segunda-feira, 19 de junho de 2017

O Avesso da Pele: Estão Todas as Verdades à Espera em Todas as Coisas

De algum modo, penso eu, todos aqueles que vivem a universidade como algo que não se deve confundir com o 'jogo de espertezas', com o discurso populista (à direita e à esquerda) e com o rebaixamento ético e de qualidade que atualmente atenta contra ela como centro do conhecimento sistematizado, sentem quando a instituição universitária perde um dos seus membros comprometidos com o seu métier. Assim falo a propósito do suicídio do Professor Waldir Pedrosa Amorim, Professor de gastroenterologia da UFPB, um profissional de referência na docência e atuante na pesquisa, além das incursões pelo campo literário e pela poesia. Não vem ao caso indagações sobre as razões do ato que Albert Camus qualificou como sendo a 'decisão em torno da única questão fundamental.' Ao tomar conhecimento do fato, de imediato, lembrei-me que, por esses dias, estive a folhear um livro de poesias dele, sugestivamente intitulado 'O Avesso da Pele'. Lembrei-me também de 'Estão Todas as Verdades à Espera em Todas as Coisas', de Walt Whitman.  

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Estão todas as verdades
à espera em todas as coisas:
não apressam o próprio nascimento
nem a ele se opõem,
não carecem do fórceps do obstetra,
e para mim a menos significante
é grande como todas.
(Que pode haver de maior ou menor
que um toque?)

Sermões e lógicas jamais convencem
o peso da noite cala bem mais
fundo em minha alma.

(Só o que se prova
a qualquer homem ou mulher,
é que é;
só o que ninguém pode negar,
é que é.)

Um minuto e uma gota de mim
tranquilizam o meu cérebro:
eu acredito que torrões de barro
podem vir a ser lâmpadas e amantes,
que um manual de manuais é a carne
de um homem ou mulher,
e que num ápice ou numa flor
está o sentimento de um pelo outro,
e hão de ramificar-se ao infinito
a começar daí
até que essa lição venha a ser de todos,
e um e todos nos possam deleitar
e nós a eles. 

('Estão Todas as Verdades à Espera em Todas as Coisas', Walt Whitman,  in Leaves of Grass, traduzido como  Folhas da Erva - antologia, seleção e tradução de José Agostinho Batista, Assírio e Alvin Editora, Lisboa, 2003)