El
amor es exclusivamente un acto de la voluntad y por lo tanto, en esencia, no
importa en demasiado quién son las dos personas.
(Erich
Fromm)
Erich Fromm e Sigmund Freud |
Por Ivonaldo Leite
Quando foi tomado
pela ideia de eterno retorno, no caminho de Engadine, Nietzsche comoveu-se até
as últimas lágrimas, assim como Jung, ao lado da jovem Sabina Spielrein, na
ópera, não sustentou o choro. Em ambos os casos, variações de um mesmo
sentimento de satisfação, em fronteira com o amor, presente, por exemplo,
na exclamação de Jung quando foi indagado por Sabina sobre a razão das suas
lágrimas: Felicidade, exclamou ele[1].
O amor, portanto, em
suas diversas variáveis, ressalte-se, comporta dimensões que não se coadunem
com “traduções” simplistas. Atento a isso, Erich Fromm desenvolveu uma
apreciação crítica da abordagem freudiana sobre o referido tema, que, como é
sabido, em Freud, incide fundamentalmente sobre a sexualidade. Aponta Fromm que
Freud cometeu o erro de ver o amor “exclusivamente como expressão – ou uma
sublimação – do instinto sexual” [2].
Mais ainda, prossegue ele: “Freud chegou a supor que a sexualidade, per
se, é masculina, o que o fez ignorar a sexualidade feminina em sua
especificidade. Expressou tal ideia na obra Uma Teoria Sexual,
dizendo que a libido possui regularmente uma natureza masculina, trate-se da
libido masculina ou feminina”[3].
Posto isto, From passa
a apresentar uma definição do amor. Conforme esta, o amor não é essencialmente
uma relação com uma pessoa específica; é uma atitude que determina o tipo de
relação de uma pessoa com o mundo como totalidade, não com um “objeto” amoroso.
Se uma pessoa, enfatiza ele, ama outra e é indiferente ao resto dos seus
semelhantes, seu amor não é amor, mas sim uma relação simbiótica, ou um egoísmo
ampliado. Continua o autor de A Arte de Amar: a maioria das
pessoas supõe que o amor é constituído por um objeto, não por uma capacidade;
“chegam a crer que apenas o fato de se amar uma pessoa prova a intensidade do
amor. Como não compreendem que o amor é uma atividade, um poder da alma,
acreditam que ele pode ser concebido como um objeto”[4].
Isto significa,
enfatiza ele, que o amor, em todas as suas formas (maternal, paternal,
fraternal, erótico), deve ser compreendido como sendo consubstanciado por alguns
elementos básicos interligados, como, por exemplo, cuidado, responsabilidade e conhecimento.
O cuidado refere-se
à atenção, à ternura, estando relacionado com a responsabilidade,
no sentido de manter-se atento para responder às necessidades do/a outro/a. Mas
sem que isso implique qualquer grau de possessividade, de dominação, sobre o
outro. Daí decorre o imperativo da ideia de respeito ao modo como o/a outro/a
é, o que, por outro lado, aciona a noção de conhecimento, pois,
para se respeitar como alguém é, requer-se que se conheça esse alguém.
Dessa forma, Fromm questiona novamente o ‘pai da psicanálise’: “o que Freud paradoxalmente não tem
em conta é o aspecto psicobiológico da sexualidade, a polaridade entre os sexos
e o desejo de resolver essa polaridade por meio da união. Esse curioso erro
provavelmente foi facilitado pelo extremo patriarcalismo de Freud”[5]. Seguindo esse encadeamento,
realça que o amor genuíno não é um afeto no sentido de que alguém nos afeta,
mas sim a potencialização da própria capacidade de amar e que tende ao
crescimento e a felicidade da pessoa amada.
Ou seja, amar alguém
é a realização e a concentração do poder de amar. A afirmação básica contida no
amor dirige-se à pessoa amada como uma internalização das qualidades
essencialmente humanas. E então, infere Fromm, o amor é uma arte, sendo
fundamental para o seu êxito a superação do egoísmo/narcisismo, pois egoísmo e
amor se opõem, na medida em que “as pessoas egoístas são incapazes de,
verdadeiramente, amarem as demais pessoas”[6].
E talvez não amem nem mesmo a si próprias, visto que vivem ansiosamente
preocupadas em arrancar da vida as satisfações que elas mesmas se impedem de
ter.
Da ‘tese do amor como
arte de amar’, temos um libelo crítico a Freud, que, assinala Fromm,
desconsidera as diversas variáveis do amor e o reduz “basicamente a um fenômeno
sexual”[7]. Procurando evidenciar o
suposto reducionismo do ‘pai da psicanálise’, ele coloca em realce o modo como
esse trata do amor fraterno: “para Freud, a experiência do amor fraterno é um
produto do amor sexual, mas no qual o instinto sexual se transforma em um
impulso com finalidade inibida”[8]. Para
o autor de A Arte de Amar, o pensamento freudiano padeceu de uma
influência de um determinado materialismo predominante no século XIX, o qual
levava a crer que todos os fenômenos mentais se encontravam nos fenômenos
fisiológicos. Por conseguinte, Freud considerou o amor, o ódio, a ambição,
etc., como outros tantos produtos das diversas formas do instinto sexual. Não
conseguiu ver que a realidade básica está na totalidade da existência
humana, isto é, em primeiro lugar, na situação humana comum a todos os seres
humanos; e em segundo lugar, na prática de vida condicionada por uma estrutura
específica de sociedade.
Estamos, enfim,
diante de duas posições clássicas no seio da analise social em torno de algo
nada irrelevante: através da abordagem do amor, a busca da fusão interpessoal
para transcender as vidas individuais. As lágrimas de Jung ao lado de Sabina Spielrein.
Felicidade. A leveza do ser proporcionada pela arte de amar.
Notas
[1] Trata-se de uma das cenas mais significativas
do filme Jornada da Alma.
[2] FROM, Erich. El arte de amar: una investigación sobre la
naturaleza del amor. Buenos Aires: Paidós, 2010, p. 55.
[3] Ibidem, p. 56.
[4] Ibidem, p. 67-68.
[5] Ibidem, p. 55-56.
[6] Ibidem, p. 85.
[7] Ibidem, p. 121.
[8] Ibidem, p. 121
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