terça-feira, 12 de setembro de 2017

O tamanho do infinito: mesmo tudo não é nada

Cabo Branco - João Pessoa


 Por Ricardo S. Kubrusly
(Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ) 


O contador de história e o cozinheiro

Há muitos e muitos anos, começava o contador de histórias: nada havia. Em volta dele as pessoas vinham chegando curiosas com a sua maneira tranquila de misturar fatos e sonhos como que um mestre cuca a temperar ao seu sabor e arte os mais variados pratos. O nada ali à-toa, entediado de ser nada apenas, esperava pacientemente. Sorte sua que mesmo o tempo que sempre pensamos ter sempre existido ainda não havia sido inventado, e a história de sua invenção estava para ser ali contada. A paciência talvez, junto ao nada, era tudo o que existia. Por sopro ou grito, dizia o contador de histórias, e ninguém o entendia agora, o nada, que era de fato tudo, se transforma em gases quentes, luzes, e matéria reticente, para estudo dos físicos que ainda haveriam de aparecer um dia. E tudo se transformava a contento e galáxias surgiam fagueiras num frenesi de criação e alegria. Então..., dizia o contador de histórias, e nessa altura as pessoas riam e não riam e se espantavam com tudo que entendiam e com tudo que não entendiam.

A invenção do Tempo
 Lá vinha ele com novas histórias. Dizia que a terra, agora já toda povoada de plantas e bichos de todos os tipos e sem gente alguma em qualquer parte, vivia feliz e deslumbrante. Tudo vivia sua própria necessidade, prazer, trabalho e descanso, eram uma só coisa que se chamava vida. Um belo dia, pois todos os dias eram belos, um jovem macaco, após se alimentar das frutas de que mais gostava, se pendurou pelo rabo, de cabeça pra baixo, olhando o mundo de cima, meio dormindo, meio acordado, a balançar como só macacos sabem fazer. Ainda não havia anoitecido e dali, daquele posto natural de observação, ele percebia todo movimento da floresta. Como era intensa a luta diária de todas as espécies que ali viviam e morriam sem se dar conta de que ali viviam e morriam. Tudo era parte natural da floresta, do planeta e de todo universo. A morte ainda não existia, pelo menos a preocupação com a morte não fazia sentido. Tudo era parte de um só processo: o da existência do universo como um todo. O macaco balançava-se observando os ciclos da vida, e dali, como que separado de todo aquele processo, se deu conta que todos a sua volta, de fato, nasciam, cresciam e depois morriam; e que havia uma interrupção, um fim para tudo o que começava... e que ele também, algum dia, teria o seu final. Surgem então: preocupação e medo. A balançar somente, o macaco era agora um pêndulo, um relógio, e com que destino, se não o destino dos relógios: o de inventar o tempo. Quanto ainda me falta? ... foi seu primeiro pensamento. Cai o macaco do galho onde tudo era vida, e cai de pé, homem repleto de angústia e atrelado definitivamente ao tempo.

 O Eterno e o Infinito
A certeza do fim e a necessidade de dar um sentido à vida, agora bem delimitada, faz o homem dedicar-se à transcendência. Para aplacar essa angústia que o dominava, era preciso driblar o tempo e recriar a eternidade. Daí surgem todas as religiões, com seus deuses poderosos, e também o pensamento científico com a missão de compreender o que se passava e de deixar uma memória gravada que o tempo não conseguisse apagar. Surgem linguagem e matemática, surgem as perguntas filosóficas e as explicações da física, que, a cada instante, reinventava a natureza segundo seus caprichos e a moda de seu tempo. Era o pensamento buscando o infinito. O que ignora a morte, não tendo fim nem começo, diferente de toda a natureza, impossível, num universo onde tudo é finito, e vivo apenas na mente desse estranho animal do pensamento a que se transformara, no tombo, o macaco.

O infinito na Matemática
Na busca de enganar o tempo, o homem inventa e cria , sempre a partir de um ponto a que chegara anteriormente, montando um edifício de ideias e coisas que, por sua vez, dão origem a mais ideias e mais coisas num processo interminável de entendimento e transformação da natureza. No início, os primeiros começos vieram da própria natureza e do que dela surgia de mais simples e incontestável . Para tentar entender e explicar todas as coisas, o homem lança mão de sua capacidade de concatenar ideias e de inventar histórias. Estas duas capacidades, misturadas, formam o pensamento. O homem torna-se um explicador da natureza. Muito do raciocínio se baseia na fé, que muitas vezes é o caminho mais claro de compreender o que nos cerca. Crenças de toda espécie, foram e serão criadas, pois há e haverá sempre o que não cabe na razão, uma saudade do tempo, sem tempo, onde tudo é milagre.
Podemos entender a matemática como sendo, de todas as explicações e pensamentos, a parte que não depende de fé. Onde não é preciso a crença para atingir o entendimento, este é o mundo matemático. A matemática é tão antiga quanto o homem, e surge também com o tombo do macaco. O infinito na matemática adquire uma outra visibilidade, diferente de suas aparições artísticas e são de números a primeira estrada que leva ao seu entendimento, por isso começaremos por eles.

O Contador de objetos
Os números surgem com a necessidade de organizar e ordenar as coisas (objetos e ideias) que compõe nosso dia a dia. À medida que sofisticamos as nossas relações como pessoas, vamos necessitando cada vez mais de maiores números. Uma criança com seu mundo de objetos (mãe, alguns brinquedos e o resto que ainda não faz sentido) precisará de menos números para organizar seus objetos e ideias do que um adulto (principalmente se ele for um economista que, em geral, lida com números gigantescos). Alguns índios brasileiros, dentro de sua sabedoria, não precisam de muitos números e a verdade é que usam dois algarismos para formar seus únicos três números: Um, UmUm = dois (o casal) e Muitos. Vivem bem assim, sem grandes confusões e nenhuma aritmética. Esses mesmos índios nos acham muito estranhos e desnecessariamente complicados. Nos apelidam de Seres do dinheiro e das horas. Vivem sem esses dois conceitos. O tempo é o seu próprio tempo e não faz sentido dividi-lo em tantos números... e o dinheiro é (para eles) ridículo e desnecessário, fonte apenas de muitos números e aborrecimentos.
Feliz ou infelizmente, a complexidade intelectual que atingimos através dos tempos exige de nós a capacidade de articular com uma quantidade de números cada vez maior. Se, por um lado, isso nos expulsa do paraíso da ingenuidade onde éramos e formávamos a natureza e seus mistérios, por outro, nos abre também as portas de novas percepções.
Quem são, na realidade, estes seres de matéria abstrata e irresponsável que inventamos sem cessar dia e noite? O que são os números?
Os números podem ser vistos como símbolos que representem quantidades. Foram e serão sempre necessários para contar objetos. Estes são os números naturais, 1,2,3... Associamos para cada objeto a ser contado um número natural, começando do 1 e seguindo a sequência crescente em que eles se apresentam. Quando concluímos a contagem de um certo conjunto de objetos, o número associado ao último objeto contado é o número total de elementos do conjunto, que chamamos a Cardinalidade do conjunto. Para saber então, quantos elementos tem um conjunto, basta associar cada um de seus elementos a um número natural em sequência e tomar o último natural associado.

1,2,3..

O maior de todos os números, para uma criança pequena, pode ser o 100 ou o 1000 ou mesmo10000000000000, mas se nos perguntarmos seriamente sobre o maior número natural, não será difícil perceber que ele não existe. Imaginemos que de fato ele exista e que tenha um nome e que se chame Longínquo. Ora, se a cada número n segue sempre o seu sucessor, que é igual a n+1, também a Longínquo, seguirá Longínquo + 1, que destituirá deste a qualidade de último e maior de todos os números. Desta maneira, os naturais são um exemplo claro de um conjunto infinito, isto é, que não tem fim, que nunca se acaba. Curioso também, que se perguntarmos aos nossos amigos ou parentes o que é infinito e pedirmos exemplos de conjuntos infinitos, poderemos escutar que infinito é o número de grãos de areia na praia de Copacabana, ou o número de estrelas no céu, ou mesmo o número de pontos num segmento de reta. Analisando esses exemplos podemos entender melhor o que é o infinito.

Contando os grãos de areia da praia de Copacabana.
Serão infinitos os grãos de areia da praia? Não sei, vamos contá-los. Primeiro temos de ir a Copacabana, munidos de uma caixinha de fósforos vazia. Depois temos de olhar bem a paisagem, calculando aproximadamente as muitas distâncias do local. O comprimento da orla é de aproximadamente 5km e a extensão da faixa de areia mede mais ou menos uns 50m. Se imaginarmos as montanhas tão lindas que atrás dos prédios emolduram a beleza do lugar, podemos imaginar que elas se estendem por debaixo de todo areal rumo ao mar. Observando as inclinações dos morros em volta, podemos deduzir a profundidade da camada de areia no local: talvez 100m. Findo o passeio e as observações, volta-se para a casa ou para a escola, sem esquecer de encher, sem apertar , a caixinha de fósforos com areia da praia.
Agora limpamos uma mesa bem grande e lisa e espalhamos sobre ela o conteúdo da caixinha, espalhando o melhor possível. A ideia é que sobre a mesa fique uma camada de areia com área calculável e a espessura de um grão apenas. Após estimar a área da camada espalhada, separamos um quadrado de 1cm de lado e contamos nele todos os grãos, com o auxílio, é claro, de uma lupa e um estilete bem fino. Deve dar um trabalhão, mas depois é fácil: basta multiplicar a quantidade de areia contada pela área da camada de areia e depois pelo volume estimado da praia; mantendo coerência nas unidades métricas. Se contarmos 10 milhões de grãos na caixa de fósforos que deve ter um volume de 10 cm3, obteremos um total de


que é a ordem de grandeza de 1020 grãos de areia, que, como vimos, é um número finito que pode ser escrito em um pedaço pequeno de papel.
Da mesma maneira podemos calcular, com as informações que os astrônomos dispõe hoje em dia, o número de estrelas no céu, que também será finito, assim como finito também será o número de átomos de todo universo, se acreditarmos nas teorias, hoje em moda, da criação do universo pelo big bang. Será um número muito grande; da ordem de

1090 = 1000000000000000000000000000000000000000000
000000000000000000000000000000000000000000000000


mas não tão grande, que gastemos mais de duas linhas para escrevê-lo.

Os infinitos pontos de uma reta
Para entendermos o outro exemplo, o do número de pontos num dado segmento de reta, é preciso que se faça uma diferença entre pontos físicos que são pedaços de matéria que compõe um todo e, nesse caso, o número de pontos de qualquer objeto será sempre finito e menor do que o número acima, e pontos matemáticos. Pontos, retas, planos são entendidos como entidades puramente matemáticas e abstratas. São consideradas contínuas e, portanto, com capacidade de serem divididas eterna e infinitamente. Qualquer tamanho pode ser sempre dividido em duas metades e esse processo de dividir por metades nunca terá fim. Segundo Euclides, autor do primeiro livro de matemática há mais de 2000 anos atrás, o ponto é o que não tem partes e, portanto, não será divisível em metades. Não terá tamanho ou medida e por não ocupar espaço será possível amontoar uma infinidade deles em qualquer segmento de reta. Isto nos leva a concluir que, além dos números, existem outras possibilidades de infinito: segmentos de retas ou figuras planas com uma certa área ou volumes de um dada porção de espaço têm um número infinito de pontos matemáticos. Estes formam, junto dos números, os conjuntos infinitos que estamos estudando aqui. Se chamarmos de "tamanho" do segmento ao número de pontos que ele contém, concluiríamos espantados que todo segmento tem o mesmo "tamanho", porque, dados dois quaisquer segmentos, podemos sempre estabelecer, como mostra a figura, uma correspondência biunívoca entre seus pontos, o que impede que um dos segmentos seja "maior" do que o outro. Uma correspondência biunívoca entre dois conjuntos é a que associa a cada ponto de um conjunto um único ponto do outro e vice versa.

Uma transformação semelhante mostra que uma semi-reta infinita ainda é do mesmo "tamanho", isto é, contém o mesmo número de pontos do que um segmento qualquer. Veja, na figura abaixo, como podemos representar essa transformação: une-se o vértice (0,1) do quadrado de lado 1 a um ponto X qualquer no semi-eixo positivo pelo segmento r , e baixa-se a perpendicular desde a interseção de r com a diagonal d até o intervalo [0,1] , determinando-se assim o ponto transformado xÂ’.



Os números naturais e alguns de seus subconjuntos
O conjunto dos naturais é infinito, como também são infinitos muitos dos seus subconjuntos. Observando a tabela abaixo, notamos vários conjuntos infinitos, todos contidos propriamente nos naturais, o que nos leva a suspeitar que qualquer conjunto infinito contém sempre subconjuntos infinitos. Se isso for verdadeiro, infinitos sempre aparecerão em sequências infinitas de infinitos.


  
As duas primeiras linhas da tabela mostram os conjuntos dos números naturais e o dos números pares. Uma aparente contradição logo prende a nossa atenção. Se, por um lado, é claro que o "tamanho" dos naturais ( e por tamanho, estamos entendendo o número total de elementos) é maior do que o "tamanho" dos Pares, pela simples razão que a estes faltam todos os ímpares (1,3,5,7,9...). Também é claro que, a cada Natural, corresponde um único Par e vice versa, e que esta correspondência biunívoca é estabelecida pela multiplicação por 2. Desta maneira, não pode haver mais naturais do que Pares e o "tamanho" dos dois deve ser o mesmo. Dizemos que ambos têm a mesma cardinalidade. Podemos concluir, um pouco surpresos é claro, que os conjuntos listados na tabela acima têm todos o mesmo "tamanho", embora o que retiramos dos naturais para formar cada um deles seja cada vez maior. Conjuntos com a mesma cardinalidade dos naturais são chamados de contáveis ou enumeráveis. Este paradoxo dos conjuntos infinitos contáveis, já preocupava os matemáticos desde os tempos de Galileu, 300 anos atrás, e possibilitou mais tarde uma definição matemática definitiva para o infinito.

Uma definição para o infinito
No final do século passado, Cantor e Dedekind tiraram proveito da aparente contradição lógica inerente aos conjuntos infinitos para defini-los. Esta aparente contradição, decorre do fato de que conjuntos infinitos não respeitam à máxima de que o Todo é sempre maior do que qualquer de suas Partes , pois, como acabamos de ver, os naturais não são maiores do que os Pares ou qualquer dos seus subconjuntos infinitos, como, por exemplo, os ímpares ou os múltiplos de 3, ou 4, ou 567.

Um conjunto é infinito se e somente se ele contém um subconjunto próprio em correspondência biunívoca com ele mesmo.

 Esta definição nos diz que se A é infinito, necessariamente existe B, um subconjunto próprio de A (logo existem elementos de A que não estão em B ), e apesar disso, A e B estão em correspondência biunívoca (logo a cada ponto de A corresponde um e somente um ponto de B). Que coisa estranha, não é? Coisas do infinito!
Como consequência desta definição, obtemos a esperada sequência infinita de infinitos; pois se A é infinito e se B está em correspondência biunívoca com A, B, por sua vez, também é infinito e então, pela definição, deverá existir um outro conjunto, digamos C, que estará em correspondência biunívoca com B, e que, consequentemente, também será infinito e conterá outro subconjunto e assim, sucessivamente, geraremos uma sequência infinita de infinitos. Ufa!

Os racionais
Os números racionais são o conjunto de todas as frações da forma p/q onde p e q são dois naturais quaisquer. Podemos construir os racionais através de uma tabela de dupla entrada onde as colunas representariam os numeradores e as linhas os denominadores.


Primeiramente, podemos notar que, aparentemente, há muito mais racionais do que naturais, já que, entre quaisquer dois naturais consecutivos, encontramos uma infinidade de racionais. Por exemplo: entre 5 e 6 temos, todos os números da forma 5+ i/n, para qualquer natural i < n. Se n=10, temos:


Observando a tabela dos racionais acima, pode-se esperar que o "tamanho" dos racionais seja igual quadrado do "tamanho" dos naturais, já que o número de elementos numa tabela de dupla entrada é calculado multiplicando-se o número de elementos das linhas pelo das colunas. Esperamos,  portanto, que a cardinalidade dos racionais seja maior do que a dos naturais. Mais uma outra surpresa do infinito nos aguarda.. Seguindo as setas desenhadas na tabela dos racionais, podemos contar todos os racionais, sem perder nenhum. Não é um espanto? Desta maneira, estabelecemos uma correspondência biunívoca entre os racionais e os naturais. Isto significa que os dois "tamanhos" ou as duas cardinalidades são iguais. Ambos são conjuntos infinitos contáveis.
Este resultado surpreendente nos leva a uma nova compreensão dos conjuntos infinitos. Parece que a cardinalidade dos conjuntos infinitos é imutável e que mesmo a potenciação de infinitos permanece invariante e contável. Temos uma álgebra estranha:
 + n =  ,  . n =  ,  n =  

que parece inalterável. Serão então, todos os infinitos iguais?

Os Reais
Os números reais podem ser postos em correspondência com os pontos de uma linha reta. Esta afirmação é conhecida como o Postulado da Régua, mas nem sempre foi entendido assim. Na Grécia Antiga, consideravam-se números apenas os racionais, pois estes eram combinações simples dos naturais, os verdadeiros números de então. Infelizmente, no entanto, não é possível estabelecer uma correspondência entre a linha reta e os racionais. Sempre sobrarão "buracos" na reta que não terão correspondentes entre os números. Esses "buracos" são preenchidos pelos números irracionais. Os irracionais aparecem primeiramente como medidas de segmentos geométricos. A diagonal de um quadrado de lado igual a um pode ser obtida pelo teorema de Pitágoras, que fornece o valor de  para essa medida de comprimento. Acontece que não existe nenhum número racional que expresse essa quantidade. Se tentarmos escrever  , para dois naturais p e q , chegaremos ao absurdo de que pelo menos um deles terá que ser ao mesmo tempo par e ímpar, o que é impossível. Resta-nos duas opções ; ou  não é mesmo um número e apenas uma medida geométrica, ou existem outros números além dos racionais. Para que se possa estabelecer a desejada correspondência entre números e a linha reta, o que permitirá a qualquer distância ser expressa por um número, a existência dos irracionais é imprescindível. A escrita dos irracionais, no entanto, não é fácil: são números que sempre têm uma infinidade de casas decimais e que, portanto, não podem ser completamente conhecidos, mas apenas aproximados. O mais famoso dos irracionais é o número  , que vale aproximadamente 3,14 . Podemos escrevê-lo com quantas casas decimais quisermos. Por exemplo, com 80 casas decimais temos:

3,1415926535897932384626433832795028841971693993751058209749445923078164062862090...

Após estabelecida a sua existência, é fácil observar que eles (os irracionais ) também formam um conjunto infinito, pois o produto de um Irracional por um Natural será Irracional. Qual será o seu "tamanho", a sua cardinalidade, o "tamanho" do seu infinito? Serão contáveis os irracionais?
A princípio, podemos pensar que sim. Afinal, pela própria escrita dos irracionais, existe para cada um deles uma sequência de racionais que o aproxima. Em outras palavras: existe sempre uma infinidade de racionais tão perto quanto quisermos de qualquer irracional. Veja o exemplo de  . A seqüência




de racionais, se aproxima cada vez mais do valor de   .
Mais uma vez, a nossa intuição falha. Vamos mostrar que a cardinalidade dos irracionais é maior do que a dos racionais. Para isto basta analisar os irracionais contidos entre zero e um. Se os dois tivessem a mesma cardinalidade seria possível contar os irracionais. Infelizmente ( ou felizmente?!) isso não acontece. Se os irracionais contidos no intervalo (0,1) fossem contáveis, existiria uma lista, como a descrita abaixo, contendo, ordenadamente, todos eles.

 

Mostraremos que qualquer lista que se pretenda completa, ou seja, contendo todos os irracionais entre zero e um, falhará na sua tentativa deixando pelo menos um e, portanto, uma infinidade de irracionais de fora. Para isto, basta construir um irracional que não pertença a tal lista que se supõe completa. Observe que o número 
b = b1 b2 b3 b4 b5 b6 b7 b8 b9 ...
não pode estar listado acima se escolhermos apropriadamente os seus algarismos significativos, de tal maneira que:

b1   a1,1 o que faz com que b1 seja diferente do primeiro elemento da lista

b2   a2,2 o que faz com que b2 seja diferente do segundo elemento da lista,

e assim teremos para qualquer natural n que bn an,n , o que faz com que bn seja sempre diferente do n-ésimo elemento da lista e, então, b não pertencerá a pretensa lista, qualquer que ela seja.
O que acabamos de mostrar é que nunca poderemos contar os irracionais. Sua cardinalidade, o tamanho do seu infinito, será maior do que a dos naturais ou racionais. Os reais, que são a união dos racionais com os irracionais, também terão o mesmo tamanho dos irracionais. Chamaremos a esse "tamanho", isto é, aos conjuntos em correspondência biunívoca com os reais, de não enumeráveis.

O Conjunto de Cantor
Santa Teresa D'Ávila passava os dias enclausurada com seus pensamentos, voltada para Deus. No seu modo de ver o mundo, tudo era insignificante diante do poder de criação divino. Nada, se comparado com Deus, tinha qualquer valor. Tudo como se fossem números diante do infinito. Ela expressava seus pensamentos através da conhecida máxima: "Mesmo Tudo Não é Nada". Georg Cantor, o maior mago do infinito matemático, inventou um conjunto cujas propriedades nos fazem pensar na velha santa inquieta.
Começamos com o segmento que representa o intervalo fechado [0,1]. Dividimos este segmento em três partes e jogamos fora o pedaço do meio, ficando com os outros dois terços extremos. Repetimos depois o mesmo procedimento com cada um dos segmentos restantes, sempre jogando fora o terço médio de cada divisão. Os quatro segmentos restantes sofrerão o mesmo processo de divisão e retirada do terço médio, dando origem a oito segmentos cada vez menores. Este processo deve ser repetido eternamente ( "ad infinitum"), sempre dividindo cada segmento restante por três e dispensando o terço médio de cada divisão. O que sobra no limite é o Conjunto Ternário de Cantor. Se examinarmos quais os pontos que restam após o processo infinito de construção do conjunto, observamos que os pontos extremos dos diversos segmentos, obtidos em qualquer etapa da construção do Conjunto de Cantor, estarão sempre presentes até o fim. Os pontos {0,1,1/3,2/3,1/9,2/9, ...8/925/27...etc. ...} pertencem, todos eles, ao conjunto final. Se numerarmos cada etapa da construção do conjunto por j =1,2,3,4,5...., observamos que são criados (para sempre) no conjunto 2j pontos na j-ésima etapa. Isso, ao contrário do que poderíamos pensar no início, faz com que o Conjunto de Cantor tenha muitos infinitos de pontos. Observe, por um momento, a figura abaixo que descreve várias etapas da construção.
 


O Conjunto de Cantor nos reserva duas surpresas do infinito: 
  1. O "tamanho" do Conjunto de Cantor.
É possível mostrar que o " tamanho" do Conjunto da Cantor, ou seja, seu número de pontos matemáticos, ou sua cardinalidade, é a mesma do segmento [0,1] ( e portanto de toda a reta) , apesar do tanto que se tira do segmento durante a construção do conjunto.
 Para isso, vamos começar observando que todo número , em qualquer base, tem uma (na verdade, pelo menos uma ) escrita infinita. Por exemplo: o número 1 pode ser escrito, na base dez, como 1,0000... ou 0,9999... que são duas maneiras de escrever a mesma quantidade igual a 1, o número 37,8694657 pode ser escrito , na base dez, como 37,86946570000... ou como 37,869465699999... . As dízimas periódicas só tem uma escrita infinita possível, por exemplo, 1/3=0,333..., já os irracionais têm apenas uma única escrita numérica possível, infinita, é claro. Por exemplo, na base dez temos,  =3,141592.... , e=2,7182818284590.....  = 1.414213562373.... etc.

Com isso em mente, vamos rotular os segmentos usados na construção do conjunto de Cantor. Começando pelo primeiro nível da construção, o intervalo [0,1] propriamente dito, que será chamado de "0,". Nos níveis subsequentes, chamaremos, sempre, aos intervalos de ordem ímpar de " 0 " e, aos de ordem par, de " 1 " , como mostra a figura abaixo. Desta maneira, estaremos associando a cada sub-intervalo utilizado na construção do conjunto de Cantor, um número real entre zero e um, escrito na base 2 (já que só utilizamos os algarismos 0 e 1 para escrevê-lo).
Se pensarmos agora no conjunto de Cantor pronto, já completamente construído, isto é, o limite ao infinito do processo de divisão ternária, previamente elaborado, podemos observar que:

1-Cada extremo de cada segmento construído em qualquer nível permanece fixo por toda a construção, pertencendo, portanto, ao conjunto (final) de Cantor. Lá estarão, por exemplo,  o 0 , o 1/3 , o 2/3 , o 1 , o 2/9 , o 7 /27, etc. Na verdade, o conjunto de Cantor é composto de todos esses extremos remanescentes no processo infinito de sua construção e, portanto, tem pelo menos um número infinito de elementos; mas isso ainda não é tudo o que queremos.
 2 - A associação feita acima entre cada segmento da construção do conjunto de Cantor e seu rótulo (ou 0 ou 1 ) cria uma infinidade ( por quê?) de sequências infinitas do tipo: 0, (ou 0 ou 1) (ou 0 ou 1)...... onde o dígito 0 ou 1 dependerá da escolha entre esquerda ou direita, feita na passagem dos níveis durante a construção do conjunto, como mostra a figura abaixo. Essas sequências apontam, precisamente, para os pontos remanescentes do processo de divisão ternária, isto é, para os elementos do próprio conjunto de Cantor.
 3- Finalmente observamos que as sequências infinitas criadas são de fato as escritas infinitas na base dois dos números reais entre zero e um. Esta correspondência é biunívoca, pois qualquer sequência do tipo 0, (ou 0 ou 1) (ou 0 ou 1) .... representa ( isto é, escreve na base dois ) um único real e, por outro lado, qualquer número real entre zero e um é representado ( isto é, tem sua escrita infinita na base dois dada) por uma sequência do tipo 0, (ou 0 ou 1) (ou 0 ou 1 ) ....

Assim, fica provado que o conjunto de Cantor é não enumerável.

  


2- O "peso"(?) do conjunto de Cantor.
Por outro lado, podemos observar facilmente, que se somarmos o tanto que se tira em cada etapa, ou seja, o comprimento do que jogamos fora temos:

 
que pode ser escrita como



que é a soma infinita de uma progressão geométrica de razão menor do que 1 e cujo valor pode ser diretamente calculado e é igual a 1. Se quisermos, porém, podemos aproximar passo a passo esse resultado, calculando cada vez mais termos desta soma e obtendo valores cada vez mais perto de 1. Veja os valores da soma para 1,2,3,10,20,50 e 100, termos respectivamente:  
.333333333333333333333333333333
.555555555555555555555555555556
.703703703703703703703703703704
.982658470084167386407898524954
.999699271340178282505744180080
.999999998431671454516041377666
.999999999999999997540345573420

Finalmente, para surpresa nossa, no limite, depois da construção completa do conjunto de Cantor, obtemos que o comprimento da soma do tudo que se retira (o verdadeiro tamanho que aqui chamamos de peso ) é o tudo que existia no início, ou seja , igual a 1.
Incrível ! O Conjunto de Cantor,  tem, ao mesmo tempo, o mesmo número de pontos do segmento [0,1], e toda a parte retirada também tem a mesma medida do segmento original. O tudo que se tinha é igual ao tanto que se retira que é o mesmo que restou.
Mesmo tudo não é nada. 

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Fonte: http://im.ufrj.br/~risk/diversos/tamanho.html. Título original: 'O tamanho do infinito'.