Homem do Leme (escultura de Henrique Moreira) - Foz do Douro, Porto |
"Quando olhamos para o
passado com os olhos do presente, deparamo-nos com cemitérios imensos de
futuros abandonados, lutas que abriam novas possibilidades mas foram
neutralizadas, silenciadas ou desvirtuadas, futuros assassinados ao nascer ou
mesmo antes, contingências que decidiram a opção vencedora depois atribuída ao
sentido da história. Nesses cemitérios, os futuros abandonados são também
corpos sepultados, muitas vezes corpos que apostaram em futuros errados ou
inúteis. Venerarmo-los ou execrarmo-los consoante o futuro que eles e elas
quiseram coincide ou não com o que queremos para nós. Por isso choramos os
mortos, mas nunca os mesmos mortos. Para que não se pense que os exemplos
recentes se reduzem aos suicidas bombistas, mártires para uns, terroristas para
outros, em 2014 houve duas celebrações do assassínio do arquiduque Francisco
Ferdinando e sua esposa em Sarajevo, e que conduziu à I Guerra Mundial. Num
bairro da cidade, bósnios croatas e muçulmanos celebraram o monarca e a esposa,
enquanto noutro bairro, bósnios sérvios celebraram Gravilo Princip que os
assassinou, e até lhe fizeram uma estátua.
No início do século XXI, a
ideia de futuros abandonados parece obsoleta, aliás tanto quanto a própria
ideia de futuro. O futuro parece ter estacionado no presente e estar disposto a
ficar aqui por tempo indeterminado. A novidade, a surpresa, a indeterminação
sucedem-se tão banalmente que tudo o que de bom como de mau estava
eventualmente reservado para o futuro está a ocorrer hoje. O futuro
antecipou-se a si próprio e caiu no presente. A vertigem do tempo que passa é
igual à vertigem do tempo que pára. A banalização da inovação vai de par com a
banalização da glória e do horror."
(Trecho extraído do artigo 'Para que o futuro seja de novo possível', de Boaventura de Sousa Santos, in JL - Jornal de Letras, Artes e Ideias, Matosinhos: nº 1214, edição da semana de 12 a 15 de abril de 2017, pág. 31)