terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Ecologia, educação e saúde: desafios

Escrevi o breve texto abaixo em coautoria com o meu amigo Muniyandi Elumalai, pesquisador indiano com aguda percepção do processo de investigação e - sobretudo por sua pertença cultural - da própria vida. Foi publicado como artigo de opinião/divulgação científica pelo Jornal da Ciência, órgão da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). 

Guatarri (d), em companhia de Deleuze: a questão das três ecologias 

Por Ivonaldo Leite e Muniyandi Elumalai 

Com as suas três ecologias, Félix Guattari bem expressou a dimensão da problemática que envolve o assunto e, ao mesmo tempo, aportou subsídios para se questionar os lugares-comuns no debate sobre meio ambiente.
Isto é, trata-se de entender que, não obstante a importância do tema, as discussões sobre a questão ecológica, por vezes, se têm limitado, de um lado, a reproduzir chavões e, de outro, têm levado a efeito abordagens que enviesam a compreensão do que está em pauta.
Neste último caso, o fato é uma decorrência de se adotar enfoques disciplinares (apenas de uma área do conhecimento) para um tema que, de per si, é marcado pela pluralidade epistêmica, demandando, por exemplo, a necessária interconexão entre as ciências físico-naturais e as ciências sociais/humanas.
Ao realçar os escopos de uma ecologia do meio ambiente, das relações sociais e da subjetividade humana, Guattari apreende a questão como totalidade e nomeia como ecosofia a relação entre estas três ecologias. As conseqüências dessa formulação, para o agir concreto, são óbvias, como logo perceberão os que têm treino no assunto. De tão evidentes, não convém repisá-las em pormenor, até porque, para as mentes versadas nos jogos do espírito, fica sempre subentendido que as teses são propostas cum grano salis. Contudo, permitimo-nos pôr em relevo duas decorrências interligadas.
A primeira concerne ao papel da educação. Sabendo-se que esta, dizendo respeito à dimensão escolar e não-escolar, consubstancia relações de sociabilidade que, ao fim e ao cabo, estruturam padrões societais (afinal, a repetição da ação configura a estrutura), é imprescindível que ela seja mobilizada como dispositivo de persuasão social (o que não significa normatividade curricular formal) na consecução da agenda de consciência ecológica.
A segunda refere-se às iniciativas do campo da saúde. Além das variáveis que o relacionam ao meio ambiente em si, é de se reter - quando temos em conta que a ecosofia pressupõe relações sociais e subjetividade humana que os serviços de saúde têm uma imprescindível função a desempenhar nas atividades de cidadania ecológica, nomeadamente no que toca ao aspecto preventivo. O que requer interação, diálogo, portanto trabalho educativo junto à população.
Ainda no que toca ao campo da saúde, também não se pode colocar de parte que determinados estados fisiológicos não são dados completamente objetivos, como mostram vários trabalhos psicossociológicos, mas, sim, exigem interpretação relacionada aos contextos sociais nos quais são produzidos.
O que significa dizer que devem ser focados a partir do âmbito cultural, ou seja, impõe-se que a educação seja acionada. A propósito, não é de se esquecer a célebre pesquisa de Howard Becker mostrando que a satisfação invocada pelos usuários de maconha não é imediata. É produto da aprendizagem resultante da pertença a um grupo de fumantes.
Tal é a démarche que se impõe para a superação dos lugares-comuns e dos entendimentos enviesados em torno da problemática ecológica. São abordagens que, apesar de vislumbrarem os perigos mais evidentes que ameaçam o meio ambiente natural das sociedades, geralmente se limitam a focar os danos industriais e, mesmo assim, numa perspectiva tecnocrática. É necessário ir além disso.
O problema fundamental está colocado em outro patamar, expresso, por exemplo, num desafiante paradoxo: por um lado, tem-se o desenvolvimento contínuo de novos meios técnico-científicos capazes de atender às demandas ecológicas e determinar o (re)equilíbrio das atividades socialmente úteis para o planeta; por outro lado, porém, verifica-se a indisposição sistêmica no sentido de os utilizar nesse sentido.
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Fonte: http://www.jornaldaciencia.org.br/imprimir.jsp?id=60159


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