quinta-feira, 13 de abril de 2017

A vertigem do tempo que passa, a antecipação do futuro e a banalização do presente

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Homem do Leme (escultura de Henrique Moreira) - Foz do Douro, Porto

"Quando olhamos para o passado com os olhos do presente, deparamo-nos com cemitérios imensos de futuros abandonados, lutas que abriam novas possibilidades mas foram neutralizadas, silenciadas ou desvirtuadas, futuros assassinados ao nascer ou mesmo antes, contingências que decidiram a opção vencedora depois atribuída ao sentido da história. Nesses cemitérios, os futuros abandonados são também corpos sepultados, muitas vezes corpos que apostaram em futuros errados ou inúteis. Venerarmo-los ou execrarmo-los consoante o futuro que eles e elas quiseram coincide ou não com o que queremos para nós. Por isso choramos os mortos, mas nunca os mesmos mortos. Para que não se pense que os exemplos recentes se reduzem aos suicidas bombistas, mártires para uns, terroristas para outros, em 2014 houve duas celebrações do assassínio do arquiduque Francisco Ferdinando e sua esposa em Sarajevo, e que conduziu à I Guerra Mundial. Num bairro da cidade, bósnios croatas e muçulmanos celebraram o monarca e a esposa, enquanto noutro bairro, bósnios sérvios celebraram Gravilo Princip que os assassinou, e até lhe fizeram uma estátua.
No início do século XXI, a ideia de futuros abandonados parece obsoleta, aliás tanto quanto a própria ideia de futuro. O futuro parece ter estacionado no presente e estar disposto a ficar aqui por tempo indeterminado. A novidade, a surpresa, a indeterminação sucedem-se tão banalmente que tudo o que de bom como de mau estava eventualmente reservado para o futuro está a ocorrer hoje. O futuro antecipou-se a si próprio e caiu no presente. A vertigem do tempo que passa é igual à vertigem do tempo que pára. A banalização da inovação vai de par com a banalização da glória e do horror."

(Trecho extraído do artigo 'Para que o futuro seja de novo possível', de Boaventura de Sousa Santos, in JL - Jornal de Letras, Artes e Ideias, Matosinhos:  nº 1214, edição da semana de 12 a 15 de abril de 2017, pág. 31)