Por André Singer
(Cientista Político – USP)
As duas notícias mais fortes
da semana desenham um quadro melancólico. As trapalhadas da Lava Jato no
término da gestão de Rodrigo Janot talvez prenunciem um final
inglório para a operação moralizadora. O depoimento de Antonio
Palocci pode atingir duramente a liderança de Lula. O que
restará em pé quando o ciclo atual estiver concluído?
Os
áudios "domésticos" entregues pela dupla de falastrões da J&F são
menos importantes pelo enunciado de intenções demolidoras em relação ao
Judiciário do que pelas indicações de que o braço direito de Janot fazia jogo
duplo, comprometendo, talvez, a lisura da denúncia contra Temer oferecida pela
procurador-geral da República (PGR). É verdade que se trata de episódio tão
intrincado que é difícil saber, ao certo, quem procurava enganar quem. Mas,
justamente por ser indecifrável, a opinião pública julgará em função da imagem
difusa que a mídia projeta a respeito do assunto, a qual, no conjunto,
desfavorece a PGR.
Vale,
a propósito, um parêntese sobre o que os norte-americanos chamam de fator
"spin". A maneira pela qual as notícias são editadas repercute sobre
o modo de reação dos receptores.
Tome-se,
por exemplo, a Folha e "O Globo" de quarta (6).
Enquanto a manchete da primeira destacava: "Áudio sugere que procurador
atuou em delações da JBS", o segundo optou por: "Janot denuncia Lula,
Dilma e PT por organização criminosa". Em um caso, as dificuldades da Lava
Jato foram ressaltadas; no outro, obscurecidas pela manobra, típica do
"spin", de criar, no mesmo dia, fato capaz de se sobrepor
noticiosamente ao anterior.
Na
quinta, entretanto, os dois jornais saíram com as mesmas palavras no alto das
capas, anunciando o "pacto de sangue" que Palocci afirmara ter
ocorrido entre Lula e Emílio Odebrecht no final de 2010. Não houve acaso. A
expressão utilizada pelo ex-ministro no interrogatório dirigido por Sergio Moro
foi dita sob medida para caber nos títulos principais da imprensa do dia
seguinte.
Na
ausência de provas, é impossível saber se é verdadeira, mas a afirmação de
Palocci, pela proximidade que teve com o ex-presidente, constitui o pior
momento para o lulismo desde o início da Lava Jato. Palocci tentou fornecer o
elo entre recursos públicos e supostos favores empresariais, ligação da qual
Curitiba precisa desesperadamente, e, ao mesmo tempo, comprometer a imagem do
ex-mandatário enquanto condottiere popular, pois o seu acordo sanguíneo deveria
ser com o povo, não com os ricos.
Não
se consegue prever, com tanta antecedência, como o eleitorado vai reagir quando
chegar a hora do voto. Mas a desmoralização da Lava Jato e a nódoa lançada
sobre o lulismo fazem temer um longo período marcado por desesperança e
retrocesso.
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Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/andresinger/