Por Ana Macarini
(Escritora, Mestre em
Disfunções de Leitura e Escrita)
Por trás das palavras é que
mora a verdade. As palavras são apenas e exatamente o que são: fragmentos
escolhidos de nossos verdadeiros pensamentos. Não tornamos público, na íntegra,
o que nos vai na alma por uma simples razão: caso o fizéssemos, acabaríamos a
sós. E, nada nos assusta mais do que nossa própria companhia.
A despeito de nossa
desesperada necessidade de categorizar tudo, não existem corajosos e covardes
puros. Coragem ou covardia são acessórios que habilmente aprendemos a usar, a
depender de nossa necessidade emergente. Assumir a autoria pelos desequilíbrios
que causamos requer coragem; requer vontade confessa de abdicar da aparente
proteção de um comportamento politicamente correto. Arcar com as consequências
de uma postura rotulada como “covardia”, também requer coragem. Coragem de
admitir que somos fracos, falhos, invejosos e egoístas. Admitir que essas
mazelas fazem parte da nossa natureza nos tornaria, no mínimo, menos
hipócritas.
Colocar a necessidade do
outro adiante da nossa é uma decisão absolutamente subversiva. Requer de nós
uma ousadia que estamos longe de alcançar. Olhar para a dor ou a fraqueza do
outro à distância não nos aproxima de sua assustadora condição; mas, via de
regra, é o que damos conta de fazer. O sofrimento é interpretado por nossa
acanhada capacidade de compreensão como situações de punição ou de fatalidade.
Temos enorme dificuldade de compreender que o sofrimento, assim como a
felicidade, é o pão pronto saindo do forno. Esquecemos que para que esse pão
fique pronto, antes de qualquer coisa, é necessário que se tenha “a intenção do
pão”. É preciso planejar, contar os ovos, medir a farinha, verter o leite,
dosar a manteiga, quantificar o açúcar e o sal, lembrar que, se não houver
fermento, não haverá crescimento. E, atire a primeira pedra aquele que, na
ansiedade pelo prazer de saborear o pão, iniciou o projeto sem ter certeza de
possuir todos os ingredientes. Que fatalidade! O forno já aquecido, a batedeira
em plena função, e constata-se que, por uma negligência, não há fermento. Nesse
momento, nos vemos confrontados com nossa infantil carência das soluções
mágicas. Cabe-nos uma decisão. Teimamos em seguir adiante e aguentamos a
experiência frustrada do pão ázimo? Ou, interrompemos a missão e vamos em busca
de encontrar, lá fora de nós, o fermento esquecido? Desistimos do pão?
Como nos é penoso tomar
decisões! Como somos despreparados para os insucessos! Mal uma ideia germina em
nossa mente e já somos capazes de vislumbrar a glória. E, se somos corajosos o
suficiente para considerar o fracasso, no lugar de emergirmos de nossos casulos
tecidos de expectativas de perfeição e lançarmos mão de alguma coragem laboral,
desistimos do projeto. Somos eternas raposas desmerecendo as uvas, não porque
estejam verdes pra nós, mas sim, porque nós estamos eternamente verdes pra
elas.
Perdidos num labirinto interno,
cheio de espelhos a alimentar nossa tosca vaidade, nos transformamos em reféns
do nosso próprio delírio de paixão por nossos próprios feitos. Desesperados por
notoriedade e reconhecimento, subvertemos a ordem da lógica. Vestimos uma toga
de poder sobre a interpretação que o mundo pode fazer de nós. Acreditamos em
nossa prepotente capacidade de vender uma imagem de nós mesmos, criamos slogans
de sedução como forma de impedir o outro de nos enxergar sem a maquiagem
tridimensional.
O real significado das
nossas projeções não é covardia, é medo, um medo visceral e viscoso. É por medo
de que o mundo descubra nossa fragilidade ética que podemos cair numa armadilha
tão dourada quanto opressiva que nos leva a vender-nos ao mundo como se
fôssemos objetos de desejo numa vitrine de consumo. Olhando bem de perto, a
propaganda de extrema sinceridade, não passa de uma fraqueza travestida de
virtude. E, procuremos não nos esquecer que, antes de vomitarmos em cima do
outro nossas “definitivas verdades”, é mais honesto avaliar se somos capazes de
viver segundo o código de honra que vivemos bradando por aí, como se ele fosse
uma natural extensão de nós mesmos; quando, na verdade, somos bem pouco aptos
para honrá-lo.
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Fonte: http://www.contioutra.com: 'Abrir mão da popularidade para poder abrir os braços a quem somos de verdade'.