
significados políticos associados às medidas de reforço da autonomia das
escolas:
• autonomia como
retórica discursiva – o
discurso da autonomia da escola, que visava a transladar responsabilidades dos
governos centrais para os contextos locais e mobilizar os atores sociais para a
mudança, acabou por se desenvolver num "contexto conservador, domina por
administração burocrática e centralizada", o que fez com que a autonomia,
mais do que uma vontade emergente da escola ou de uma forma de resolução de
problemas por parte da administração central, se restringisse a ser utilizado
para "mobilizar as 'escolas' para aceitar as mudanças a introduzir pelo
centro do poder político" e, mais preocupante, para legitimar novas
modalidades de controle; assim se compreende que "as políticas de
descentralização" aparecessem associadas ao reforço da avaliação e à
prestação de contas, tentando a administração "não perder em
'autoridade'" aquilo que ganhou em "legitimidade";
• autonomia como
instrumento de governação –
as medidas de reforço da autonomia foram utilizadas como um "instrumentos
de acção pública", isto é, como artefatos que permitem predeterminar e
"estabilizar formas de acção colectiva", tornando "mais
previsível" e, ao mesmo tempo, "mais visível o comportamento dos
actores"; é nesta lógica que se inscrevem os "contratos de autonomia"
que, ao mesmo tempo que combinam "uma estratégia de negociação, a
mobilização dos actores e a promoção da sua autonomia", acabam por
propiciar "um sentido de controlo e garantia de resultados", numa
lógica de "obediência a princípios ou normas gerais";
• autonomia como modo de regulação – o reforço da autonomia
das escolas integra-se no que vem sendo comumente designado por "novos
modos de regulação das políticas e da acção educativas" e que simboliza a
passagem de um "modelo de regulação burocrático-profissional", baseado
na combinação de uma regulação estatal, burocrática e administrativa com uma
regulação profissional, corporativa e pedagógica, para um "modelo de
regulação pós-burocrático", organizado a partir dos conceitos de
"Estado-avaliador" e de "quase-mercado" educativo e que se
caracteriza pela concessão de um maior grau de autonomia das escolas, pela
promoção da "livre-escolha" da escola, pela diversificação da oferta
escolar, por um equilíbrio entre centralização e descentralização, pela
introdução de mecanismos de avaliação externa e pela prestação de contas.
Pesem embora os diferentes sentidos de que pode se revestir a
administração educativa, constatamos que o cerne da governação educacional
permanece ainda, em boa medida, sob a alçada do Estado, embora não sejam de
descurar nem os efeitos que a globalização provocou ao nível das políticas
educativas nacionais, como consequência da reorganização das prioridades dos
Estados no sentido de maior competitividade e de atrair investimentos
internacionais (DALE, 2001), nem a influência das correntes neoliberais que,
baseadas na restrição pelo Estado das liberdades individuais, na
"garantia" de conseguir resolver os problemas que aquele não foi
capaz, na diminuição dos gastos públicos, na necessária competitividade do
mercado e em promessas de maior equidade e justiça social, pretendem apenas
"criar mercados (ou quasemercados) educativos" e transformar a ideia
de "serviço público" em "serviços para clientes", em que o
"bem comum para todos" é substituído por "bens diversos,
desigualmente acessíveis" (BARROSO, 2006, p. 37). De um modo geral,
podemos dizer que as influências transnacionais e/ou supranacionais (caso da
União Europeia no contexto educativo português) na definição das políticas
educativas e curriculares, bem como as argumentações neoliberais que as
aconchegaram, se materializaram num conjunto de medidas e de estratégias que,
sob a égide da eficácia da escola, da flexibilização da oferta educativa, da
racionalização dos dinheiros públicos, da rentabilização de recursos, da melhoria
da qualidade do ensino, pretenderam, sobretudo, cativar a adesão do senso comum
e aplicar à instituição escolar esse maniqueísmo
intelectual que tende a
deteriorar e desvalorizar a imagem do público, a exaltar as bondades do mercado
e a servir determinados interesses mais particulares.
Em termos curriculares o panorama foi idêntico. O fato de a
descentralização e a autonomia serem frequentemente invocadas como formas de
transferência/apropriação dos poderes de decisão curricular a concretizar pelos
agentes no terreno, a verdade é que, na prática, nunca corresponderam a uma
entrega aos professores e às escolas do processo de (re)construção do
currículo, nem englobaram uma alteração da matriz curricular vigente, servindo
tais discursos mais para fundamentar linhas de orientação política baseadas na
eficácia, qualidade, excelência dos resultados e prestação de contas (MORGADO;
FERREIRA, 2006). O binómio
curricular (ROLDÃO, 1999)7,
em torno do qual deveriam territorializar-se as políticas e as práticas de
decisão curricular, acabou por pender mais para o lado da administração
central, com o currículo nacional, de teor prescritivo e uniformizante, a
prevalecer sobre a construção de projetos curriculares pelas escolas, aqui
entendidos como meios de cada instituição escolar adequar e operacionalizar um core curriculum8 em função do contexto em que está
inserida e das necessidades e características dos alunos que a frequentam.
Chegados ao fim do século XX, o que se constata é que a escola,
idealizada inicialmente como um espaço nacional, foi tecendo ao nível das suas
práticas um modelo de gestão científica, ancorado nos princípios da eficiência
global (taylorismo) e nos pressupostos de uma teoria curricular de natureza
instrucional (racionalidadetyleriana) (PACHECO, 2003). Tal modelo, que
tem por base a disciplinarização do conhecimento e a abordagem sistêmica foi-se
perpetuando e mantendo até aos dias de hoje. A escola continua a funcionar num
regime de classes (BARROSO, 2001) e a manter uma estrutura curricular
organizada por disciplinas, isto é, um conhecimento compartimentado,
fragmentado e reduzido a fronteiras muito fechadas que em nada favorecem o
diálogo interdisciplinar (PACHECO, 2007), nem a assunção de uma postura
deliberativa por parte dos professores.
Em suma, a escola que, sob a égide da modernização e no âmbito do
movimento de descentralização que envolveu o último quartel do século XX, se
deveria libertar da tutela do Estado e assumir como um local privilegiado de
participação e decisão democrática dos agentes que nela laboram, acabou por
ficar refém de uma estratégia que poucas alterações propiciou e que acabaria
por dificultar sua reconfiguração como espaço de criatividade e inovação,
indispensável à mudança e à melhoria do serviço educativo que proporciona.
2.
Situação atual – que perspectivas?
Neste segmento, que intitulamos como "situação atual – que
perspectivas?", refletimos sobre as mudanças que os sistemas educativos e
as escolas vivem, sobretudo no período de transição para o século XXI,
nomeadamente no contexto educativo português, terminando com uma pequena reflexão
mais prospectiva sobre o cenário educativo e curricular nos tempos futuros mais
próximos.
Nos anos mais recentes, que marcam o fim do ciclo de políticas
educativas desenvolvidas a partir dos anos setenta, temos assistido, em
diversos países, à emergência de um movimento de reforma baseado em standards(standards-based
reform)9 que, na opinião de Antonio Bolívar
(2007, p. 24) tem assumido "o carácter de uma nova 'ortodoxia' da
mudança educativa". Tratase de uma situação preocupante, se tivermos em
conta que a definição de standards,
ao determinar os conteúdos que os professores devem trabalhar nas aulas e o que
os alunos devem aprender, escrutinando a
posteriori por via da
avaliação externa (avaliação do desempenho docente e exames nacionais) a
consecução, ou não, das finalidades preestabelecidas, se pode configurar [e tem
configurado] como uma forma de (re)centralizar os poderes de decisão educativa
e curricular e de pressionar politicamente as escolas e os agentes que nela
trabalham.
Não deixando de reconhecer, com Elmore (2000:4)10,
que a reforma baseada em
standards representa uma
"mudança fundamental na relação entre a política e a prática
docente", podendo até carrear alguns efeitos positivos11,
a verdade é que tal relação tem contribuído sobretudo para que os contextos de
ensino se configurem como "produtores de identidades técnicas", uma
vez que os professores têm sido mais avaliados e responsabilizados pelo lado
dos resultados dos alunos do que pelo seu lado mais pessoal ou pela gestão dos
processos de aprendizagem (PACHECO, 2007).
Também não deixa de ser preocupante que, em muitos países,
incluindo Portugal, as políticas educativas que norteiam as reformas, bem como
as pressões que delas emanam para "aumentar os resultados na prestação de
contas", se vinculem a uma "estratégia mercantil" de
fornecimento de créditos aos clientes para fundamentarem a escolha das escolas,
mediante a publicação de rankings escolares (BOLÍVAR, 2007, p. 25).
Assim se compreende que a esse movimento não seja alheio o fato de a
globalização, situada no lado da utilidade econômica, favorecer a emergência de
identidades ligadas a contextos de ensino mais marcados pelas questões técnicas
(gestão da sala de aula, conhecimento da disciplina, resultados dos testes dos
alunos) do que pelas questões de natureza pessoal, profissional, social e
emocional, concorrendo assim para a criação de uma escola uniforme e homogênea
em termos de aprendizagens, com conteúdos orientados para a qualificação de uma
mão de obra flexível às contingências da ordem mundial (PACHECO, 2007).
Mais uma vez, estamos em presença de um tipo de reformas que se
implementam sob o pretexto de aproximar os sistemas de decisão dos seus
principais beneficiários e de colmatar necessidades sentidas por estes, mas
que, na prática, acabam mais por responder a imperativos de natureza econômica
e de mercado do que a necessidades de índole educativa e social. Ora, não se
trata de deixar de ter em conta a importância da dimensão econômica em todos os
quadrantes da vida social, incluindo a educação. Aliás, como afirmam Andy
Hargreaves e Dean Fink (2007, p. 21), o desafio consiste em não "menosprezar
as práticas existentes no mundo dos negócios, mas, antes, em aprender com as
mais bem sucedidas". Só que, tal aprendizagem não pode deixar de ter em
atenção que "a educação pública" não deve ser tratada como "um
negócio temporário que procura produzir resultados rápidos e lucros
incessantes". Enquanto fator essencial para a construção, o
desenvolvimento e o progresso da humanidade, a educação deve ser entendida como
um processo que conduzirá à maior plenitude e igualdade entre os homens,
devendo, por isso, ser entendida como um dos maiores "empreendimentos de
longa duração de todos os tempos" (HARGREAVES; FINK, 2007, p. 21). Não ter
em atenção esses princípios é negar a sua própria existência como
empreendimento humano.
Além do mais, existem poucas evidências concretas de que a
avaliação do desempenho dos atores e a prestação de contas provoquem, por si
mesmas, a melhoria dos resultados educativos. Pelo contrário, tais propósitos
têm servido mais para, por meio do estabelecimento de rankings, alargar o fosso entre
as escolas que obtêm melhores e piores resultados. Além disso, quando essa
pressão deixa de existir, as escolas regridem rapidamente, tornando visível a
inoperância e a fragilidade de tais medidas.
É nessa ordem de ideias que Andy Hargreaves e Dean Fink (2007, p.
21) consideram que esse movimento de reforma educativa está a atingir os
limites da sustentabilidade, uma vez que "degenerou numa compulsão
obsessiva para com a estandardização" – os mesmos programas para todos,
uma única forma de os ensinar, uma solução de tamanho único generalizada – e na
"aposta numa competição feroz em ambiente de mercado", estando
prestes a entrar em colapso. Não deixando de reconhecer a bondade das ideias
que presidiram a implementação desse movimento, Hargreaves e Fink (2007, p. 23)
consideram que as reformas orientadas para a estandardização têm tido efeitos
devastadores – quer no seio da classe docente (sobrecarga de trabalho, excesso
de stress, perda
confiança, sensação de incompetência, resistência à mudança, erosão das
comunidades profissionais, recurso a estratégias dissimuladas e calculistas
para a obtenção de resultados), quer ao nível das próprias escolas
(desvalorização das escolas inovadoras, destruição da criatividade na sala de
aula, estreitamento do currículo, dificuldade em encontrar gestores), quer,
ainda, no seio dos próprios alunos (crise eminente de obtenção de diplomas,
alunos incapazes de atingir os padrões estabelecidos, conteúdos excessivos) –
que estão a provocar o esgotamento de recursos no campo educativo, motivo que
tem levado alguns governos a tentar encontrar formas mais prudentes e mais
engenhosas de mudança e melhoria educativa.
Em idêntica linha de pensamento, João Barroso (2006) assevera que,
sobretudo a partir de meados da década de 1990, a preponderância e a
visibilidade das políticas de índole neoliberal, que afinal acabaram por
dificultar a promoção do reforço da autonomia das escolas e a preservação do
serviço público de educação, começaram a evidenciar claros sinais de
debilidade. A falência de uma série de programas de "ajustamento
estrutural" no domínio educativo, a não-resolução dos problemas
resultantes do "disfuncionamento da burocracia e do centralismo
estatal" e a não-participação dos diferentes atores sociais no governo e
no controle das escolas (BARROSO, 2006, p. 35) terão sido alguns dos motivos
que estiveram na base da onda de críticas que, a partir de diversos setores, se
foram avolumando contra os "excessos de liberalismo" e os seus
principais "ideólogos". A essas críticas não é alheia a
reconfiguração, em diversas partes do globo, das relações entre economia e
política.
É nesse contexto que começam a desenharse algumas alternativas às
políticas dominantes, emergindo inúmeras vozes a favor da recuperação da
legitimidade e da autoridade do Estado e da diluição da dicotomia
Estado/mercado. Existem mesmo propostas de modos de regulação que
"defendem um equilíbrio e uma partilha entre a intervenção do Estado e do
mercado" (BARROSO, 2006, p. 41). É nesse sentido que Boyer (2001, p. 4950)12 se refere à necessidade de um modelo
emergente no início do século XXI, baseado numa "concepção de
desenvolvimento fundada na inovação institucional", afiançando que "o
sucesso do desenvolvimento" resulta mais da "complementaridade"
entre a lógica do Estado e a lógica do mercado do que da "afirmação de uma
delas".
Estamos convictos de que, a seu tempo, essas alternativas se
refletirão a nível educacional, permitindo, como advoga Meuret (2004, p. 15),
que a autonomia da escola seja uma realidade, conduza à eficácia e sirva de
suporte a mudanças pedagógicas a "ser utilizadas ao serviço das
aprendizagens dos próprios alunos".
3. Para um
outro arquétipo de escola
Tal como havíamos referido no início do texto, não podemos deixar
de sinalizar algumas medidas que consideramos necessárias para que a escola e,
em particular, os professores recuperem o protagonismo perdido, se assumam como
verdadeiros profissionais do ensino e contribuam para as tão almejadas mudanças
na educação. No fundo, um conjunto de pressupostos cuja concretização permitirá
um novo arquétipo de escola.
Em primeiro lugar, é preciso implementar um projeto político nacional que viabilize a promoção e a
defesa daescola pública, "enquanto garante da aquisição e
distribuição equitativa de um bem comum público", e assegurar modalidades
de intervenção e regulação que confiram ao Estado papel determinante nesse
processo e estimulem a sua "dimensão sociocomunitária" (BARROSO,
2006, p. 4244). Tal projeto permitirá não só garantir a universalidade do
acesso à educação e a igualdade de oportunidades, mas também estimular o
desenvolvimento pleno de todos os cidadãos, independentemente da sua origem ou
classe social.
Em segundo lugar, é necessário definir políticas educativas e
curriculares que, para além do reforçarem a autonomia das escolas, por meio da
concessão aos professores e demais agentes educativos de oportunidades de
participação e decisão curriculares, promovam mudanças educativas sustentadas e
sustentáveis – sustentadas porque resultam de uma planificação que, sem
descurar imperativos de espectro nacional ou internacional, não deixam de ter
em conta as características e necessidades de cada escola; sustentáveis no
sentido que lhe é conferido por Andy Hargreaves e Dean Fink (2007), isto é,
mudanças que perduram no espaço e no tempo, dispõem de condições e apoios,
incidem mais na aprendizagem do que no ensino ou na escola e potenciam
inovações em cada contexto específico.
Em terceiro lugar, é necessário adotar um novo conceito de
currículo, entendido simultaneamente como um amplo projeto social e um processo
deliberativo, apoiado em efetiva flexibilização e autonomia curriculares, por
oposição ao conceito de currículo que tem prevalecido nos sistemas de ensino,
um currículo espartilhado, delimitado por territórios disciplinares bem
vincados, em que o primado da sequencialidade determina e impõe o conhecimento
a ministrar ao aluno. Na verdade, tem vindo a perpetuar-se uma concepção
curricular que (sobre)valoriza os conhecimentos inscritos em áreas de saber
específicas e uma organização curricular que gera uma "visão do
conhecimento como sagrado e misterioso (e a consequente visão do aluno como
ignorante, como carente de socialização na ordem existente)", funcionando
o currículo como instrumento
de controle dos sujeitos nele
implicados (MOREIRA, 2003, p. 63), em detrimento de outra em que o currículo se
assuma como construção coletiva, espaço integrador e diferencial, processo que
não ignora a existência de uma realidade que se constrói na diversidade
(MORGADO, 1999).
Além disso, tem-se verificado mais recentemente certa tendência
para enclausurar a escola pública num modelo de prestação de contas, em que
alunos e pais são vistos como "decisores-consumidores", relegando os
professores para domínios de decisão subjugados ao permanente controle pelos
conteúdos e pela avaliação (PACHECO, 2002, p. 145). Tal tendência tem
contribuído para consubstanciar uma concepção mais técnica de currículo,
idealizado como um conjunto de objetivos e de conteúdos previamente definidos
que a escola deve concretizar. Só será possível inverter esse processo se, como
afirma Boaventura Santos (1999, p. 199), o currículo se configurar como instrumento
flexível e integrador e se valorizar a existência de currículos informais, o que
permitirá que a escola se transforme num espaço privilegiado de "encontro
de saberes" – onde, sem deixar de se valorizar o saber científico que aí
se produz e transmite, se (re)valorizam também os saberes não-científicos –,
isto é, uma escola "a várias vozes".
Em quarto lugar, é preciso "desalienar o trabalho escolar",
o que só é possível se o aluno se sentir como sujeito no processo de
ensino-aprendizagem, implicando-o numa perspectiva de produção de saber, e a
escola se configurar como um espaço "onde se desenvolva e estimule o gosto
pelo acto intelectual de aprender" (CANÁRIO, 2005, p. 87). Tal propósito
requer que se comece a "pensar a escola a partir do não escolar",
isto é, a partir das práticas educativas e das aprendizagens significativas que
se realizam no seu exterior e se configuram como "portadoras de
futuro" (CANÁRIO, 2005, p. 88). Como facilmente se depreende, trata-se de
uma mudança que implica passar de um paradigma educativo que se centra no
ensino e na figura do professor para um paradigma que se desenvolve em torno da
aprendizagem e faz dos alunos os principais protagonistas.
Em quinto lugar, torna-se imprescindível revalorizar, em termos
públicos, a profissão docente, um processo que tem de desabrochar no interior
da própria classe. É por demais evidente a existência de certa imagem negativa
sobre as escolas e os professores, um fato de que não estão isentos de culpas
nem os professores, nem o próprio poder político. Uma das dificuldades que mais
têm condicionado o trabalho dos professores e concorrido para fragilizar o seu
papel como gestores curriculares resulta de algumas expectativas [nalguns
casos, desconfiança] que criaram em relação às propostas do Ministério da
Educação. Não deixando de reconhecer que a profissão docente se encontra,
atualmente, num intenso "processo de redefinição e de diversificação das
suas funções no seio das escolas", o que determina que os professores
sejam "chamados a desempenhar um conjunto alargado de papéis, numa
dinâmica de (re)invenção da profissão de professor" (NÓVOA, 1992, p. 36),
a verdade é que existe um conjunto de imposições administrativas com que os
docentes e as escolas se têm deparado – constituição dos agrupamentos de
escolas e dos departamentos curriculares, diferenciação da carreira docente,
novo modelo de avaliação do desempenho – e que, em vez de os galvanizarem para
a mudança, têm gerado alguma descrença no discurso político, provocado
instabilidade e desinteresse e gerado algumas resistências no interior das
escolas.
Em sexto lugar, é preciso apostar numa outra formação de
professores, uma vez que, em muitos casos, continuam a predominar modelos
teóricos baseados numa racionalidade tecnológica e a enaltecer-se a importância
das teorias científicas para produzir normas de atuação prática. Por outro
lado, é necessário que os professores se desfaçam das posturas individualistas
que têm caracterizado o seu dia a dia profissional, passem a trabalhar em equipe
e reflitam conjuntamente sobre o
que fazem, como fazem e por que é que o fazem. Como sustenta Antonio
Bolívar (2007, p. 20), a mudança dirime-se "no que os sujeitos sejam
capazes de pensar e fazer com ela", o que comprova que a mudança deve ser
idealizada pelos próprios professores e não para os professores. Aliás, quando
a mudança é promovida de um modo gerencialista é efêmera e ineficaz.
Só que, para os professores conseguirem trabalhar numa lógica de
colegialidade e de projeto é preciso romper com certa "liturgia formativa
tradicional", que insiste em formar profissionais mais para o terreno da
execução do que da decisão. Os desafios que hoje se colocam a nível curricular
carecem de professores com capacidades de iniciativa e de decisão, não só em
termos de gestão curricular, mas também no domínio da concepção e da realização
de projetos, do recurso a metodologias inovadoras e a estilos de ensino que
lhes permitam adaptar os processos de ensinoaprendizagem às características,
aos interesses, às motivações e aos ritmos de aprendizagem dos alunos com que
trabalham.
Por último, a mudança das práticas curriculares docentes. Qualquer
reforma que descure esse aspecto estará condenada ao fracasso. O papel que os
professores desempenham é crucial para mudar/melhorar as instituições de ensino
e, por consequência, o próprio fenômeno educativo. Nesse sentido, torna-se
necessário compreender que a sua atividade profissional não pode restringir-se
apenas às funções que lhe estão consignadas legalmente, uma vez que o profissionalismo
docente resulta em grande parte de tarefas que se inscrevem para além dos
conteúdos funcionais prescritos, corporizando o que Organ (1988, p. 4) denomina
por "comportamentos de cidadania organizacional", para identificar um
conjunto de "comportamentos discricionários, indirecta ou explicitamente
reconhecidos pelo sistema de recompensa formal e que, em conjunto, promovem o
funcionamento eficaz da organização". Em suma, é necessário que os
professores consigam ir mais além do que aquilo que lhes é prescrito,
assumindo-se como profissionais autônomos que tomam decisões em prol do
conjunto concreto de alunos com que trabalham.
Conclusão
Em jeito de balanço final, e tendo em conta algumas das ideias que
vimos escalpelizando, importa sinalizar alguns aspectos que, em simultâneo,
constituem o ponto de chegada deste texto e um ponto de partida para novas
reflexões.
Desde logo, a importância que a educação continua a assumir numa
sociedade que evolui e se transmuta rapidamente e nos compele a aprender de
forma contínua, ao longo da vida. A afirmação de novos paradigmas políticos,
econômicos, sociais e culturais, sobretudo nas últimas décadas do século
passado, contribuiu para reconfigurar as exigências e as prioridades educativas
e, ao mesmo tempo, para fazer da educação um dos eixos estruturantes dos tempos
e ciclos da peregrinação
humana (CARNEIRO, 2003). Os
sistemas educativos atuais, mais libertos da pressão da quantidade,
progressivamente atenuada pelo acesso alargado das populações aos benefícios da
educação, veem-se agora incumbidos de ganhar os desafios da qualidade, da
diversidade e da diferenciação, para combater assimetrias sociais e culturais,
satisfazer necessidades básicas de escolarização e fazer da educação esteio de
equidade, de justiça, de solidariedade e de coesão social.
Tais propósitos exigem uma transformação profunda da escola. Uma
transformação que permita que a escola, mais do que um objeto de pedagogia cívica, se assuma como entidade geradora de
civismo e de capital social em seu redor (CARNEIRO, 2003). Todavia, a
construção de uma entidade com tais características é um processo complexo que
depende de inúmeras variáveis estruturais, funcionais e situacionais, cuja
ausência inviabilizará qualquer tentativa de mudança. Além disso, por mais
garantias que possam ser acauteladas, a transformação da escola só será
realidade se resultar da mudança das práticas curriculares dos professores que
nela laboram, o que requer a modificação do seu pensamento, o aumento da sua
motivação e do seu empenho e, sobretudo, a melhoria das suas competências
profissionais.
Finalmente, a necessidade da educação se assumir como um desígnio
nacional. Primeiro por não ser justo continuar a assacar à escola certas
responsabilidades que incumbem à própria sociedade. Depois porque pensar a
educação é pensar a sociedade no seu todo, isto é, no seu patrimônio cultural,
nos seus valores, nas suas ambições e nas suas utopias. Só assim a escola
poderá converter-se num espaço de participação social e num local de vivência
democrática.
Notas
1 CANÁRIO (2005), FERRER (2002a; 2002b),
ENGUITA (2007), BARROSO (2001), entre outros.
2 Mariano Enguita (2005, p. 2627)
considera a existência de três tipos de mudanças, mais ou menos coincidentes
com três épocas distintas na história da humanidade, que identifica da seguinte
forma: mudança suprageracional,mudança
intergeracional e mudança intrageracional.
3 A teoria
do capital humano desenvolveu-se
a partir dos trabalhos de vários economistas, com destaque para os de Theodore
Schultz (1961) e Gary Becker (1964). À luz dessa teoria, "o processo de
aprendizagem de técnicas, capacidades e conhecimentos através da educação devia
ser considerado não como uma mera forma de consumo, mas como um investimento
produtivo" (FERNANDES, 1991, p. 49).
4 A teoria
funcional e modernista foi
desenvolvida por vários sociólogos, dos quais se destacam os trabalhos de Alex
Inkeles e David Smith (1974). Na perspectiva dessa teoria, "a moderna
sociedade industrial, quando se compara com a sociedade tradicional, é vista em
termos da sua especializada e cada vez mais elaborada divisão do trabalho, a
qual requer a participação de cidadãos devidamente qualificados e
socializados" (PAPAGIANNIS, 1992, p. 4647). Daí a importância consignada
às tecnologias e à inovação como forças propulsoras da capacidade econômica e
social dos cidadãos e, por consequência, imprescindíveis para "elevar o
grau de desenvolvimento da sociedade" (PAPAGIANNIS, 1992, p. 4647).
5 O aumento do preço do petróleo
provocou uma enorme subida de preços, vendo-se muitos Estados forçados a
abdicar de certas políticas sociais que vinham implementando e a reduzir fortemente
os gastos em determinados setores. Curiosamente, vive-se hoje em Portugal (e no
mundo) uma situação em tudo idêntica àquela.
6 Citado por Canário (2005, p. 85).
7 O conceito de binómio curricular, proposto
por Maria do Céu Roldão (1999, p. 33), é idealizado como uma fórmula capaz de
contribuir para pensar o currículo de modo a conseguir que a escola garanta
"uma qualidade educativa satisfatória" a todos os alunos, respondendo
assim aos imperativos democráticos que sobre ela impendem. Nessa ordem de
ideias, considera que o currículo deve ser pensado e concretizado por meio de
um binômio que abarca, num dos termos, o core
curriculum e, no outro,
"a concretização que cada escola faz dessecore curriculum,
concebendo-o como um projecto
curricular".
8 Convém referir que o conceito de core curriculum, definido como
o conjunto de "aprendizagens essenciais comuns", socialmente
reconhecidas como "competência(s) indispensável(is)" que qualquer
aluno deve adquirir na escola (ROLDÃO, 1999, p. 33), não é coincidente com o
conceito de currículo nacional, uma vez que este se configura com um
empreendimento de maior abrangência que inclui aquele.
9 Andy Hargreaves e Dean Fink (2007, p.
21) designam este movimento como "movimento da reforma educativa e dos
padrões de desempenho [standards]", esclarecendo que o conceito de
padrão é importante e construtivo, que "exprime a noção de que a
aprendizagem tem prioridade sobre o ensino e que deveríamos ser capazes de
saber e de demonstrar quando é que essa aprendizagem ocorre
efectivamente".
10 Citado por Bolívar (2006, p. 24.)
11 O fato de se determinarem metas ou standards a atingir pelos alunos não nos
parece negativo, nem mesmo que colida com os propósitos mais amplos de uma educação democrática ou de garantir o direito de todos
a uma educação básica de qualidade. O problema é quando esses standards se transformam em fator de
selecção das escol(h)as, relegando para segundo plano as escolas (ou os
indivíduos) que não conseguem concretizálos.
12 Citado por Barroso (2006, p. 38).
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