Houve uma altura em que, no contexto acadêmico, se tinha mais conhecimento do que informação. Para isso, era central que se soubesse fazer análise de conjuntura, e, nesta perspectiva, muito contribuiu o pequeno livro do sociólogo Herbert de Souza, o Betinho (livro pequeno no tamanho, mas grande na importância) - o Como se Faz Análise de Conjuntura. As categorias da análise de conjuntura, está bem dito, são "representações da vida". Vale a pena uma vista de olhos numa pequena recensão sobre o tema.
COMO
SE FAZ ANÁLISE DE CONJUNTURA
Algumas categorias para a análise de conjuntura
Para se fazer análise de conjuntura, são necessários algumas ferramentas próprias para isso. São as categorias com que se trabalha:
- Acontecimentos
- Cenários
- Atores
- Relação de forças
- Relação entre “estrutura/superestrutura/infraestrutura” e “conjuntura”
Cada uma destas categorias merece um tratamento à parte, mas, no conjunto, elas poderiam ser estudadas como elementos de “representação da vida”. Essas categorias, por exemplo, foram utilizadas por Marx, em seu estudo sobre a Revolução Francesa, no “18 Brumário”, que constitui um dos mais brilhantes estudos de uma situação política (uma conjuntura) já realizado.
Tentemos ver um pouco mais o sentido de cada uma.
– Acontecimentos
Devemos distinguir fato de acontecimento. Na vida real, ocorrem milhares de fatos todos os dias em todas as partes, mas somente alguns desses fatos são considerados como acontecimentos: aqueles que adquirem um sentido especial para um pais, uma classe social, um grupo, uma família ou uma pessoa.
Alguém pode cair de um cavalo e isso se constituir somente num fato banal, mas se esta é a queda de um presidente, provavelmente será um acontecimento. O nascimento do filho de um rei é um acontecimento para o país, mas o nascimento do filho de um operário é acontecimento para a família. O beijo pode ser um fato comum, mas o beijo de Judas foi um acontecimento.
Existem ocorrências que se constituem “acontecimentos”, tais como greves gerais, eleições presidenciais (principalmente se são diretas...), golpes militares, catástrofes, descobertas científicas de grande alcance. Essas ocorrências, por sua dimensão e seus efeitos, afetam o destino e a vida de milhões de pessoas, da sociedade em seu conjunto.
Na análise de conjuntura, o mais importante é analisar os acontecimentos, sabendo distinguir fatos de acontecimentos e depois distinguir o acontecimentos segundo sua importância. Essa importância e peso são sempre relativos e dependem da ótica de quem analisa a conjuntura, por que uma conjuntura pode ser boa para alguém ou péssima para outros: um ladrão que chega num lugar policiado vai verificar que a conjuntura está ruim para ele naquele dia, a mãe que chega na praça com seu filho vai pensar o contrário.
A importância da análise a partir dos acontecimentos é que eles indicam sempre certos “sentidos” e revelam também a percepção que uma sociedade ou grupo social, ou classe, tem da realidade e de si mesmo.
Identificar os principais acontecimentos num determinado momento, ou num período de tempo, é um passo fundamental para se caracterizar e analisar uma conjuntura.
– Cenários
As ações da trama social e política se desenvolvem em determinados espaços que podem ser considerados como cenários. Ouvimos sempre falar nos cenários de guerra, cenários de luta. O cenário de um conflito pode se deslocar de acordo com o desenvolvimento da luta: passar das ruas e praças para o parlamento, daí para os gabinetes ministeriais e daí para os bastidores...
Cada cenário apresenta particularidades que influenciam o desenvolvimento da luta, e muitas vezes o simples fato de mudar de cenário já é uma indicação importante de uma mudança no processo. A capacidade de definir os cenários onde as lutas vão se dar é um fator de vantagem importante. Quando o governo consegue deslocar a luta das praças para os gabinetes, já está, de alguma forma, deslocando as forças em conflito para um campo onde seu poder é maior. Daí a importância de identificar os cenários onde as lutas se desenvolvem e as particularidades dos diferentes cenários. Numa ditadura militar, os cenários do poder e da luta contra esse poder serão necessariamente diferentes dos cenários de uma sociedade democrática. Numa, talvez o quartel; noutra, o parlamento, as ruas e as praças.
– Atores
Outra categoria que podemos usar na análise da conjuntura é a dos atores.
O ator é alguém que representa, que encarna um papel dentro de um enredo. Um determinado indivíduo é um ator social quando representa algo para a sociedade (para o grupo, a classe, o país), encarna uma idéia, uma reivindicação, um projeto, uma promessa ou uma denúncia.
Uma classe social, uma categoria de trabalhadores, ou um grupo, podem ser atores sociais.
Mas a idéia de “ator” não se limita somente a pessoas ou grupos sociais. Instituições também podem ser atores sociais: sindicatos, partidos políticos, movimentos sociais, emissoras de televisão, jornais, igrejas.
Relação de forças
As classes sociais, os grupos, os diferentes atores sociais estão em relação uns com os outros. Essas relações podem ser de confronto, de coexistência, de coooperação e estarão sempre revelando uma relação de forças, de domínio, igualdade ou de subordinação.
Encontrar formas de verificar a relação de forças, ter uma idéia mais clara dessa relação, é decisivo se se quer tirar conseqüências práticas da análise de conjuntura. Algumas vezes, essa relação de forças se revela através de indicadores até quantitativos, como é o caso de uma eleição: o número de votos indicará a relação de forças entre os partidos, grupos ou classes sociais.
Outras vezes, devemos buscar formas de verificação menos “visíveis”: qual é a força de um movimento sociail ou político emergente? Como medir o novo, aquilo que não tem registros quantitativos?
Outra idéia importante é a de que a relação de forças não é um dado imutável, colocado de uma vez por todas: a relação de forças sofre mudanças permanentemente e é por isso que a política é tão cheia de surpresas: um candidato, um empresário, um partido político podem achar que mantêm uma relação de superioridade e quando são chamados a demonstr sua “força” percebem que a relação mudou e que a derrota ou vitória devem ser explicadas depois...
Análise dos fatos relacionando às “estruturas” e a “ conjuntura”
A questão aqui é que os acontecimentos, a ação desenvolvida pelos atores sociais, gerando uma situação, definindo uma conjuntura, não se dão no vazio: eles tem relação com a história (raízes, processos, linhas de continuidade ou rupturas), com as classes e relações sociais (estrutura social), econômicas e políticas estabelecidas ao longo de um processo mais longo.
Uma greve geral que marca uma conjuntura, é um acontecimento novo que pode provocar mudanças mais profundas, mas ela não cai do céu, ela é resultado de um processo mais longo e está situada numa determinada estrutura social ou econômica que definem suas características básicas, seu alcance e limites.
Um quadro de seca no Nordeste pode marcar uma conjuntura social grave, mas ela deve ser relacionada à estrutura fundiária que, de alguma maneira, interfere na forma como a seca atinge as populações, a quem atinge e como.
A isso chamamos relacionar a conjuntura (os dados, os acontecimentos, os atores) à estrutura.
Além de considerar essas categorias, existem outras indicações que devem ser levadas em conta para se fazer uma análise de conjuntura.
É fundamental perceber o conjunto de forças e problemas que estão por detrás dos acontecimentos. Tão importante quando apreender o sentido de um acontecimento é perceber quais as forças, os movimentos, as contradições, as condições que o geraram. Se o acontecimento aparece diretamente à nossa percepção, este pano de fundo que o produz nem sempre está claro. Um esforço e um cuidado maiores devem ser então feitos para situar os acontecimento e extrair deles os seus possíveis sentidos.
Procurar ver também os sinais de saída para o “novo”, o não-acontecido, o inédito. Tão importante quanto entender o que já está acontecendo é estar atento aos sinais dos fenômenos que começam a se manifestar.
Buscar ver o fio condutor dos acontecimentos. Não se pode afirmar a priori que todos os acontecimentos “acontecem” dentro de uma lógica determinada, segundo um enredo predeterminado. Na realidade, os processos são cheios de sentidos e dinâmicas que escapam ou não estão subordinados a determinações lógicas. Isto, no entanto, não nos impede de procurar, de pesquisar o encadeamento, a lógica, as articulações, os sentidos comuns dos acontecimentos. Quando somos capazes de perceber a lógica interna de uma determinada política econômica, ficará mais fácil entender o sentido dos decretos, das ações e até mesmo das visitas dos ministros do Planejamento...
Existem duas leituras possíveis dos acontecimentos ou dos modos de ler a conjuntura.
1 – A partir da situação ou do ponto de vista do poder dominante (lógica do poder)
2 – A partir da situação ou do ponto de vista dos movimentos populares, das classes dominadas , da oposição ao poder dominante.
De modo geral, as análises de conjuntura são conservadoras: sua finalidade é reordenar os elementos da realidade, da situação dominante, para manter o funcionamento do sistema, do regime. Uma análise feita tendo como pressuposta uma correção de rota, mas não na direção fundamental.
Esse tipo de análise parte do ponto de vista do poder dominante e, de certa forma, determinará não somente a seleção dos acontecimentos e atores a serem analisados, como atribuirá a estes acontecimentos um sentido afina com os interesses das classes dominantes.
Todo acontecimento é uma realidade com um sentido atribuído, não é um puro fato, mas um fato tido como e visto por interesses específicos.
Partir do ponto de vista dos movimentos populares não é, obviamente, inventar situações, acontecimento e correlações de forças que beneficiem o campo popular ao nível da fantasia e da imaginação dos analistas interessados. É partir dos acontecimentos social e historicamente determinados, existentes, concretos, mas percebê-los, analisá-los, sob a ótica dos interesses das classes subordinadas, dado que toda análise de conjuntura só adquire sentido quando é usada como um elemento de transformação da realidade.
A análise de conjuntura deve levar em conta as articulações e dimensões locais, regionais, nacionais e internacionais dos fenômenos, dos acontecimentos, dos atores e das forças sociais.
“Estratégia” e “tática”
As categorias “estratégia” e “tática” são também elementos úteis para a análise da ação dos diferentes atores sociais. É possível buscar identificar as linhas gerais de ação, as estratégias empregadas por estes atores sociais para conseguir realizar seus objetivos. Poderíamos definir como estratégia a articulação, a definição de um conjunto de meios, de forças , de elementos tendo em vista realizar objetivos gerais ou “projetos” mais globais que respondam a interesses e objetivos sociais, econômicos e políticos de determinadas forças ou classes sociais.
Se na “estratégia” observamos os objetivos e linhas de ação mais gerais, na “tática” observamos os meios e as formas particulares, concretas de ação, tendo em vista a realização de estratégias determinadas.
Nem sempre, porém, um acontecimento, ou um conjunto de ações aparentemente articulares entre si constituem uma tática ou uma parte de uma estratégia. Na sociedade, no processo social, o que acontece não tem que ver necessariamente com uma lógica ou um plano estabelecido. Só as teorias conspirativas ou “estruturalistas” da história acreditam nisso. Por isso, as análises de conjuntura deveriam estar sempre abertas à redescoberta de várias possibilidades e alternativas.
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Fonte: Souza, Herbert José. Como se faz uma análise de conjuntura, p.9-18
22ª edição, editora Vozes, Petrópolis-RJ, 2001 - Disponível em: http://heldermolina.blogspot.com.br/2008/12/como-se-faz-anlise-de-conjuntura.html
Para se fazer análise de conjuntura, são necessários algumas ferramentas próprias para isso. São as categorias com que se trabalha:
- Acontecimentos
- Cenários
- Atores
- Relação de forças
- Relação entre “estrutura/superestrutura/infraestrutura” e “conjuntura”
Cada uma destas categorias merece um tratamento à parte, mas, no conjunto, elas poderiam ser estudadas como elementos de “representação da vida”. Essas categorias, por exemplo, foram utilizadas por Marx, em seu estudo sobre a Revolução Francesa, no “18 Brumário”, que constitui um dos mais brilhantes estudos de uma situação política (uma conjuntura) já realizado.
Tentemos ver um pouco mais o sentido de cada uma.
– Acontecimentos
Devemos distinguir fato de acontecimento. Na vida real, ocorrem milhares de fatos todos os dias em todas as partes, mas somente alguns desses fatos são considerados como acontecimentos: aqueles que adquirem um sentido especial para um pais, uma classe social, um grupo, uma família ou uma pessoa.
Alguém pode cair de um cavalo e isso se constituir somente num fato banal, mas se esta é a queda de um presidente, provavelmente será um acontecimento. O nascimento do filho de um rei é um acontecimento para o país, mas o nascimento do filho de um operário é acontecimento para a família. O beijo pode ser um fato comum, mas o beijo de Judas foi um acontecimento.
Existem ocorrências que se constituem “acontecimentos”, tais como greves gerais, eleições presidenciais (principalmente se são diretas...), golpes militares, catástrofes, descobertas científicas de grande alcance. Essas ocorrências, por sua dimensão e seus efeitos, afetam o destino e a vida de milhões de pessoas, da sociedade em seu conjunto.
Na análise de conjuntura, o mais importante é analisar os acontecimentos, sabendo distinguir fatos de acontecimentos e depois distinguir o acontecimentos segundo sua importância. Essa importância e peso são sempre relativos e dependem da ótica de quem analisa a conjuntura, por que uma conjuntura pode ser boa para alguém ou péssima para outros: um ladrão que chega num lugar policiado vai verificar que a conjuntura está ruim para ele naquele dia, a mãe que chega na praça com seu filho vai pensar o contrário.
A importância da análise a partir dos acontecimentos é que eles indicam sempre certos “sentidos” e revelam também a percepção que uma sociedade ou grupo social, ou classe, tem da realidade e de si mesmo.
Identificar os principais acontecimentos num determinado momento, ou num período de tempo, é um passo fundamental para se caracterizar e analisar uma conjuntura.
– Cenários
As ações da trama social e política se desenvolvem em determinados espaços que podem ser considerados como cenários. Ouvimos sempre falar nos cenários de guerra, cenários de luta. O cenário de um conflito pode se deslocar de acordo com o desenvolvimento da luta: passar das ruas e praças para o parlamento, daí para os gabinetes ministeriais e daí para os bastidores...
Cada cenário apresenta particularidades que influenciam o desenvolvimento da luta, e muitas vezes o simples fato de mudar de cenário já é uma indicação importante de uma mudança no processo. A capacidade de definir os cenários onde as lutas vão se dar é um fator de vantagem importante. Quando o governo consegue deslocar a luta das praças para os gabinetes, já está, de alguma forma, deslocando as forças em conflito para um campo onde seu poder é maior. Daí a importância de identificar os cenários onde as lutas se desenvolvem e as particularidades dos diferentes cenários. Numa ditadura militar, os cenários do poder e da luta contra esse poder serão necessariamente diferentes dos cenários de uma sociedade democrática. Numa, talvez o quartel; noutra, o parlamento, as ruas e as praças.
– Atores
Outra categoria que podemos usar na análise da conjuntura é a dos atores.
O ator é alguém que representa, que encarna um papel dentro de um enredo. Um determinado indivíduo é um ator social quando representa algo para a sociedade (para o grupo, a classe, o país), encarna uma idéia, uma reivindicação, um projeto, uma promessa ou uma denúncia.
Uma classe social, uma categoria de trabalhadores, ou um grupo, podem ser atores sociais.
Mas a idéia de “ator” não se limita somente a pessoas ou grupos sociais. Instituições também podem ser atores sociais: sindicatos, partidos políticos, movimentos sociais, emissoras de televisão, jornais, igrejas.
Relação de forças
As classes sociais, os grupos, os diferentes atores sociais estão em relação uns com os outros. Essas relações podem ser de confronto, de coexistência, de coooperação e estarão sempre revelando uma relação de forças, de domínio, igualdade ou de subordinação.
Encontrar formas de verificar a relação de forças, ter uma idéia mais clara dessa relação, é decisivo se se quer tirar conseqüências práticas da análise de conjuntura. Algumas vezes, essa relação de forças se revela através de indicadores até quantitativos, como é o caso de uma eleição: o número de votos indicará a relação de forças entre os partidos, grupos ou classes sociais.
Outras vezes, devemos buscar formas de verificação menos “visíveis”: qual é a força de um movimento sociail ou político emergente? Como medir o novo, aquilo que não tem registros quantitativos?
Outra idéia importante é a de que a relação de forças não é um dado imutável, colocado de uma vez por todas: a relação de forças sofre mudanças permanentemente e é por isso que a política é tão cheia de surpresas: um candidato, um empresário, um partido político podem achar que mantêm uma relação de superioridade e quando são chamados a demonstr sua “força” percebem que a relação mudou e que a derrota ou vitória devem ser explicadas depois...
Análise dos fatos relacionando às “estruturas” e a “ conjuntura”
A questão aqui é que os acontecimentos, a ação desenvolvida pelos atores sociais, gerando uma situação, definindo uma conjuntura, não se dão no vazio: eles tem relação com a história (raízes, processos, linhas de continuidade ou rupturas), com as classes e relações sociais (estrutura social), econômicas e políticas estabelecidas ao longo de um processo mais longo.
Uma greve geral que marca uma conjuntura, é um acontecimento novo que pode provocar mudanças mais profundas, mas ela não cai do céu, ela é resultado de um processo mais longo e está situada numa determinada estrutura social ou econômica que definem suas características básicas, seu alcance e limites.
Um quadro de seca no Nordeste pode marcar uma conjuntura social grave, mas ela deve ser relacionada à estrutura fundiária que, de alguma maneira, interfere na forma como a seca atinge as populações, a quem atinge e como.
A isso chamamos relacionar a conjuntura (os dados, os acontecimentos, os atores) à estrutura.
Além de considerar essas categorias, existem outras indicações que devem ser levadas em conta para se fazer uma análise de conjuntura.
É fundamental perceber o conjunto de forças e problemas que estão por detrás dos acontecimentos. Tão importante quando apreender o sentido de um acontecimento é perceber quais as forças, os movimentos, as contradições, as condições que o geraram. Se o acontecimento aparece diretamente à nossa percepção, este pano de fundo que o produz nem sempre está claro. Um esforço e um cuidado maiores devem ser então feitos para situar os acontecimento e extrair deles os seus possíveis sentidos.
Procurar ver também os sinais de saída para o “novo”, o não-acontecido, o inédito. Tão importante quanto entender o que já está acontecendo é estar atento aos sinais dos fenômenos que começam a se manifestar.
Buscar ver o fio condutor dos acontecimentos. Não se pode afirmar a priori que todos os acontecimentos “acontecem” dentro de uma lógica determinada, segundo um enredo predeterminado. Na realidade, os processos são cheios de sentidos e dinâmicas que escapam ou não estão subordinados a determinações lógicas. Isto, no entanto, não nos impede de procurar, de pesquisar o encadeamento, a lógica, as articulações, os sentidos comuns dos acontecimentos. Quando somos capazes de perceber a lógica interna de uma determinada política econômica, ficará mais fácil entender o sentido dos decretos, das ações e até mesmo das visitas dos ministros do Planejamento...
Existem duas leituras possíveis dos acontecimentos ou dos modos de ler a conjuntura.
1 – A partir da situação ou do ponto de vista do poder dominante (lógica do poder)
2 – A partir da situação ou do ponto de vista dos movimentos populares, das classes dominadas , da oposição ao poder dominante.
De modo geral, as análises de conjuntura são conservadoras: sua finalidade é reordenar os elementos da realidade, da situação dominante, para manter o funcionamento do sistema, do regime. Uma análise feita tendo como pressuposta uma correção de rota, mas não na direção fundamental.
Esse tipo de análise parte do ponto de vista do poder dominante e, de certa forma, determinará não somente a seleção dos acontecimentos e atores a serem analisados, como atribuirá a estes acontecimentos um sentido afina com os interesses das classes dominantes.
Todo acontecimento é uma realidade com um sentido atribuído, não é um puro fato, mas um fato tido como e visto por interesses específicos.
Partir do ponto de vista dos movimentos populares não é, obviamente, inventar situações, acontecimento e correlações de forças que beneficiem o campo popular ao nível da fantasia e da imaginação dos analistas interessados. É partir dos acontecimentos social e historicamente determinados, existentes, concretos, mas percebê-los, analisá-los, sob a ótica dos interesses das classes subordinadas, dado que toda análise de conjuntura só adquire sentido quando é usada como um elemento de transformação da realidade.
A análise de conjuntura deve levar em conta as articulações e dimensões locais, regionais, nacionais e internacionais dos fenômenos, dos acontecimentos, dos atores e das forças sociais.
“Estratégia” e “tática”
As categorias “estratégia” e “tática” são também elementos úteis para a análise da ação dos diferentes atores sociais. É possível buscar identificar as linhas gerais de ação, as estratégias empregadas por estes atores sociais para conseguir realizar seus objetivos. Poderíamos definir como estratégia a articulação, a definição de um conjunto de meios, de forças , de elementos tendo em vista realizar objetivos gerais ou “projetos” mais globais que respondam a interesses e objetivos sociais, econômicos e políticos de determinadas forças ou classes sociais.
Se na “estratégia” observamos os objetivos e linhas de ação mais gerais, na “tática” observamos os meios e as formas particulares, concretas de ação, tendo em vista a realização de estratégias determinadas.
Nem sempre, porém, um acontecimento, ou um conjunto de ações aparentemente articulares entre si constituem uma tática ou uma parte de uma estratégia. Na sociedade, no processo social, o que acontece não tem que ver necessariamente com uma lógica ou um plano estabelecido. Só as teorias conspirativas ou “estruturalistas” da história acreditam nisso. Por isso, as análises de conjuntura deveriam estar sempre abertas à redescoberta de várias possibilidades e alternativas.
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Fonte: Souza, Herbert José. Como se faz uma análise de conjuntura, p.9-18
22ª edição, editora Vozes, Petrópolis-RJ, 2001 - Disponível em:
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