Por Laura Carvalho
(Faculdade de Economia - USP)
Reagindo à greve geral convocada para esta sexta-feira (28)
contra as reformas do governo Temer, o prefeito João
Doria declarou que a "reforma da Previdência não afeta ninguém" e que
a trabalhista muda uma "legislação arcaica que prejudica a todos".
Segundo ele, a lei
trabalhista atual "não protege o trabalhador. Ela prejudica, à medida que
não gera mais empregos".
Poucos temas na economia
são mais controversos do que os efeitos da flexibilização de leis trabalhistas
sobre a criação de postos de trabalho.
Os estudos existentes para
sustentar a hipótese defendida por Doria carecem, no mínimo, de robustez
estatística. A proliferação de estudos sugerindo o contrário —ou seja, que a
desregulamentação do mercado de trabalho não eleva, ou até prejudica, o nível
de emprego— parece ter levado a uma mudança de posição até mesmo de alguns
organismos multilaterais que costumavam preconizar maior flexibilidade.
O relatório de 2003 do
Banco Mundial "Economies Perform Better In Coordinated Labor Markets"
concluiu, por exemplo, que, "ao nível macroeconômico, taxas maiores de
sindicalização levam a uma menor desigualdade nos rendimentos e podem aumentar
a performance econômica (na forma de taxas menores de desemprego e inflação e
resposta mais rápida aos choques)".
Mas o debate sobre o
suposto dilema entre garantir direitos de trabalhadores e aumentar o dinamismo
e a eficiência econômica ganhou complexidade com o advento das novas
tecnologias de informação e comunicação e com a chamada "uberização"
no mercado de trabalho.
Como apontam Jacques
Barthélémy e Gilbert Cette no livro "Trabalhadores no Século 21",
trabalhadores independentes do ponto de vista jurídico também ficam
frequentemente em situação de dependência econômica em relação às empresas
prestadoras, que detêm o poder de fixação de preços, sanção e interrupção das
relações de trabalho.
A greve de motoristas de
Uber em dezembro de 2016 em Paris trouxe à tona esse desequilíbrio e jogou
ainda mais luz em um desafio hoje global: como adaptar-se à criação dessas
novas atividades sem desproteger e precarizar trabalhadores?
O caminho defendido por
Barthélémy e Cette não é nem transformar todos os trabalhadores independentes
em assalariados nem manter o status quo. O que os autores propõem é a garantia
de direitos a todos os trabalhadores em estado de subordinação —assalariados ou
não.
Para eles, um código amplo
de novos "direitos da atividade profissional", que não substitui os
direitos dos trabalhadores assalariados, teria de preservar para o chamado
"cidadão-trabalhador" o direito à saúde, à renda razoável e à
aposentadoria digna, além de impedir a ruptura de contratos de um dia para o
outro, por exemplo.
Construir uma agenda para
a modernidade não significa, portanto, confundir trabalhadores autônomos em
clara situação de dependência econômica com os empreendedores altamente
qualificados da era da internet e do "home office", que também
proliferam em todo o mundo.
Em ambos os casos,
"não ter patrão" pode até ser objeto de escolha —em um contexto de
desemprego crescente e falta de oportunidades no mercado formal de trabalho,
fica mais difícil dizer—, mas há graus distintos de subordinação.
No Brasil, a criação do
status de MEI (microempreendedor individual) e a PEC das Domésticas, por
exemplo, aprofundaram o debate sobre essa agenda, concordando-se ou não com o
formato final das legislações.
Na reforma trabalhista, aprovada
na Câmara nesta quarta (26), por sua vez, além da falta de debate com a sociedade,
não há modernidade alguma. Afinal, não há nada de mais arcaico do que aumentar
ainda mais o poder dos que já o têm de sobra.
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Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/laura-carvalho/. Título original: 'Reforma trabalhista não responde aos desafios do século XXI'.