sexta-feira, 16 de junho de 2017

Quanto tempo a democracia suportará?

Por Carlos Melo
(Cientista político)

O destino do PSDB não tem mais importância; a legenda demonstrou que está sincronizada com a média do sistema político nacional. Nem promessas de voltar atrás no apoio ao governo Temer são relevantes. Risíveis são as declarações de que se pautaram pela ''ética da responsabilidade'', pesando meios e fins em relação ao país. Triste fim de Max Weber, acabar como sofisma em bico de tucano.
Pedantismos sociológicos à parte, o maior problema é mesmo o Brasil, hoje um vazio de ideias e lideranças; deixado à sorte da crise, sem referências que possam contornar a situação. Tão cedo, não se constituirá um centro capaz de reestruturar seu sistema político, reformando e modernizando-o. A lacuna ao centro favorecerá a polarização e o populismo, o que traz riscos evidentes.
De imediato, o que se vê é que a crise não cessará: o governo Temer é um trem descarrilhado; admite todo o tipo de concessões para se salvar e se fortalecer de modo a atropelar o que resta de instituições. Seus desmentidos não escondem intenções de que o objetivo é desqualificar os principais agentes da Lava Jato: o ministro Edson Fachin e o Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot. ''Estancar a sangria'', como disse Romero Jucá.
No quadro presente, será improvável fazer reformas estruturais e conduzir ajustes fiscais relevantes. A reforma Trabalhista, por adiantada tramitação, ainda vai; mas a da Previdência tende a ficar para as calendas — dificilmente será aprovado mais que um símbolo. Ao mesmo tempo, renegociações com estados e todo tipo de interesse que possam significar proteção política, agravarão a situação das contas públicas.
À existência de um teto de gastos, é justo imaginar cortes de investimentos e na área social; ou que venham aumentos de impostos. Também a economia será incapaz de um salto significativo; a aceleração, se houver, será lenta. Para investidores estrangeiros, o país ainda é melhor caminho para ganhos elevados do que os demais BRICS; mais cautelosos, nativos olham com apreensão, colocam o pé no freio. Dificilmente, o padrão de crescimento do primeiro trimestre se repetirá.
Ao mesmo tempo, no front político não há perspectiva de paz: as denúncias contra o presidente, sua equipe e aliados não cessarão; há, sem dúvida, muito potencial de desgastes. Enterrar a Lava Jato é sonho de dez em cada dez dos mais de trezentos picaretas que, em quase todos os partidos, estão envolvidos com ela. Mas, não há força para isso: bem ou mal, a sociedade reage. No mínimo, há um empate estabelecido. Para desespero de Jucá, o sistema continuará a sangrar.
O sistema de pesos e contrapesos da democracia foi afetado: o Tribunal Superior Eleitoral deu mostras de uma Justiça incapaz de arbitrar o conflito político; houve aí o desgaste de personagens e instituições, que, pela omissão ou ação parcial, perderam credibilidade. A possibilidade de algum avanço nesse campo ficará por conta do Supremo Tribunal Federal — a última cidadela, também cercada de controvérsia.
Logo, o país não sai da sinuca tão já. As eleições do ano que vem devem ocorrer envoltas nesse ambiente — e é plausível que o país continue encalacrado mesmo depois delas. Numa atmosfera de muita incerteza, a disputa eleitoral pode ferver ao mesmo ritmo das tensões sociais, com retroalimentação de ambos. PT, Ciro Gomes, Marina Silva, Jair Bolsonaro, João Doria; nomes colocados, qual seria capaz de abrir diálogos, propor pactos e estabelecer limites às contendas? De onde menos se espera é mesmo de onde nada vem.
A pergunta que não pode ser negligenciada é: quanto tempo a democracia brasileira suportará? Nossas tradições não nos garantem. Ademais, democracia não prescinde de lideranças. O diabo é enxergar onde elas estão. A ''ética da responsabilidade'' exigirá coragem para mudar, posturas morais, propostas reformistas no campo político; comunicação, diálogo e firmeza. Não há espaço para sofismar.

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Fonte: http://carlosmelo.blogosfera.uol.com.br/