segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Amanhã há de vir

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Por Leont Etiel

Era um mês que principiava lentamente, e que, embora no começo, trazia em si a surpresa de um cansaço visionário. Há situações da vida que se revelam assim: a surpresa está onde não se conta que ela se encontre, por isso surpresa, estas grandes, outras pequenas e médias. O fato é que as surpresas não boas têm mais propriamente os nomes de decepção e frustração, ao passo que as agradáveis abrem frestas no tempo para oxigenar a existência e fazer a eternidade de momentos chamados de felicidade.
O tempo de outono recuava dando lugar às chuvas frias de um inverno com ventos fortes e ásperos que estiolavam a calma de folhas tenras das árvores, estas confiante demais, indefesas, perante o ciclo convencional da natureza. Pássaros, assustados, voavam por sobre o parapeito da janela; habitualmente pousavam ali na busca de comida, ao mesmo tempo em que cantavam observando o Atlântico. Um mês que principiava lentamente com chuva. Os bem-te-vis tinham a sua ousadia desafiada pelas águas, sendo jogados para um lado e para outro, desviados do seu ordinário trajeto e do seu alvo, e protestavam, em piados, contra o clima inconstante.
Turvo, de toda forma, era o tempo. Um oceano cinzento, carregando para muito longe os olhos de quem o observava, não lembrava em nada que as suas águas poderiam aparentar azul ou verde. Assim são determinadas estações. Carregam expectativas não se sabe para onde, deixando tão somente aos que vivem no universo paralelo do ilusionismo, impermeável que é à reflexão, a ideia de que tudo corre o seu curso ordinário.  Poderá restar-lhes, talvez, se acordarem, algum alento com o fato de que, enquanto o Titanic afundava, a orquestra tocava.
Era um mês que principiava,  enigmático. Não se espere de tempos assim nada para além do que eles são. E do que, no seu limite, podem oferecer. São, no entanto, tempos que dizem mensagens sem que muitas vezes elas sejam percebidas, tempos que passam revelando e ocultando, abrindo caminhos que provavelmente nem todos estão aptos a seguir, e que, por assim ser, deixarão às margens os que não se dão conta do seu sentido. Órfãos dos outros, e principalmente do seu espírito próprio.
As nuvens compareciam todas ao mesmo tempo, e foi só ao fim do dia que o sol, numa pequena fresta, surgiu para lembrar da existência do crepúsculo e da transição que ele prenuncia. Há vidas que vão como que anotadas em bilhetes, aos poucos, de alegrias e de dores, num tempo de outono recuando que vai dando lugar às chuvas, por vezes em lágrimas, do inverno.  
O relógio mantém o seu ritmo. O mar cinzento já praticamente não se enxerga. Uma certeza chega: seja como for, amanhã há de vir, e pelo menos já não será hoje. No horizonte há um pouco do indecifrável que habita cada um.