Por Ivonaldo
Leite
Se a
aparência e a essência dos fenômenos fossem a mesma coisa, a ciência seria
desnecessária.
Karl Marx
Introdução
O
presente ensaio, inspirando pelas ferramentas analíticas proporcionadas por um
enfoque que compreende o mundo social como concreto
pensado, situa-se nas fronteiras de três domínios científicos: a história
social, a história econômica e a sociologia do desenvolvimento, tendo como
foco de abordagem o continente latino-americano. Pretende-se, de forma
retrospectiva, passar em revista o debate sobre desenvolvimento na região,
entendendo-se que isso é uma condição sine
qua non para, contemporaneamente, à luz do passado, se aclarar um quadro onde
efetivas transformações possam ser levadas a cabo, sobretudo, numa altura, como
a presente, em que, num zigue-zague sem critérios, “trombetas neodesenvolvimentistas”
são sopradas do Brasil.
Qualquer
iniciativa que, hoje, na América Latina, queira discutir a questão do desenvolvimento,
não pode deixar de ter conta em conta o denso patrimônio intelectual que, sobre
o tema, já se acumulou na região. Refiro-me, obviamente, à diversidade de
formulações que uma variedade de cientistas sociais latino-americanos, com
rigor e tino analíticos, esboçaram há já algum tempo.
A fecundidade das discussões, contudo, como
era de se esperar, não significava a inexistência de divergências (extremas,
por vezes) entre aqueles. Mas a articulação conceptual, na forma como elas eram
construídas, davam-lhes uma imponência teórica que as credenciavam ao debate.
Foi neste contexto que, numa classificação sintética – mas não reducionista -, cepalianos,
exogenistas, dependentistas e endogenistas abordaram a problemática do
desenvolvimento na América Latina.
O background
cepaliano
Se
existem alguns consensos nas clássicas discussões sobre desenvolvimento no
continente latino-americano, um deles parece ser o de que o background da CEPAL foi uma espécie de
ponto de partida para o debate. Foi a partir da focagem cepaliana que outras
formulações vieram a lume. A referência temporal do seu surgimento situa-se,
fundamentalmente, nos anos 1950, opondo-se à teoria neoclássica das relações
internacionais. A análise cepaliana desenvolve uma “abordagem estruturalista”
do sistema econômico mundial, com a sua argumentação nuclear partindo das
relações entre o centro e a periferia, para explicar a origem e a reprodução do
subdesenvolvimento[1].
Posto
isto, podemos dizer que a argumentação da CEPAL apoia-se em dois conjuntos de
argumentos[2]. O primeiro centra-se nos
obstáculos externos ao desenvolvimento e o segundo, nos obstáculos internos.
Tenhamos cada um em apreço.
Os
primeiros obstáculos são apresentados como relacionando-se a uma tendência ao
desequilíbrio externo com o processo de industrialização substitutiva das
importações. Este processo poria em movimento um mecanismo circular, através do
qual toda nova etapa de substituição implicaria um aumento das necessidades de
novas importações que seria superior ao crescimento, tanto absoluto quanto
relativo, da capacidade de importação, o que lavaria, ao fim e ao cabo, a um
dispêndio de divisas superior à economia realizada. Neste quadro, o agravamento
do déficit externo reincentivaria o movimento de substituição.
A
gênese desse processo radica-se no que se convencionou chamar de etapa de
substituição fácil, marcada pela produção local de uma série crescente de bens
de consumo leves, até então importados. Os bens de consumo duráveis, os bens
intermédios e os bens de capital tendem dessa forma a pesar mais fortemente na
estrutura das importações, até ao ponto em que o prosseguimento da
industrialização exige a ampliação do movimento substitutivo a outras
categorias de bens.
Daí, começa então uma nova fase, na qual se operacionaliza
uma modificação da estrutura produtiva local, abarcando um nível importante de
diversificação e de integração vertical. Contudo, o cenário repete-se: as
mesmas causas profundas do desequilíbrio externo não deixam de atuar durante
essa fase. Mais ainda. Agora, elas são agravadas pela defasagem entre o momento
em que é tomada a decisão de instalar as indústrias pesadas no país e o momento
em que se inicia a efetiva produção de seus bens.
Sendo
assim, vem a ser, em última instância, conforme o entendimento cepaliano, a
posição dos países latino-americanos na economia mundial que explica a razão de
a industrialização substitutiva chocar-se com uma rigidez da estrutura das
importações, bem como com uma dificuldade maior de proceder a novas
substituições. Pode referir-se nomeadamente como limitação da posição de tais
países a defasagem de suas bases técnicas e de seus níveis de produtividade e
de renda em relação ao centro.
Desse quadro, a CEPAL tira a ilação
segundo a qual é praticamente impossível que o processo de industrialização se
dê da base para o vértice da pirâmide produtiva, ou seja, partindo dos bens de
consumo elaborados e evoluindo paulatinamente até chegar aos bens de capital.
Foi dessa forma que, numa figuração que é sugestiva da orientação subjacente
ao background cepaliano, se afirmou que era necessário construir o edifício simultaneamente em
vários andares, mudando tão-somente o grau de concentração em cada um deles de
período para período[3].
Quanto
aos segundos obstáculos ao desenvolvimento, como já adiantamos, são de natureza
interna. Isto é, por um lado, entende-se que a estrutura da propriedade agrária
– advinda do período colonial e distintivamente marcada pela oposição
latifúndio/minifúndio – seria responsável por uma considerável subutilização
das terras, donde se explicava substancialmente a causa dos fracos níveis da
produtividade agrícola. Ao se introduzir técnicas modernas, especificamente nas
culturas de exportação, ter-se-ia como consequência a geração de uma ampla
fracção de mão de obra excedentária, ponto este de impulso para um duplo efeito
interligado: debilitação dos salários e concentração de renda. Por outra parte,
a inadequação tecnológica do setor industrial seria um fator responsável pela
fraca criação de empregos, induzindo não só a sua “ausência conjuntural”, mas
impelindo mesmo a tendência ao desemprego estrutural.
Da
conjunção entre a estrutura da propriedade agrária e o tipo de tecnologia
introduzida no setor industrial, resultaria uma profunda concentração das
rendas que, favorecendo um determinado tipo de consumo entre os grupos situados
no cimo pirâmide social, reforçaria a orientação no sentido da industrialização
como forma de substituir a importação de bens de consumo duráveis de alto valor
unitário. Entretanto, disso decorreria um “estreitamento” da dimensão do
mercado interno, levando a uma subutilização das capacidades produtivas
instaladas, cujo rebatimento intersetorial traduzir-se-ia no crescimento dos
desequilíbrios entre as suas esferas.
O background cepaliano – nomeadamente a sua tese em torno
dos obstáculos estruturais ao desenvolvimento derivados da inserção periférica
dos países latino-americanos na economia mundial – tem, como bem se sabe,
imediatas implicações políticas. E elas se manifestam, especificamente, na
forma como é feita a defesa da industrialização.
A
promoção da industrialização é compreendida como uma espécie de via única para
aumentar os níveis de produtividade dos países, tendo-se como suposição que a
mesma é capaz de proporcionar uma distribuição internacional mais equitativa
das vantagens a que o progresso técnico conduziu as sociedades.
Consequentemente, as proposições da CEPAL opõem-se à lógica tradicional
subjacente à abordagem da divisão internacional do trabalho, na medida em que
esta tem como referência de orientação o laissez-faire,
laissez-passer.
O
que se objetiva, portanto, é uma dupla modificação: de uma parte, das estruturas internas dos países, através,
por exemplo, da reforma agrária e do impulso à industrialização; e de outra,
das estruturas externas, mediante o
incentivo ao desenvolvimento do comércio inter-regional e a adoção de medidas
protecionistas perante os países centrais. O desdobramento conclusivo desse
programa é evidente. Com suas
proposições organizadas globalmente em volta das questões da redistribuição
social da renda e do desenvolvimento autônomo da Nação, a conclusão que se
segue é que se deve proceder a uma reforma administrativa do aparelho estatal
herdado do período anterior, com o fito de se instituir um Estado-planificador moderno, que estaria acima das contradições
sociais. E há mais. Supõe-se também que as contradições sociais deverão
desaparecer no decurso do desenvolvimento a ser alcançado e que tal Estado se
encontra adaptado a uma plataforma de desenvolvimento que responderia, diante
das exigências globais, às necessidades de acumulação de um modo eficaz.
Embora o
background cepaliano represente um avanço, em relação à
mão invisível do laissez-faire,
laissez-passer, advogada pela abordagem tradicional da divisão
internacional do trabalho, ele tem certamente aspectos problemáticos. Neste
sentido, não podemos estar senão de acordo com Gilberto Mathias e Pierre Salama
nas observações críticas que eles lhe fizeram, as quais, fundindo-as com a
nossa focagem, podem ser apresentadas conforme o que se segue.
Limpemos
o “terreno”. Basicamente, podem ser feitas duas observações críticas ao background cepaliano: a primeira
relaciona-se à sua ideia de Nação e a segunda, diz respeito à concepção de
Estado que lhe é própria. Conheçamos a razão de ser de tais críticas.
No
primeiro caso, a Nação é concebida como o espaço potencial de um processo de
desenvolvimento autônomo com capacidade, parece que ilimitada, de superar os
entraves decorrentes da estrutura desigual do comércio mundial e com
propriedade para instaurar um projeto de desenvolvimento autocentrado. E nesse
particular, talvez exista um paradoxal encontro entre as elaborações da CEPAL e
o enfoque neoclássico das trocas internacionais. Expliquemo-nos
analiticamente.
Retenhamos
que o enfoque neoclássico capta as Nações como entidades justapostas, isto é,
de qualquer modo, como receptáculos dos fatores de produção que mantêm relações
tão-só externas entre si, mediante o fluxo das mercadorias que cruzam
(supõe-se) reciprocamente as suas fronteiras. Agora, lembremos o que é
preconizado pela CEPAL. Ela coloca a plena constituição da Nação nos países
periféricos como uma entidade autônoma no plano mundial. Quer dizer, as duas
correntes encontram-se, na medida em que possuem em comum o fato de construírem
os seus arcabouços teóricos tendo como referência uma determinada idéia de
Nação. Contudo, trata-se de um encontro paradoxal, visto que enquanto uma se
empenha em demonstrar as vantagens da divisão internacional do trabalho entre
as nações, a outra insiste em realçar as defasagens engendradas pela estrutura
desigual das relações internacionais.
Dessa
forma, da análise desenvolvida pela CEPAL sobre a Nação, decorrem três
limitações teóricas. A primeira reside em se priorizar as relações Nação/Nação
na explicação da dinâmica da acumulação capitalista, visto que se centra nos
mecanismos pelos quais o centro explora a periferia, descurando as relações
contraditórias que as classes e os grupos sociais mantêm entre si. Isto motiva
uma restrição inevitável: perde-se a possibilidade de se compreender a
reprodução interna própria, nos países periféricos, das relações capitalistas[4]
A
segunda tem a ver com a forma como ela concebe a economia mundial. No limite,
esta é entendida como um ajuntamento de nações que se “comunicariam” por um
único canal: o mercado. Mas eis a complicação: a unidade específica daquela,
que a formata como uma totalidade produtiva – com suas próprias estruturas -, e
o seu funcionamento não são apreendidos de modo que o seu corpus
seja captado a partir da decomposição dos aspectos que o constituem. De outra
parte, não se pode negar que o enfoque cepaliano representa um passo adiante,
se comparado com o das teorias do subdesenvolvimento, na medida em que, ao
contrário deste, não reduz o seu objeto de estudo às particularidades dos
países subdesenvolvidos - a exemplo do baixo nível de poupança e do
comportamento dos empresários. De saída, a CEPAL põe logo em questão a
funcionalidade da economia mundial, todavia, centrando-se fundamentalmente no
nível da circulação de mercadorias, ela impele a sua abordagem a não captar a
totalidade desta.
. A terceira limitação diz respeito à relação
que é estabelecida com a utilização do balanço de pagamentos como forma de se
analisar as relações econômicas internacionais. Como sabemos, o balanço de
pagamentos é concebido sob a teoria ortodoxa do comércio internacional, tomando
em consideração exclusivamente a movimentação global de mercadorias e de
capitais, sem se dar ao trabalho, entretanto, de definir a origem das empresas instaladas
– se nacionais ou forâneas. Também não leva em conta as interconexões, para
além das fronteiras nacionais, entre os mais variados grupos econômicos. Ora,
chega a ser até cansativo sublinhar, estes fatores são decisivos para que se
revelem as formas de relações internas, além do que se deve ter presente, nas
contabilidades nacionais, o registro
ascendentemente formal no qual se inscrevem as relações econômicas entre
os Estados-nação.
Apesar
de, conforme realçamos, o enfoque cepaliano representar uma passo à frente no
debate sobre desenvolvimento, tais limitações têm um considerável efeito
debilitador sobre o seu background.
Debilitação que se acentua ainda mais quando temos em apreço a segunda
observação crítica que atrás referimos. Saibamos porquê.
Ela,
como já adiantamos, concerne à concepção de Estado com a qual a CEPAL opera.
Encontramos nos seus escritos elementos que, nutrindo a sua pressuposição
tecnoburocrática, “passa por cima” dos condicionamentos decorrentes das
relações entre classes e grupos sociais, em apoio ao estabelecimento de uma
focagem entre nações, sendo estas, de outra parte, assimiladas como entes
autônomos que se relacionam, no mercado, de uma maneira exclusivamente externa.
A despeito das justificações e da boa vontade dos cepalianos, analiticamente
um tour
de force teria de revelar as coisas como elas realmente são. O resultado
não poderia ser outro. O Estado é compreendido como uma máquina administrativa socialmente neutra
e tecnicamente racional.
Todavia,
não ter suficientemente em conta a heterogeneidade social dos países,
“cancelando” os interesses divergentes dos atores coletivos internos, é uma
condição sine qua non para que a CEPAL formule a sua
concepção de Estado, atribuindo-lhe o papel que ele deve desempenhar com afinco:
planejar, como uma estrutura técnica neutra, o desenvolvimento. O problema é
que, com esse cancelamento sendo levado ao extremo, não se pode entender, de
fato, as causas de determinadas iniciativas estatais, em decorrência do
comportamento dos aludidos atores, degringolarem, pois, se os mesmos não têm
interesses divergentes, implicitamente supõe-se que todos estão de acordo e
comprometidos com a objetivação delimitada. Logo, se esta não é alcançada, se
há dificuldade nesse sentido, a única explicação a ser invocada é de natureza
técnica. No entanto, as coisas não são bem assim. A realidade é bem mais
complexa. Como ilustração empírica disso, pode referir-se, por exemplo, que a
falência do velho arcabouço pensado em torno da SUDENE, em função do
desenvolvimento do Nordeste, não parece ser algo eminentemente de natureza
técnica. Aliás, talvez fosse proveitoso ao, agora, “neodesenvolvimentismo”
brasileiro dedicar uma atenção acrescida a este fato.
De
resto, há uma estreita conexão, no background cepaliano, entre uma concepção da economia
mundial como um ajuntamento de nações - que as vinculam através do mecanismo da
troca desigual – e a representação ideológica dos Estados como entidades
soberanas justapostas umas às outras no
plano internacional. Se assim é, as relações entre os Estados-nação não podem
ocorrer senão mediante contactos exclusivamente externos entre países independentes, perdendo-se de vista o
complexo processo de interpenetração que existe entre ambos, onde o relacionamento
que põe em movimento a totalidade dinâmica que os interpenetra é permeado por
condicionantes que se estruturam a partir das bases materiais de poder que
constituem hierarquia da Ordem Internacional.
Em
retrospecto, podemos dizer que, apesar dos avanços que lhe são próprios, como
salientamos, o background cepaliano é perpassado por incongruências que o
debilitam. E como, quando a formulação teórica é descoincidente com as
manifestações da realidade, a tendência é que ela solape, não foi por acaso que
o dito projeto de desenvolvimento nacional independente naufragou. A prova
empírica: este colapso foi um processo que se deu através de crises totais,
semelhantes as que varreram os regimes populistas no Brasil e na Argentina, e
que conduziu ao abandono dos programas de desenvolvimento típicos do varguismo
e do peronismo, bem como também ocorreu por meio da complementação sem atritos
e progressiva entre os capitais público e privado (nacional e estrangeiro),
como aconteceu no México. Acrescente-se a isto o surgimento de uma nova forma
de acumulação, que redefine a relação da América Latina com a Ordem
Internacional, e tem-se então o ambiente onde são desencadeadas intensas
discussões que, do lastro estabelecido pela CEPAL, se centram no debate sobre o
desenvolvimento latino-americano com outras perspectivas. Emergiram assim duas
correntes que focam o assunto com sinais invertidos.
Falamos,
evidentemente, das abordagens exogenista dependentista e endogenista, sobre as
quais nos debruçaremos a partir de agora.
3 – O exogenismo da Teoria da
Dependência
Por exogenismo dependentista, entenda-se o
conjunto de formulações dos autores que, de modo distinto, podem ser
circunscritos ao âmbito da chamada Teoria da Dependência (TD). Ao apresentarmos
o exógeno adjetivado com
dependentista, queremos assinalar
que a TD, assim como a CEPAL, mas com um outro itinerário, também centra a sua
abordagem sobre o desenvolvimento latino-americano em fatores externos, mesmo
que se tenha em conta a sua pluralidade constituinte.
A
propósito desta, desejamos desenvolver a nossa incursão analítica sobre a TD
estabelecendo uma demarcação. Se, até aqui, temos acompanhado em plena
concordância a interpretação de Gilberto Mathias e Pierre Salama, no que
passamos, a partir deste momento, a nos ocupar não nos sentimos à vontade, ou
dito melhor, não nos sentimos convencidos a continuar tendo a mesma postura.
Justificamo-nos.
Embora
Mathias e Salama cheguem a frisar que há diferenças entre os dependentistas[5], nas suas considerações
críticas à TD, procedem de uma forma que, implicitamente, subtende que ela é
homogênea. Detenhamo-nos, por alguns instantes, em algumas destas
considerações, como forma de fundamentar o desenvolvimento da nossa incursão de
um modo demarcado.
Sobre
a questão nacional, na TD, Mathias e Salama apresentam, em síntese, dois blocos
de objeções. O primeiro, enfatizam, tem a ver com a estreita relação que os
teóricos da dependência estabelecem entre uma abordagem essencialmente centrada
nas formas de circulação internacional do excedente, que menospreza as
condições internas de produção de mais-valia, substituindo ainda o conflito
entre as classes pela luta entre nações – pela partilha do excedente econômico
–, como princípio impulsionador do sistema capitalista mundial. O segundo é
concernente ao que entendem ser uma concepção simplificadora e coagulada da
economia mundial como uma totalidade dada, responsável por uma determinação
mecânica das partes representadas por cada Nação.
No
tocante à relação entre o Estado e os regimes políticos, um elemento crítico
que os autores em tela acentuam é que reduzindo o problema da reprodução das
relações sociais capitalistas ao da simples dinâmica de um “modelo de
acumulação”, os dependentistas retomam implicitamente e explicitamente a
divisão tradicional (e estaque) do conjunto social numa infra-estrutura
determinante, por um lado, e, por outro, numa superestrutura determinada[6]
E já que não se diferencia a versão da TD para
a qual tais críticas são dirigidas, é enfatizado como ilação geral para a ela,
em seu conjunto, que a mesma cai numa abordagem “politicista”, onde a dinâmica
dos regimes políticos é atribuída essencialmente ao jogo das alianças e
conflitos entre as classes e grupos
sociais, sem que as múltiplas imposições
- resultantes da acumulação do capital em escala mundial e local –
possam ser inteiramente tomadas em conta. Mais ainda, e fundamentalmente,
entende-se que a TD pode ser criticada por, deixando de lado os problemas
teóricos e analíticos colocados pela inserção dos Estados periféricos na
economia mundial, oscilar continuamente entre uma concepção “instrumentalista”
dos mesmos – reduzidos a simples “correias de transmissão” dos Estados centrais
– e uma concepção “politicista” que, ao inverso, concebe a ação de tais Estados
unicamente como um resultado da estrutura e das relações das classes sociais
internas. E assim sendo, apesar de diversas, as análises da dependência se
apoiariam numa mesma concepção “agregativa” da economia mundial, apreendida
como uma “soma” de Estados-Nação, sem que os seus processos de funcionamento
internos fossem revelados por via dos diferentes efeitos suscitados no centro e
na periferia.
Retidos
elementos basilares da interpretação (crítica) de Mathias e Salama, estamos
prontos, para, do interior da própria
TD, desenvolvermos a nossa incursão em sentido contraposto ao deles. Antes,
porém, por honestidade intelectual, reconhecemos que se tem-se em conta
algumas vozes dependentistas
específicas, decerto, que o fulcro da
argumentação dos mesmos faz sentido. Demonstrando isto, referimos como
prova suficiente o raciocínio que Samir Amin expôs num texto publicado em 1976 [7]. Nele, a sua compreensão é que a contradição
principal na qual se manifesta o antagonismo burguesia/proletariado em escala
mundial não é mais a contradição burguesia nacional dos centros
desenvolvidos/proletariado desses centros, mas a que opõe o capital dos
monopólios aos povos da periferia (proletariado, campesinato explorado em graus
diversos, segundo as etapas do sistema imperialista). Ora, se temos em atenção
que Mathias e Salama vêem nesse raciocínio os elementos que fornecem o
embasamento teórico da ideologia do “nacionalismo terceiro-mundista”[8], que termina por cair
prisioneira da lógica da repartição internacional do excedente econômico, onde,
nacionalmente, todas as classes e grupos sociais são confundidos, então não há
como negar que eles têm razão no que afirmam.
Entretanto, há lá limites. Generalizar ao conjunto da TD juízos dessa
natureza, é um non sens.
Ao
mesmo tempo, há que se dizer que desenvolver uma incursão analítica sobre o
terreno da TD, é hoje, talvez mais do que ontem, expor-se ao risco das
incompreensões. Se, ontem, as discussões a seu respeito roçavam a esfera
ideológica, chegando, por isto mesmo, a mergulhar nela, hoje, tendo em conta o
fato de um dos seus principais proponentes ter tido uma experiência como statesman, a probabilidade de
incompreensão – basicamente por ignorância acerca do que era proposto - se
torna mais acentuada ainda. Contudo, talvez agora, face ao novo panorama
político brasileiro, se comece a ter condições para que a análise acadêmica
sobre a TD obedeça mais aos imperativos da objetividade analítica, para que, no
reverso da medalha, com bases atualizadas diante dos novos tempos, possa-se
proporcionar quadros epistemológicos pertinentes à leitura, se assim se
entender, de quem tem que tomar decisão política.
Ressaltadas
tais “precauções”, detenhamo-nos numa “variante” da TD que não parece ser
apanhada pela crítica de Mathias e Salama, mesmo que assim eles o entendam,
pelo que então a questão passa a ser uma questão de (má)interpretação.
O
que vem a ser então a ideia de dependência, qual a sua intenção? Buscando resposta para isto, de início,
citamos, propositadamente, uma espécie de abordagem retrospectiva do Cardoso de
outrora, por, nela, ele, já considerando alguma temporalidade das polêmicas
sobre o tema, posicionar-se sobre as mesmas[9]. Eis o que temos:
Nos trabalhos que
escrevi sobre dependência, existe uma dupla intenção crítica. Por um lado – e
este aspecto da crítica parece-me que ficou claro, e foi menos combatido –
criticam-se as análises do desenvolvimento que abstraem os condicionantes
sociais e políticos do processo econômico e criticam-se as concepções
evolucionistas (das etapas) e funcionalistas (especialmente a teoria da
modernização) do desenvolvimento. A crítica se faz mostrando-se que o desenvolvimento que ocorre é capitalista e que não pode desligar-se do
processo de expansão capitalista internacional e das condições políticas que
este opera. Por outro lado, a crítica se orienta para mostrar (...) que a
análise «estrutural» dos processos de formação do sistema capitalista só tem
sentido quando referida historicamente[10]
Destaca-se
que é insatisfatório substituir as análises inspiradas na Teoria do
Desenvolvimento por outras tantas que insistem, de uma maneira geral e
indeterminada, em que o processo do desenvolvimento capitalista se dá em
proveito da burguesia e que, nas condições da América Latina e do capitalismo
internacional, ele é uma expressão do imperialismo. Daí, podemos apreender num trabalho
clássico da TD[11]
que a utilização da noção de dependência só ganha sentido quando põe em
evidência que:
El concepto de dependencia (...) pretende otorgar significado a una serie
de hechos y situaciones que aparecem conjuntamente en un momento dado y se
busca estabelecer por su intermedio las relaciones que hacen inteligibles las
situaciones empíricas en función del modo de conexión entre los componentes
estructurales internos y externos. Pero lo externo, en esa perspectiva, se
expresa también como un modo particular de relación entre grupos y clases
sociales en el ambito de las naciones subdesarrolladas[12].
Fundamentalmente,
buscava-se valorizar dois aspectos de significação metodológica precisa: 1º) As
análises do processo histórico de constituição da periferia na ordem
capitalista internacional deviam explicar a dinâmica da relação entre as
classes sociais no nível interno das nações (no caso das situações de
dependência mantidas a partir da existência de Estados Nacionais); 2º) Os
condicionantes externos, ou seja, o modo de produção capitalista internacional,
a “dominação imperial”, o mercado externo, etc. (ou seja, tanto os aspectos
econômicos como os políticos do capitalismo), reaparecem inscritos
estruturalmente tanto na articulação da economia, das classes/grupos sociais e
do Estado com as economias centrais e com as potências dominantes, como na
articulação dessas mesmas classes e grupos sociais no tipo de organização
política que prevalece no interior de cada situação de dependência[13]
Nesse
decurso, portanto, ficamos a saber que se o “conglomerado multinacional” passa
a prevalecer como forma de organização da produção, ele provoca uma
reorganização da divisão internacional do trabalho e leva à rearticulação das
economias não-centrais e do sistema de alianças/antagonismos entre as classes e
grupos sociais – nos níveis internos e externos. Todavia, tenha-se bem
presente, a “expressão concreta” que o modo capitalista de produção vai
encontrar nas áreas dependentes não é automática. De forma nenhuma. Ela é
“condicionada” por “factores locais” relacionados às classes e grupos sociais,
ao Estado, aos recursos humanos naturais, etc., e à forma como eles se foram
articulando historicamente.
Consequentemente,
temos que, nisto, talvez resida a vantagem fundamental da utilização da
perspectiva da dependência de forma
analítica. E o encadeamento da abordagem
conduz-nos a clarificação neste sentido. Ela desloca as explicações de um plano
simplista do condicionante externo sobre o interno para uma concepção mais
integrada do relacionamento das partes que compõem o sistema capitalista
mundial. Substitui-se um estilo de abordagem que se apóia prioritariamente em
determinações gerais e abstratas, e que insiste
indefinidamente, por exemplo, no imperialismo, na burguesia, na
revolução, etc., por um outro que procura situar concretamente
cada momento significativo de modificação da produção capitalista
internacional, evidenciando as (re)articulações econômicas, políticas e sociais
que daí decorrem em situações
particulares do sistema mundial[14]
Quanto
ao estatuto da idéia de Nação, na TD, convém reter o que originariamente é
enfatizado, para que se desfaça os mal-entendidos. O que encontramos é
que:
Com a noção de dependência, não se pode (nem se desejou) substituir a análise de classes pela de nações (...). Como conceito, entretanto, a dependência, mesmo na situação de internacionalização do mercado, na medida em que busca categorizar as relações entre as classes concretamente situadas, precisa captar o tipo de contradição que subsiste entre o modo de produção prevalecente, as classes sociais e a organização política, inclusive a nação e o Estado nacional. E foi o que se fez (...). Em termos teórico-metodológicos, seria uma volta atrás, num ensaio que caracteriza situações de dependência, insistir apenas nas contradições gerais entre relações de produção e relações de classe (...), sem mostrar que
elas se articulam
(...) através do Estado e da nação[15].
Ora, cruzando-se esse approach da TD com aquilo que, nuclearmente, constitui a crítica de
Mathias e Salama, não se pode senão apontar, no mínimo, a inadequação do que
eles objetam. Além do que, talvez, se cobre destes dependentistas posturas com
as quais os mesmos, de antemão, se descomprometiam. De resto, este parece ser
um impulso bastante típico de outras críticas que lhes foram endereçadas, tanto
ontem quanto hoje, principalmente, neste último caso, tendo em conta o percurso
político de Cardoso na década de 1990. O que este comportamento, de modo geral,
desconsidera, por desconhecimento de causa ou por outra razão qualquer, é que a
preocupação destes dependentistas era analítica. Dada a importância de se compreender isto,
para que se desfaçam mal- entendidos, convém fechar esta nossa incursão sobre a
TD explorando tal fato.
Cabe
lembrar que, em meados dos anos 1960, diante da situação de estagnação
económica na América Latina (e no rescaldo do programa pós-cepaliano), muitos
entendiam que a alternativa seria a Revolução, com a consequente implantação do
socialismo, por, acreditavam, dada a estrutura do sistema capitalista mundial,
não haver possibilidade de desenvolvimento para a região. É desnecessário
gastar tempo em explicar o grau de simplismo e de infantilidade presente nesta
compreensão – até porque já se sabe muitíssimo bem o que se passou. Vamos ao
que nos é central.
Perante
um tal reducionismo, o ponto de vista da variante da TD em foco, não poderia
ser mais esclarecedor, conforme nos revela o seu principal proponente:
Discordava daquela
postura. Como tinha lido bem Marx, achava que a economia da região estava
seguindo um movimento cíclico: havia uma crise, mas igualmente uma
possibilidade de nova expansão. A minha tese não era a de que a dependência
impedia o desenvolvimento e que, portanto, havia condições próprias ao socialismo,
mas sim que haveria um desenvolvimento dependente, que mais tarde chamei de
desenvolvimento dependente associado[16].
Ou
seja, o que se entendia era que estava havendo na região um processo de
acumulação, donde decorria a pauperização e o crescimento desordenado das
cidades, etc. Todavia, isto não significava ausência de desenvolvimento, mas
sim desenvolvimento com contradições. Entendia-se ainda que o capitalismo que
estava nascendo não era o capitalismo do século XIX, “mas um capitalismo já
baseado numa outra forma de organização da produção, que é a grande produção
oligopolística que se internacionaliza”[17]. Quer dizer, para evitarmos as armadilhas da
metafísica, dizemos, em síntese, o que esta perspectiva sustentava: haveria
desenvolvimento capitalista na América Latina; a estagnação não levaria ao
socialismo; e poderia haver um surto de desenvolvimento dependente e associado,
colocando na ordem do dia a questão da democracia. A partir disso, afirmava-se,
acentuadamente, que não se podia pensar a relação entre o interno e o externo
como se pensara até então, isto é, que as forças externas vinham e esmagavam as
forças internas: “estava havendo uma simbiose, de que decorria a ideia de
dependência, a qual se opunha à versão vulgar do colonialismo e do imperialismo
como ave de rapina”[18]
Assim
era porque, realçava-se, existiam formas diferentes de relação entre as
economias nacional e internacional, na medida em que, na região, algumas
economias nacionais se organizavam a partir de um enclave – cobre no Chile,
petróleo na Venezuela, por exemplo -, nas quais o capital e a tecnologia vinham
de fora. A economia local se relacionava com esse encalve
por meio do Estado, via imposto, sustentando uma classe média, sendo
que, muitas vezes, o próprio Estado era gerido por uma aliança entre essa
classe média e grupos da oligarquia agrária. A partir do enclave, tinha-se uma classe operária
avançada, moderna, em contraposição à classe dirigente tradicional. Por outro
lado, apontava-se um outro tipo de economia, como a do Brasil, na qual se
formou uma camada de empresários nacionais, sendo a decisão do investimento no
café, por exemplo, do próprio cafeicultor: “o capital nasce internamente, não
vem de fora, embora depois se pague um preço pela dependência no comércio internacional”[19].
4 – A focagem endogenista
Se,
mesmo que de maneira não-unívoca, a TD vincula a perspectiva de desenvolvimento
latino-americano a fatores externos, a abordagem endogenista, por sua vez,
recusa globalmente este cenário e relaciona tal perspectiva fundamentalmente a
fatores internos. Não é à-toa, portanto, que, semanticamente, se realiza a
contraposta categorização exogenismo & endogenismo. Podem ser referidos
como trabalhos representativos da focagem endogenista textos de Francisco de Oliveira,
Maria da Conceição Tavares e Cordera Campos[20].
Voltamos
aqui a acompanhar, em parte, a interpretação de Gilberto Mathias e Pierre
Salama. Logo de início, não podemos estar senão de acordo com a tese deles
segundo a qual a focagem endogenista funda a necessidade e a forma que assumem
a intervenção do Estado numa análise das especificidades estruturais da
industrialização na América Latina. Com
efeito, logicamente, essa industrialização diferencia o seu percurso daquele
que é seguido no modelo clássico de desenvolvimento industrial. Como é de
domínio público na comunidade científica – e não só -, não custando mesmo assim
repetir, no modelo clássico, a acumulação do capital se caracteriza, desde o
princípio, por uma articulação setorial entre as indústrias que produzem bens
de consumo e as que produzem bens de produção[21].
No
caso latino-americano, compreendem os endogenistas, ocorreria o contrário. Isto
é, condições estruturais diversas, como a introdução “exógena” do progresso
técnico, a heterogeneidade das relações de produção e o papel do capital
estrangeiro, consubstanciariam um outro processo de industrialização. Como este
pode ser definido? Ele emerge como um prolongamento das atividades agrícolas de
exportação e avança através de linhas de menor resistência, proporcionando o
desenvolvimento local das indústrias de bens de consumo leves. Contudo, muito
rapidamente se verifica um “choque”: essa “evolução natural” abalroa-se com a
ausência de organização do mercado de trabalho e com a inexistência de um segmento
local produtor de bens de produção. A demanda crescente de mão-de-obra urbana
tende a fazer com que os salários se elevem muito rapidamente nesse segmento.
De outra parte, as trocas setoriais são fracas e, daí, decresce o ritmo do
emprego e da demanda, ao passo que a importação de máquinas e de equipamentos
se eleva, donde resulta o agravamento dos custos de produção industrial e os
desequilíbrios de seus balanços de pagamento. Que fazer então?
Perante
este quadro, frisa-se, só a intervenção estatal pode remediar a insuficiência
tecnológica e financeira da emergente burguesia industrial. Em tal cenário, do
que se trata é de uma intervenção do Estado que inaugura uma primeira fase da
industrialização, a chamada
industrialização restrita, que tem como marca distintiva o remanejamento
estatal das condições de valorização do capital. O que é feito através da
movimentação de dois “mecanismos”.
O
primeiro, em poucas palavras, pode ser traduzido como sendo o esforço de
financiamento da produção industrial levado a cabo pelo Estado. De maneiras
diversas. Por exemplo, seja por meio da transferência fiscal de recursos do
setor agrário para o urbano, seja por via do fato de ele se encarregar
maciçamente dos setores pesados[22]. . Quanto ao segundo,
consiste na instituição de uma legislação trabalhista e, especificamente, no
estabelecimento de um salário mínimo nacional de subsistência para os
trabalhadores urbanos.
Este
último “mecanismo” seria responsável por uma “igualização pela base” da
remuneração da força de trabalho urbana, assegurando uma elevada taxa de
exploração da força de trabalho, reproduzindo consequentemente, de modo
ampliado, o capital industrial. Assim, a organização estatal do mercado de
trabalho e a fixação de salários de subsistência no setor industrial implica um
duplo efeito sobre o conjunto do sistema, que também opera um rebatimento
condicionante sobre as especificidades do modelo de desenvolvimento. Ou seja,
por um lado, tem-se a necessidade de preservar um vasto setor agrícola, onde
predominam as relações de produção pré-capitalistas e que produz, a custos
reduzidos, o essencial dos bens de consumo operários; por outro lado, a
explicação dessa transformação dos mecanismos internos de regulamentação do
sistema se consubstancia na manutenção das formas “não capitalistas” de
reprodução e de apropriação do excedente no setor de serviços, de uma forma que
o crescimento se combina organicamente com a intensificação da acumulação do
capital industrial. Se o encadeamento tem tal configuração, agora, portanto,
através da intervenção estatal, esta intensificação passa a se constituir o
centro motor da economia, graças a intervenção do Estado, num processo que
assegura a coesão de todo o tecido social e impele a canalização de recursos
para o setor urbano-industrial.
Não
é preciso fazer muito esforço para mostrar que a focagem endogenista tem em
conta uma variável que considera a forma populista de regime político. A
probabilidade do panorama por ela desenhado indica isto. Depreenda-se que o
populismo realiza uma modificação no regime político e que o panorama desenhado
concorre para a passagem a um novo modo de acumulação que se orienta para o
mercado interno. Captada a conexão. A forma populista de regime político
repousará concretamente numa aliança de caráter duplo: ela põe lado a lado
fracções da oligarquia agrária e a florescente burguesia, como também, ao mesmo
tempo, liga essa burguesia ao nascente proletariado industrial. Sem divagações,
estamos diante do pacto populista. E se quiser um exemplo de expressão material
sua, olhe-se para o Brasil sob Getúlio Vargas. Eis que, por esse caminho, somos
conduzidos a uma situação bastante particular. Digamo-la.
Trata-se
de uma situação que raciocina a partir da ideia de revolução passiva[23]. Consequentemente, a
decolagem industrial é concebida como resultante de uma intervenção do Estado
pelo alto, assumindo um papel que a burguesia, dada a sua condição embrionária,
não poderia desempenhar. De par com esta ideação, entende-se que a crise dos
anos 1930 limitou-se a criar um “vazio” – rompendo as relações comerciais e
financeiras com o exterior -, sem que, no entanto, tenha produzido
alternativas, sendo estas decorrentes da “celebração” do pacto populista entre velhas e novas forças
sociais. E mais. É no contexto das transformações inauguradas que o Estado
procede a codificação institucional de
novas formas de trabalho do emergente operariado, empenhando-se ao mesmo
tempo – em face do nascimento tardio do capitalismo industrial – na histórica
tarefa de “fabricar fabricantes”. Isto corresponde, entende-se, a fase de
industrialização restrita, que precede e prepara a entrada maciça de capitais
estrangeiros, ao fim dos anos 1950, em países latino-americanos.
No
decurso, aponta-se a constituição de um aparato de dispositivos que,
modificando o sistema fiscal e a legislação concernente ao capital forâneo, é
concebido pela classes dirigentes, em cada país, como meio para reforçar e
ampliar a sua hegemonia. De outra parte, tal aparato contribui para atrair
investimentos estrangeiros e para garantir o estabelecimento de um novo setor
produtor de bens de consumo duráveis em alguns dos países da América Latina. E
eis o desdobramento resultante: a modificação do modelo de acumulação.
A
“articulação endógena” dos três grandes ramos produtivos[24] apresenta-nos então uma nova dinâmica de
acumulação, cuja caracterização básica é marcada por uma conexão em que o ciclo produção (investimento) e realização (consumo) é executado de maneira singular: a
classe trabalhadora gasta o que recebe e o patronato recebe o que gasta. Nesta
lógica, os salários são vistos como um mero custo de produção – ao invés de uma
componente de uma demanda a ser ampliada -, o que faz com que se busque a sua
redução. O resultado, portanto, é claro: trata-se de um modelo de acumulação
socialmente excludente. Ora, compreende-se, daqui, politicamente, não se tem
outra coisa senão que o pacto populista “bateu no teto”. Esgotou-se. O modelo
de acumulação requer uma redefinição na forma e na ação do Estado. Por essa via, explica-se então a passagem, na
região, do discurso populista para formas autocráticas de governo, como
condição, por exemplo, para – pela extensão da violência estatal – manter a
“paz social” e assegurar a reprodução alargada do sistema.
Há
na focagem endogenista elementos que
estabelecem um “inesperado” encontro com o background
cepaliano. Onde, apesar de incursões invertidas, chega-se a um mesmo ponto.
Isto é, embora a leitura proporcionada pela focagem endogenista sobre o balanço
de pagamentos dos países latino-americanos se situe em posição oposta à da
CEPAL[25], ela converge em direção
à mesma concepção de Nação pressuposta nas formulações cepalianas. Quer dizer,
ao fim e ao cabo, chega-se a uma concepção de Nação apreendida como um espaço
relativamente fechado, dotada de um atributo que a credencia a conduzir uma
estratégia alternativa de desenvolvimento autônomo – logo, sendo assim, este
pode ser menos concentracionista e mais igualitário[26].
Certamente,
ficando prisioneira de um raciocínio construído a partir de uma “nação
fechada”, a focagem endogenista impede-se de captar as dinâmicas contraditórias
de acumulação do capital ao nível mundial. Desse modo, não se tenha dúvida: a
própria noção de subdesenvolvimento com a qual ela opera padece de limitação
teórica. Nesse sentido, é bastante pertinente um realce direto no texto de
Gilberto Mathias e Pierre Salama:
Formulando uma problemática do subdesenvolvimento em termos essencialmente «endogenistas» - ou seja, como um fenômeno circunscrito em suas leis de movimento ao espaço nacional -, desliza-se fatalmente para uma concepção da economia mundial que, embora caracterizada por «defasagens” significativas (tecnológicas, financeiras, etc.), permanece fundamentalmente agregativa. Perde-se de vista, assim, que – inclusive para além das múltiplas polarizações que podem se estabelecer a nível internacional – a economia mundial constitui uma totalidade em movimento[27].
Encerrando a nossa abordagem sobre a focagem
endogenista, cabe, em síntese, assinalar que ela parece envolvida numa
“desconexa indefinição” no que concerne à sua concepção de Estado. Por se
movimentar num quadro analítico onde a Nação é apreendida de “maneira fechada”,
procede-se a uma delimitação do Estado como algo estritamente endógeno. Daí se
oscila entre uma concepção “funcionalista”, onde o Estado aparece como
comandado pelas necessidades objetivas do processo de acumulação de capital –
no contexto específico de transição de uma economia agroexportadora para uma
economia industrial – e uma concepção “subjetivista”, em que o Estado intervém
pelo alto, semelhante a um “aparelho” externo ao capital, instituindo
voluntariamente as condições necessárias
ao desabrochar da acumulação capitalista[28].
Somos
colocados, desse modo, perante uma marcha pendular entre duas concepções
extremas da relação Estado & capital. Uma marcha insuficiente, pois, seja
como for, tem-se em perspectiva uma ideia de
autonomia relativa que remete de uma concepção “determinista” do Estado
– onde o que condiciona a sua reprodução desaparece numa identificação com as
dinâmicas do capital – a uma concepção “voluntarista”, em que ele intervém no
processo de acumulação como um “aparelho” situado do exterior.
À guisa de conclusão
Retrospecto
feito. Background cepaliano,
exogenismo dependentista e focagem endogenista. Estas foram as correntes que,
classicamente, orientaram o debate sobre desenvolvimento na América Latina.
Delas, pode dizer-se o que se quiser. Que mantêm pontos de contacto, que foram
formuladas em função de uma época específica, que teses de uma são mais
pertinentes do que as de outra (e isto, por certo, é procedente), etc. Mas o
que não se pode negar é que elas assumiram com afinco a tarefa de discutir o
desenvolvimento latino-americano. Dessa forma, hoje, quando novamente a região
se vê perante o mesmo debate, as análises a seu respeito não podem ser
empreendidas desconsiderando-as. Elas têm algo a dizer na refundação do desenvolvimentista
na região. Uma refundação que requer perspicácia teórica e criatividade
intelectual. Que seja capaz, perante as configurações de um novo tempo, entre
coisas, de ultrapassar o simplismo da oposição centro &periferia e de
colocar em causa o estatuto da ideia de Terceiro Mundo. No primeiro caso, não
se pode senão apontar a impropriedade de uma tal formulação em relação, por
exemplo, à sociedade brasileira, que, nem sendo centro, nem periferia, é
semi-periférica – o que implica em se ter conta a formulação de Imanuel
Wallerstein[29].
No segundo caso, o conceito de Terceiro Mundo é, hoje, tão anacrônico que só a
senilidade analítica e o nacionalismo canhestro ainda justificam o seu uso:
aquela por acomodação e este, não poucas vezes, por motivações ideológicas que
tendem ao populismo[30].
Por
outro lado, seria de bom tom que os “neodesenvolvimentistas” brasileiros
atuais, tão eufóricos que estão, a ponto de levarem o BNDES (Banco Nacional de
Desenvolvimento Social) a conceder recursos a uma multinacional como a
Volkswagen, tivessem mais em atenção os quadros de referência das teorias do
desenvolvimento na América Latina. Talvez assim “descubram” o que realmente
significa, por exemplo, empenhar o BNDES na formação de conglomerados nacionais
de projeção mundial, como o Brasil Foods e o JBS, maiores exportadores mundiais
de frango e carne bovina respectivamente. É possível, ainda, que os “neodesenvolvimentistas”
também “descubram” que, por mais que se queira subordinar as possibilidades
estruturais da história às ideologias políticas de governos, a história, por
ser movimento, tem a propensão de nos tornar dupes de nous-mêmes, surpreendendo-nos com desdobramentos
imprevistos. Só não se considera isto quando se está tomado por um dos
principais atributos das ideologias dominantes: a ideia de perpetuidade do
presente. Esta é uma razão a mais para os “neodesenvolvimentistas” brasileiros
passarem em revista o debate sobre desenvolvimento na América Latina.
Notas
[1] Os textos El Pesamiento de la CEPAL, de RODRIGUES, O. (México: UNAM, 1979); e
The Originality of the Copy: CEPAL and the Ideia of Development, de CARDOSO,
Fernando Henrique (in CEPAL Review, nº 4, 1977) são fulcrais para que se capte
o background cepaliano.
[2] Aqui, portanto, estamos
inteiramente de acordo com as interpretações desenvolvidas por Gilberto Mathias
e Pierre Salama em O Estado Superdesenvolvido (São Paulo: Brasiliense, 1983),
nomeadamente no texto constante como anexo do livro sob a denominação de Das
Teorias do Estado e da Nação à definição
de uma Problemática: o debate latino-americano como ilustração, p. 137-206
(Mathias & Salama, 1983).
[3] Tal como realçou Maria da
Conceição Tavares. Cf. o seu Da
Substituição das Importações ao Capitalismo Financeiro, Rio de Janeiro:
Zahar, 1979.
[4] Seguramente a posição capaliana
poderia objetar à tal interpretação que ela leva em consideração, em suas
perspectivas sobre comércio internacional, a dinâmica reivindicativa diversa
das classes trabalhadoras dos países
centrais e periféricos, evidenciando as disparidades de remuneração nos dois
casos. Contudo, se é assim, tende-se para uma “focagem unilateral”. Isto é,
como com pertinência bem assinalaram Gilberto Mathias e Pierre Salama (op.cit.,
p.143) “corre-se o risco de perder o
fato de que as relações de classe e sua expressão ao nível salarial só intervêm
na análise cepaliana no quadro de uma comparação estática entre o centro e a
periferia, sem desempenharem nenhum papel decisivo – o que, de resto,
implicaria ampliar a análise dos salários, entendidos (...) como uma simples variável
de distribuição (...) – na análise das formas específicas de reprodução da
relação capitalista nesses diferentes países”.
[5] A propósito, desenvolvem mesmo uma tipologia da TD.
Conforme esta: “Uma primeira versão
(...) coloca no centro da análise o fluxo de
capital-dinheiro entre países
desenvolvidos e países subdesenvolvidos (...); uma segunda versão põe o acento,
tal como a CEPAL, nas características das relações comerciais que se
estabelecem entre países desenvolvidos e países subdesenvolvidos (...); para
outros, ainda, os mecanismos de dependência
resultariam das influências estruturais que separam os países desenvolvidos dos
subdesenvolvidos do ponto de vista das condições técnicas de reprodução de seus
capitais” (Mathias & Salama op. cit. p. 148-149).
[6] Não citamos os autores de
maneira direta por, já estando a seguir o texto, ser desnecessário e cansativo
para o leitor. Além do que realizamos uma interpretação própria do que eles
elaboram. De qualquer forma, deixamos indicado que as mencionadas considerações
encontram-se nas págs. 150, 153, 156 e 157.
[7] Trata-se de “A propos de la
critique”, in L’Homme et la Société,
Janeiro-Fevereiro, 1976.
[8] Que, compreendem os autores, se
manifesta de duas formas: “Por um lado, através de uma tomada de posição em
defesa dos interesses econômicos das nações subdesenvolvidas (...). E, por
outro, sob a forma de um discurso e/ou de uma prática populistas, nos quais a
emergência de um chefe carismático que encarna a vontade de um povo contribui para
apagar as divisões de classe numa concepção indiferenciada de nação” (Mathias
& Salama, op.cit, p.150). Embora o
“nacionalismo terceiro-mundista”, prosseguem, faça uma crítica metodológica à
orientação que se centra essencialmente nas formas de circulação internacional
do excedente e na elevação da luta entre nações como princípio motor do sistema
capitalista mundial, ele remete, de qualquer modo, “à mesma problemática da
repartição internacional do excedente econômico e, portanto, do poder relativo
de negociação de cada país no cenário mundial, onde todas as classes aparecem
confundias no seio da nação” (ibidem, p. 151).
[9] A mencionada abordagem foi
desenvolvida por Fernando Henrique Cardoso em “Teoria da Dependência ou
Análises Concretas das Situações de Dependência”, texto este apresentado no “2º
Seminário Latinoamericano para el Desarollo”, em 1970, promovido pela FLACSO no
Chile, sob o patrocínio da UNESCO. Ele vem a ser algo como que um
comentário/resposta a um texto de Francisco Weffort, intitulado “Notas sobre a
Teoria da Dependência: Teoria de Classe ou Ideologia Nacional?”, base de sua
comunicação no mesmo Seminário. Quanto ao texto de Cardoso, encontra-se
publicado no seu O Modelo Político
Brasileiro, pp. 123-139 (São Paulo: Bertrand Brsil, 1993). De resto, a
Teoria da Dependência nesta variante tem como proponente principal alguém que,
em sua formação, é influenciado pelo modo de análise social difundido por
Florestan Fernandes, que, convenhamos, se trata de um modo de análise que,
atualmente, nos faz falta.
[10] CARDOSO, 1993, op. cit., p.
123-124. Daí, para prosseguir a sua argumentação, Cardoso faz uma indagação, respondendo-a
em seguida: “Que quer isto dizer? Quer dizer, basicamente, que as estruturas
condicionantes são o resultado da relação de forças entre classes sociais que
se enfrentam de forma específica em função de modos determinados de produção.
Trata-se, portanto, de valorizar um estilo de
análise que apanha os processos sociais num nível
concreto. Ora, a partir deste momento, a crítica não se orienta apenas contra
“a direita”, mas também contra setores, em geral preponderantes, da esquerda
intelectual” (ibidem, p. 124).
[11] Referimo-nos ao livro escrito
por Fernando Henrique Cardoso e Enzo Falleto, o
Dependencia y Desarrollo en
América Latina, México, Siglo XXI, 1969.
[12] Ibidem, p. 19-20. Em seguida,
afirma-se que o conceito de dependência será utilizado como “um tipo de concepto
«casual-significante» - implicaciones determinadas por um modo de relación
historicamente
dado – y no
como concepto meramente mecánico-causal,
que subraya la determinación externa, anterior, para luego producir consecuencias
internas (ibídem, p.20).
[13] Logo, somos informados que “a
noção de dependência é apresentada para pôr ênfase em um tipo de análise que
recupera a significação política dos processos econômicos e que, contra a
vagueza das análises pseudomarxistas que vêem no imperialismo a enteléquia que
condiciona apenas do exterior o processo histórico dos países dependentes,
insiste na possibilidade de explicar os processos sociais, políticos e
econômicos a partir de situações concretas e particulares em que eles se dão
nas situações de dependência” (Cardoso,1993, op. cit., p. 125).
[14] - Dessa forma, ao se deslocar o
núcleo das explicações do processo histórico, “assegura-se, ao mesmo
tempo, a possibilidade de encontrar vias distintas
de rearticulação de uma situação de dependência para outra, de um período para
outro. Em resumo, aceita-se que existe uma “história” – e portanto, uma
dinâmica própria, própria de cada situação de dependência” (ibidem, p.
127).
[15] Ibidem: 131. A propósito,
podemos ainda ler: “Não se iria além de petições de princípio e de uma
dialética ao nível da oposição abstrata entre conceitos, se deixássemos de
caracterizar precisamente a «ambiguidade» da situação, sempre e quando se
entenda, como o fizemos, que neste caso essa ambiguidade nada mais é do que a
forma como a contradição aparece, ao nível da percepção dos agentes. Uma análise
dialética que não marcasse as ambiguidades e que passasse sem mediações das
relações de produção às relações de classe não seria uma análise concreta de movimentos
sociais estrutural-historicamente condicionados, que foi o que pretendemos
fazer” (ibidem, p.131).
[16] CARDOSO, Fernando Henrique, Entrevistas, Brasília: Centro Gráfico do
Senado Federal, 1985, p. 13. A propósito
da sua formação, Fernando Henrique Cardoso revela: “O meu background é
marxista” (ibidem, p. 15), decorrendo, no entanto, que o proveito que daí tira
é fundamentalmente metodológico, o que o leva, aliás, na sequência da sua
revelação, a criticar a ortodoxia: “(...) mas Marx escreveu um livro sobre o
capitalismo no século XIX. (...) As estruturas de classe que Marx descreveu em
seus trabalhos são as estruturas da sociedade capitalista competitiva, enquanto
vivemos atualmente numa sociedade oligopolística (ibidem, p.15). No que se
refere à variante da TD que ele
desenvolveu, também reconhece o seu débito para com Lenine, afirmando
que: “O meu modelo, que não apliquei mecanicamente, era o de Lenine para o desenvolvimento do
capitalismo na Rússia (...)” (ibidem, p. 13).
[17] Ibidem, p. 13.
[18] Ibidem, p. 14.
[19] Ibidem, p. 14.
[20] Nomeadamente, OLIVEIRA,
Francisco, A Economia Brasileira: Crítica à Razão Dualista, in EstudosCEBRAP, São Paulo, nº 2, 1972; TAVARES,
Maria da Conceição, Distribuição de Renda, Acumulação e Padrões de
Industrialização: Um Ensaio Preliminar, in A
Controvérsia sobre a Distribuição de Renda e o Desenvolvimento, Rio de Janeiro: Zahar, 1975; CAMPOS CORDERA, R.,
Estado y Subdesarrolo en el capitalismo tardio y subordinado, in Investigación Económica, Julho-Setembro,
1971.
[21] Consequentemente, “o
investimento e o consumo podem se desenvolver e se diversificar simultaneamente, ainda que não sem atritos”
(Mathias & Salama, 1983, op.cit., p. 166).
[22] O que importa é que, de uma
forma ou de outra, “o Estado cria
inteiras faixas da indústria, garantindo as condições materiais necessárias às
novas formas de valorização do capital e ao florescimento da burguesia local”
(ibidem, p. 166)
[23] Constitui-se um fato bastante
realçado os três conceitos referidos para designar as formas de transição ao
capitalismo. Um é o clássico, tendo como
modelo os processos seguidos pelas revoluções inglesas do século XVII e pela
Revolução Francesa. Os “não clássicos” são a
via prussiana e a revolução
passiva. No primeiro caso “não-clássico”, a noção serve, sobretudo, para
designar os processos de transição ao capitalismo no campo, evidenciando o fato
de que se conservam na nova ordem fundada pelo capital claras sobrevivências
das formas pré-capitalistas, a exemplo do uso da coerção extra-econômica na
extração do excedente produzido pelos trabalhadores rurais; no segundo caso, a
formulação é utilizada para designar os processos de modernização
promovidos pelo alto, nos quais a
conciliação entre as diferentes fracções das classes dirigentes (embora não só)
é um recurso para afastar a participação das camadas populares na passagem para
a modernização capitalista (Coutinho, Carlos Nelson, Marxismo e Política: A Dualidade de Poderes e Outros Ensaios. São
Paulo: Cortez, 1996). Trata-se de um “conceito gramsciano [que] foi muito
utilizado na Itália, na tentativa de conceituar adequadamente tanto o processo
de unificação nacional (o chamado Risorgimento) quanto o fascismo” (Coutinho,
1996, op. cit., p. 16).
[24] Ou seja, bens de produção, bens de consumo operários e
bens de consumo duráveis.
[25] Que, como sabemos, vê na
deterioração dos termos de intercâmbio a explicação central das formas e dos
bloqueios do desenvolvimento latino-americano.
[26] Por outro lado, não se pode perder
de vista que a focagem endogenista constitui um passo para a superação da
separação entre as esferas do político e do econômico, visto que o Estado é
introduzido como uma pré-condição histórica do processo de industrialização subdesenvolvida. Ela põe
concretamente a questão da relação entre o Estado e o capital. Mas, eis o
problema: Fá-lo no quadro de análise de uma Nação fechada.
[27] Mathias & Salama, 1983, op.
cit., p. 169-170. A referida totalidade – que, estando em movimento, não é
mecânica – é regida por uma dinâmica que reproduz uma estrutura hierarquizada.
Por conseguinte, a economia mundial pode ser vista, por exemplo, como
um conjunto articulado através do qual o capital se manifesta e se reproduz em
espaços nacionais específicos.
[28] Tenha-se presente ainda que, nos
dois casos, “vê-se diferentemente – ou suprimindo-a ou exagerando-a – a autonomia relativa do Estado
em face do capital” (ibidem, p. 171).
[29] Ver WALLERSTEIN, Immanuel, O
Moderno Sistema Mundial, Porto: Afrontamento, s/d. Para uma discussão
específica sobre a noção de semiperiferia, ver MARTIN, William (Ed.), Semiperipheral States in
the World-Economy, Londres: Grrewood Press, 1990.
[30] Aliás, há já algum tempo, alguém
apontou o colapso do conceito de Terceiro Mundo. Cf.
HARRIS, Nigel, The End of the Third World
, Harmondsworth, Middx: Penguin, 1987.
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