O texto abaixo é o meu artigo para a edição de Outono (europeu) da Revista Portuguesa A Página da Educação. Aí está, Leont Etiel. Solicitação atendida.
Wlater Benjamin: enigmática e melancólica penumbra
Ivonaldo Leite
As
faces do ocaso, por vezes, se disfarçam na simulação de um esboço de alegria
simbolizada por um instante de sorriso triste. Reação compreensível perante
determinadas intermitências de um mundo que exala desalento, que se esconde, e
se recusa a deixar-se entender. Em última instância, parece ele querer repisar a máxima
do filósofo franco-romeno Emil Cioran segundo a qual “o limite de cada dor é
uma dor maior”.
Do
deambular pelo terreno cioraneano, recolhe-se da pena do seu tradutor Thomaz
Brum uma asserção com significação ontológica para o tempo presente: “só uma
geração desiludida poderia se entusiasmar por uma visão tão negativa da
história. É preciso reconhecer que a vida não resiste a uma interrogação séria
e que é difícil, e mesmo impossível, atribuir sentido ao que visivelmente não
tem sentido”. Como estrutura da relação do sujeito com ele próprio e com o
mundo, o tempo é uma instituição no plano da sensibilidade que, todavia, não é
guiado por uma teleologia absoluta para pintar “paisagens sensíveis”. Nos cumes
do desespero, o abrigo na metafísica, vamos lá, é sempre uma alternativa. Mas
que não sejam alimentadas grandes ilusões. As máscaras sobre as máscaras sempre
têm um fim, que desconcertam até mesmo quem aposta as suas fichas numa opção
apofática. Pode-se, é certo, como meio de reflexão imanente, buscar
contentamento numa ancoragem mítica - seguindo uma certa trilha gnóstica de
revolta contra um demiurgo supra-histórico -, mas parece evidente que isto não
anula a possibilidade de o castelo da estância metafísica acolher, na
totalidade das suas dependências, sombras que põem em movimento a incerteza e a
angústia.
Quanto desalento, desilusão e sofrimento na contemporaneidade! A era da reprodutibilidade técnica, digamos, invocando o testemunho
de Benjamin, não parece apenas ter submetido a obra de arte à existência serial, mas, ao que tudo
indica, ampliou a serialidade à praticamente todas as esferas da vida, e, mais
do que isto, tende a seriar o fútil, banalizar a desventura e desvirtuar a pólis. A insegurança ontológica de
cidadãos de diversos países europeus, face a um sistema que – para assegurar a
sua reprodução – os reduzem a incômodas estatísticas econômicas; a geopolítica
da morte entre Ásia e África; o destruidor “Minotauro” do agrobusiness avançando com toda a força sobre a Amazônia; a
ansiedade e a amargura de vidas individuais, etc. são exemplos das melancólicas
paisagens dos dias que estamos a viver. Les
fleurs du mal. Sim, seja como for, mutatis
mutandis, uma fresta faz clarear a lembrança do Baudelaire das Flores do Mal. “O imenso e frio
cemitério sem limite/onde repousa, à luz de um sol pálido/quando povo existiu”.
Uma
vez mais aludindo a seara benjaminiana, é de se trazer a lume a alegoria, em
tom escatológico, adornada a partir do quadro Angelus Novus, o Anjo da História. A tempestade do progresso
impelindo-o para o futuro enquanto um amontoado de escombros cresce até ao céu.
Da dialética do esclarecimento frankfurtiana, recolhemos que esse Anjo, que
expulsou os seres humanos do paraíso em direção ao progresso técnico, é ele
próprio, com a espada em chamas, a imagem desse progresso.
A
trágica mensagem de Angelus Novus bem
pode chamar a atenção do tempo presente para o fato do que significa a existência
individual e coletiva se encontrar submetida às - não poucas vezes dilacerantes
- trilhas das ruínas históricas. A tempestade dos acontecimentos que sopra em
todas as direções. A vida não é um fenômeno que escoa de modo unidimensional –
mesmo que se busque o essencialismo no castelo da estância metafísica. Parece
que, na penumbra do tempo presente, ao se falar de “sentido da vida”, desse
entendimento ter-se-á que partir. Porque, se a vida for limitada a um objetivo
único ou inexaurível, o viver passa a ser a negação do sentido da vida.
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