terça-feira, 18 de outubro de 2011

Ernst Bloch, Esperança e Educação


Escrevi o texto abaixo há algum tempo para o periódico português A Página da Educação, tendo como referência Ernst Bloch, para realçar a relação entre esperança e educação. Mas, de pronto, repiso: não falo da relação esperança e educação na perspectiva do modismo que, ao fim e ao cabo, não passa de impressionismo. Do que se trata é de buscar um ânimo subjetivo no interior da própria materialidade, como substrato ontológico da práxis, e não como produto da práxis e da dialética ontológica que ela produz.  Ao  artigo. 

 
O Princípio da Esperança: livro clássico de Ernst Bloch 

“Senhoras e Senhores, vamos começar moderadamente. Mas também com vigor e ousadia. Vamos começar com os sonhos. Não sonhamos apenas durante a noite. Sonhamos também durante o dia, embora não se investigue com igual energia o sonho diurno. Chega-se mesmo a reduzí-lo a um simples prelúdio do sonho nocturno. Entre ambos há distinções consideráveis. No sonho diurno, o eu não desaparece. Mantém-se bem vivo e sem exercer nenhuma censura. A ponto de os desejos tanto mais funcionarem. Serem mais visíveis, do que no sonho nocturno. Apresentarem-se sem máscara nem vergonha. Livres de inibições. Corajosamente. As ruas vivem cheias de gente com sonhos diurnos”. 

Estas são as palavras iniciais de 
Ernst Bloch pronunciadas numa Conferência a respeito do ser humano como possibilidade. De Bloch, entre muitas coisas, pode dizer-se que foi um daqueles que, com palavras e com actos, pôs a descoberto o sentido quotidiano da utopia, da esperança, do sonho. Nasceu na Alemanha, em 1885, onde estudou filosofia, filologia, música e física. Em Berlim, conviveu com Simmel; em Heidelberg, tomou parte nos famosos círculos de conversas de Weber, dos quais também participava Lukács. Como pacifista que era, viu-se obrigado a passar o fim da Primeira Guerra Mundial na Suíça. Voltou à Alemanha em 1920, mas em 1933 os seus livros foram queimados em praça pública pelos nazis.. Exilou-se na Áustria, o que, claro, foi insuficiente. Seguiu-se a mudança para os Estados Unidos. Regressou à sua pátria em 1949.

O seu primeiro livro (Princípio da Utopia), publicado em 1923 na Suíça, já contém, em germe, toda uma concepção filosófica que será desenvolvida em sua obra principal, ou seja, o Princípio da Esperança. Na verdade, toda a reflexão filosófica de Bloch é uma busca de tematização ontológica do sujeito, dado que, para ele, é a subjectividade que atribui sentido ao mundo. E isto é deste modo porquê, pela óptica blochiana, é ela, a subjectividade, que encarna as possibilidades de futuro que constituem a própria realidade. O futuro vem a ser a dimensão própria do sujeito, da consciência. 

Bloch procura dissimular o poder criador da praxis do sujeito no pressuposto de uma materialidade avivada por um sentido que se desdobre através dos seres humanos e sua consciência. O que se tem, portanto, não pode ser outra coisa: Estamos perante uma ontologia que se constrói como justificativa de uma proposta ética da mudança, para que homens e mulheres venham a ser aquilo que ainda não o são. O seu conceito de utopia nasce dessa ontologia, e desse modo, ele, o conceito, difere da conotação tradicional do termo. Nada mais, nada menos porquê, na acepção blochiana, a primeira função da utopia é a de manifestar aos outros, ou a um outro, que o real não se esgota no imediato. Quer dizer, o real é mais do que o agora: ele aponta, pela via do possível, para o que ainda não existe. A utopia nega a realidade e mostra que o real está prenhe de possíveis. 

A démarche blochiana conduz-nos à busca de um ânimo subjectivo no interior da própria materialidade, como substrato ontológico da práxis, e não como produto da práxis e da dialéctica ontológica que ela produz. A matéria é espiritualizada para ontologizar a dialéctica do sujeito. A qualificação da matéria apresenta-se como uma espécie de tradução da projecção da consciência. 

Dessa maneira, o ser humano é entendido como devir, encarnado em possibilidades objectivas. A força do impulso que empurra o ser para o que ainda não é, torna-se a substância comum do mundo, dos homens e das mulheres. É assim. A esperança é uma forma de conhecimento da dimensão possível presente no próprio real. E se o possível é parte integrante da realidade, ele é objecto do conhecimento.  

O educador é alguém, portanto, à quem se demanda empenho na interpretação dos “sinais dos tempos”. Entre as suas incumbências, tem a tarefa de distinguir onde estão as possibilidades de realização dos seres humanos e para onde eles conduzem o nosso tempo, pois, mesmo perante conjunturas indecisas e adversas, os sonhos diurnos não desaparecem do quotidiano: o princípio da esperança. O não deste é um ainda-não, ao invés do não-nunca do niilista. Um graal a conquistar, poder-se-á dizer, à maneira da sabedoria dos surrealistas.

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