Diz-me um amigo que, nestes tempos que estamos a viver, a impressão que se tem "é que a natureza está a fazer os bons partirem com mais frequência". Não vou por aí, mas a partida de algumas pessoas desola e deixa a humanidade menor. Faleceu Miguel Urbano Rodrigues, um homem de causas, com o qual podia-se não se concordar inteiramente com os seus pontos de vista, sem que isso significasse, contudo, desconhecer a sua estatura. Combatente antifascista, quando Portugal vivia a ditadura de Salazar, viu-se obrigado a deixar o país. Exilou-se no Brasil. Dono de uma escrita afiada, aos 91 anos, mantinha-se numa atividade intensa na cidade do Porto, e, em seus textos, não se cansava de pugnar por uma vida cheia de sentido e por um mundo melhor. Equivoca-se em aspectos da apreciação política? É provável, mas essa é uma questão para os juízos da história. Ao despedir-se da filha na última visita que lhe fez em Paris, disse: "não te verei mais, mas não tem importância". Ela não acreditou na profecia do pai, narrando a despedida nos seguintes termos: "Será que depois de
tantas despedidas esta é mesmo a última? – pensei, ao acompanhar o carro
deslizar no asfalto até se perder no lusco fusco do amanhecer. Com ele aprendi que a vida é uma paixão eterna e
que o amor acaba. Mas renasce. Não se sabe de onde nem por quê. E que pode ser
novamente tão inesperado, tão vasto e tão intenso, como se fosse uma coisa de
Deus. Mesmo que Deus não exista." E ainda regista: (...) Apesar de polêmico, era calmo. Não levantava a voz numa discussão. E
quando se irritava, ria. A política sempre foi o centro de sua vida. Quando eu era pequena, ele a
tratava como uma opção pelo sacrifício, como um desprendimento por um mundo
melhor. Já mais velho conseguiu construir pontes afectivas com os netos, que
passavam pelo conhecimento da geografia, pelo prazer de ensiná-los a jogar
bridge ou por algo que emanava dele absolutamente sedutor, apesar de todas as
suas contradições. Quando o visitava no
Porto, onde passou a residir nos últimos anos, ficava impressionada com suas
conexões e com a vida social que mantinha numa fase tão avançada da vida. De
manhã caminhávamos cinco quilômetros pelo calçadão que margeia o Douro e íamos
ao café onde ele ia todas as manhãs para ler o jornal, antes de sentar para escrever" (conforme carta publicada no jornal Expresso).