quinta-feira, 12 de julho de 2012

Alfabetização na idade errada

Quanto vemos, os crescentes casos de functional literacy ("analfabetismo funcional"), é de, pelo menos, se prestar atenção em argumentos como os do artigo abaixo - publicado na edição de hoje (12/07/2012) do Jornal Folha de São Paulo (versão para assinantes). 


Por João Batista Araújo e Oliveira (Doutor em Educação, Presidente do Instituto Alfa e Beto) 


Quem tem filho em escola particular sabe que a idade certa para alfabetizar é aos seis anos. Por que o MEC propõe que isso possa ocorrer aos oito anos na escola pública?
Há vários critérios para balizar uma resposta: a experiência nacional, a experiência internacional e a evidência científica.
No Brasil, escolas privadas e centenas de escolas públicas alfabetizam aos seis anos -antes no terceiro período da pré-escola, agora no primeiro ano do ensino fundamental. No plano internacional, todos os países com o sistema alfabético de escrita alfabetizam seus alunos no primeiro ano da escola formal.
Há duas exceções. Os de língua inglesa, que levam mais tempo (três anos) pela quantidade de fonemas e pela complexidade do seu código ortográfico, e os de língua francesa, que ensinam a ler no primeiro ano, mas muitas crianças ainda apresentam dificuldades no processamento ortográfico até o fim do segundo -uma palavra com o som "ô" pode se escrever o, ô, ot, au, eau, eaux...
O sistema de escrita da língua portuguesa tem complexidade média, pode ser aprendido em quase sua totalidade ao final de um ano.
E a evidência científica: a ciência cognitiva da leitura -ignorada pelas faculdades de educação e pelas autoridades educacionais, mas reconhecida como paradigma científico da área- tem suas respostas.
A Academia Brasileira de Ciências publicou um relatório sobre o tema em 2011, que valeria ser lido e levado a sério. Mas essas evidências não são levadas em conta no Brasil. É mais cômodo bater claque para tudo que vem do Planalto ou que agrada a certos ouvidos.
Por que empacamos no assunto? Porque as autoridades colocaram a raposa para cuidar do galinheiro.
Bastam poucos exemplos para ilustrar como estamos amassando barro em discussões fúteis e políticas equivocadas, que seriam superadas se a ideologia e o corporativismo cedessem lugar ao diálogo e ao debate embasado em evidências.
É bom que as autoridades políticas falem em alfabetização na idade certa. Pelo menos começam a falar do problema, depois de ter torrado bilhões em programas ineficazes de alfabetização de adultos.
Mas o gigante desperta de mau humor e se levanta com o pé esquerdo. O programa não define o que seja alfabetização e erra na idade em que se deve alfabetizar. Trata-se de inaceitável hipocrisia, pois só é aplicável aos alunos da rede pública e não aos filhos e netos dos que advogam essas políticas.
Inventam-se termos melífluos e indefinidos como "letramento" para confundir as mentes e sugerir que a aprendizagem do código alfabético é algo de segunda classe, que sequer merece ser tratado pelo próprio nome. A tal Provinha Brasil é um testemunho vivo dessa visão equivocada do que seja alfabetizar e da confusão reinante no país entre leitura e compreensão.
A inexistência de um programa de ensino onde as competências da alfabetização sejam bem definidas é o atestado da renúncia oficial em enfrentar os problemas de frente.
Até o termo "cartilha", adotado em todas as áreas pelos que desejam iniciar alguém em algum assunto, é tido como anacronismo pelos patrulho-pedagogos de plantão.
No Brasil, a pedagogia da alfabetização ficou paralisada desde a década de 1970. Jogamos fora o bebê e a água do banho. Paramos de formar professores alfabetizadores, paramos de alfabetizar as crianças, tudo em nome de uma ideologia que afirma que o aluno é um Champollion diante da pedra de Roseta, capaz de descobrir por si mesmo o código alfabético.
Tornamo-nos prisioneiros de ideias requentadas de autores há muito falecidos e que só fazem sucesso nos trópicos.
A paralisia intelectual de nossos ideo-pedagogos e a opção preferencial do MEC pelo corporativismo nos trazem vultosos prejuízos.
Para avançar em educação, o Brasil precisa romper o círculo vicioso de consultar sempre as mesmas pessoas e grupos escolhidos por critérios ideológicos, sem compromisso com evidências e resultados.
O país deve ouvir o que a ciência tem a dizer sobre o que é alfabetizar, como alfabetizar, quando alfabetizar e como saber se o aluno sabe ler e escrever. Até lá, vamos continuar a sacrificar os alunos da escola pública no altar das ideologias.

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