Por Leont Etiel
Era
um mês que principiava lentamente, e que, embora no começo, trazia em si a
surpresa de um cansaço visionário. Há situações da vida que se revelam assim: a
surpresa está onde não se conta que ela se encontre, por isso surpresa, estas
grandes, outras pequenas e médias. O fato é que as surpresas não boas têm mais
propriamente os nomes de decepção e frustração, ao passo que as agradáveis
abrem frestas no tempo para oxigenar a existência e fazer a eternidade de
momentos chamados de felicidade.
O
tempo de outono recuava dando lugar às chuvas frias de um inverno com ventos
fortes e ásperos que estiolavam a calma de folhas tenras das árvores, estas
confiante demais, indefesas, perante o ciclo convencional da natureza.
Pássaros, assustados, voavam por sobre o parapeito da janela; habitualmente
pousavam ali na busca de comida, ao mesmo tempo em que cantavam observando o
Atlântico. Um mês que principiava lentamente com chuva. Os bem-te-vis tinham a sua
ousadia desafiada pelas águas, sendo jogados para um lado e para outro,
desviados do seu ordinário trajeto e do seu alvo, e protestavam, em piados,
contra o clima inconstante.
Turvo,
de toda forma, era o tempo. Um oceano cinzento, carregando para muito longe os
olhos de quem o observava, não lembrava em nada que as suas águas poderiam aparentar
azul ou verde. Assim são determinadas estações. Carregam expectativas não se
sabe para onde, deixando tão somente aos que vivem no universo paralelo do
ilusionismo, impermeável que é à reflexão, a ideia de que tudo corre o seu
curso ordinário. Poderá restar-lhes,
talvez, se acordarem, algum alento com o fato de que, enquanto o Titanic
afundava, a orquestra tocava.
Era
um mês que principiava, enigmático. Não
se espere de tempos assim nada para além do que eles são. E do que, no seu
limite, podem oferecer. São, no entanto, tempos que dizem mensagens sem que muitas
vezes elas sejam percebidas, tempos que passam revelando e ocultando, abrindo
caminhos que provavelmente nem todos estão aptos a seguir, e que, por assim ser,
deixarão às margens os que não se dão conta do seu sentido. Órfãos dos outros,
e principalmente do seu espírito próprio.
As
nuvens compareciam todas ao mesmo tempo, e foi só ao fim do dia que o sol, numa
pequena fresta, surgiu para lembrar da existência do crepúsculo e da transição
que ele prenuncia. Há vidas que vão como que anotadas em bilhetes, aos poucos,
de alegrias e de dores, num tempo de outono recuando que vai dando lugar às
chuvas, por vezes em lágrimas, do inverno.
O
relógio mantém o seu ritmo. O mar cinzento já praticamente não se enxerga. Uma
certeza chega: seja como for, amanhã há de vir, e pelo menos já não será hoje. No
horizonte há um pouco do indecifrável que habita cada um.