Aristotelicamente, tenho pouca (ou nenhuma mesmo) apetência pelos extremismos, sobretudo nestes tempo de intolerância e beligerância política. Talvez por isso, embora não só, tenha estado a me recursar a apor assinatura em muitos manifestos que me chegam. Adotei, contudo, uma posição diferente ao que aí abaixo reproduzo. Mesmo que tenha divergência com alguns dos seus realces, concordo com a maior parte do que ele assinala. De resto, a gravidade da crise brasileira chegou a um ponto tal que é a própria ideia de país que está em jogo, sendo visíveis os riscos do seu esfacelamento, cenário esse de fortes impactos sobre os segmentos da população menos favorecidos (pessoas dos outros segmentos, ao sinal de consumação da catástrofe, pegam o passaporte e deixam o país). Num contexto como esse, divergências pontuais entre os democratas e progressistas devem ser atenuadas em favor da convergência de iniciativas. Sobretudo quando começam a surgir manifestações de autoritarismo regressivo, como a que defende o descarte da Constituição. Segue o Manifesto do Projeto Nação Brasil, que tem como signatários originais, dentre outros, os economistas Bresser-Pereira e Luiz Gonzaga Belluzo, o escritor Raduan Nassar, o físico Rogério C. Leite, o historiador Alfredo Bosi, a psicóloga Ecléa Bosi, a psicanalista Maria Rita Kehl, o antropólogo Otávio Velho e a socióloga Laura Veiga.
O Brasil vive uma crise sem
precedentes. O desemprego atinge níveis assustadores. Endividadas, empresas
cortam investimentos e vagas. A indústria definha, esmagada pelos juros reais
mais altos do mundo e pelo câmbio sobreapreciado. Patrimônios construídos ao
longo de décadas são desnacionalizados.
Mudanças nas regras de conteúdo local atingem a produção
nacional. A indústria naval, que havia renascido, decai. Na infraestrutura e na
construção civil, o quadro é de recuo. Ciência, cultura, educação e tecnologia
sofrem cortes.
Programas e direitos sociais estão ameaçados. Na saúde e
na Previdência, os mais pobres, os mais velhos, os mais vulneráveis são alvo de
abandono.
A desigualdade volta a aumentar, após um período de
ascensão dos mais pobres. A sociedade se divide e se radicaliza, abrindo espaço
para o ódio e o preconceito.
No conjunto, são as ideias de nação e da solidariedade
nacional que estão em jogo. Todo esse retrocesso tem apoio de uma coalizão de
classes financeiro-rentista que estimula o país a incorrer em deficits em conta
corrente, facilitando assim, de um lado, a apreciação cambial de longo prazo e
a perda de competitividade de nossas empresas, e, de outro, a ocupação de nosso
mercado interno pelas multinacionais, os financiamentos externos e o comércio
desigual.
Esse ataque foi desfechado num momento em que o Brasil se
projetava como nação, se unindo a países fora da órbita exclusiva de
Washington. Buscava alianças com países em desenvolvimento e com seus vizinhos
do continente, realizando uma política externa de autonomia e cooperação. O
país construía projetos com autonomia no campo do petróleo, da defesa, das
relações internacionais, realizava políticas de ascensão social, reduzia
desigualdades, em que pesem os efeitos danosos da manutenção dos juros altos e
do câmbio apreciado.
Para o governo, a causa da grande recessão atual é a
irresponsabilidade fiscal; para nós, o que ocorre é uma armadilha de juros
altos e de câmbio apreciado que inviabiliza o investimento privado. A política
macroeconômica que o governo impõe à nação apenas agravou a recessão. Quanto
aos juros altíssimos, alega que são “naturais”, decorrendo dos déficits
fiscais, quando, na verdade, permaneceram muito altos mesmo no período em que o
país atingiu suas metas de superávit primário (1999-2012).
Buscando reduzir o Estado a qualquer custo, o governo
corta gastos e investimentos públicos, esvazia o BNDES, esquarteja a Petrobrás,
desnacionaliza serviços públicos, oferece grandes obras públicas apenas a
empresas estrangeiras, abandona a política de conteúdo nacional, enfraquece a
indústria nacional e os programas de defesa do país, e liberaliza a venda de
terras a estrangeiros, inclusive em áreas sensíveis ao interesse nacional.
Privatizar e desnacionalizar monopólios serve apenas para
aumentar os ganhos de rentistas nacionais e estrangeiros e endividar o país.
O governo antinacional e antipopular conta com o fim da
recessão para se declarar vitorioso. A recuperação econômica virá em algum
momento, mas não significará a retomada do desenvolvimento, com ascensão das
famílias e avanço das empresas. Ao contrário, o desmonte do país só levará à
dependência colonial e ao empobrecimento dos cidadãos, minando qualquer projeto
de desenvolvimento.
Para voltar a crescer de forma consistente, com inclusão
e independência, temos que nos unir, reconstruir nossa nação e definir um
projeto nacional. Um projeto que esteja baseado nas nossas necessidades,
potencialidades e no que queremos ser no futuro. Um projeto que seja fruto de
um amplo debate.
É isto que propomos neste manifesto: o resgate do Brasil, a construção nacional.
É isto que propomos neste manifesto: o resgate do Brasil, a construção nacional.
Temos todas as condições para isso. Temos milhões de
cidadãos criativos, que compõem uma sociedade rica e diversificada. Temos
música, poesia, ciência, cinema, literatura, arte, esporte – vitais para a
construção de nossa identidade.
Temos riquezas naturais, um parque produtivo amplo e
sofisticado, dimensão continental, a maior biodiversidade do mundo. Temos
posição e peso estratégicos no planeta. Temos histórico de cooperação
multilateral, em defesa da autodeterminação dos povos e da não intervenção.
O governo reacionário e carente de legitimidade não tem
um projeto para o Brasil. Nem pode tê-lo, porque a ideia de construção nacional
é inexistente no liberalismo econômico e na financeirização planetária.
Cabe a nós repensarmos o Brasil para projetar o seu
futuro – hoje bloqueado, fadado à extinção do empresariado privado industrial e
à miséria dos cidadãos.
Nossos pilares são: autonomia nacional, democracia, liberdade individual,
desenvolvimento econômico, diminuição da desigualdade, segurança e proteção do
ambiente – os pilares de um regime desenvolvimentista e social.
Para termos autonomia nacional, precisamos de uma política externa independente, que valorize um maior entendimento entre os países em desenvolvimento e um mundo multipolar.
Para termos autonomia nacional, precisamos de uma política externa independente, que valorize um maior entendimento entre os países em desenvolvimento e um mundo multipolar.
Para termos democracia, precisamos recuperar a credibilidade e a transparência
dos poderes da República. Precisamos garantir diversidade e pluralidade nos
meios de comunicação. Precisamos reduzir o custo das campanhas eleitorais, e
diminuir a influência do poder econômico no processo político, para evitar que
as instituições sejam cooptadas pelos interesses dos mais ricos.
Para termos Justiça, precisamos de um Poder Judiciário
que atue nos limites da Constituição e seja eficaz no exercício de seu papel.
Para termos segurança, precisamos de uma polícia capacitada, agindo de acordo
com os direitos humanos.
Para termos liberdade, precisamos que cada cidadão se
julgue responsável pelo interesse público.
Precisamos estimular a cultura, dimensão fundamental para
o desenvolvimento humano pleno, protegendo e incentivando as manifestações que
incorporem a diversidade dos brasileiros.
Para termos desenvolvimento econômico, precisamos de
investimentos públicos (financiados por poupança pública) e principalmente
investimentos privados. E para os termos precisamos de uma política fiscal,
cambial socialmente responsáveis; precisamos de juros baixos e taxa de câmbio
competitiva; e precisamos ciência e tecnologia.
Para termos diminuição da desigualdade, precisamos de
impostos progressivos e de um Estado de bem-estar social amplo, que garanta de
forma universal educação, saúde e renda básica. E precisamos garantir às
mulheres, aos negros, aos indígenas e aos LGBT direitos iguais.
Para termos proteção do ambiente, precisamos cuidar de nossas florestas,
economizar energia, desenvolver fontes renováveis e participar do esforço para
evitar o aquecimento global.
Neste manifesto inaugural, estamos nos limitando a definir as políticas públicas de caráter econômico. Apresentamos, assim, os cinco pontos econômicos do Projeto Brasil Nação:
Neste manifesto inaugural, estamos nos limitando a definir as políticas públicas de caráter econômico. Apresentamos, assim, os cinco pontos econômicos do Projeto Brasil Nação:
1) Regra fiscal que permita a atuação contracíclica do
gasto público, e assegure prioridade à educação e à saúde.
2) Taxa básica de juros em
nível mais baixo, compatível com o praticado por economias de estatura e grau
de desenvolvimento semelhantes aos do Brasil.3) Superávit na conta corrente do balanço de pagamentos que é necessário para que a taxa de câmbio seja competitiva.
4) Retomada do investimento público em nível capaz de estimular a economia e garantir investimento rentável para empresários e salários que reflitam uma política de redução da desigualdade.
5) Reforma tributária que torne os impostos progressivos.
Esses cinco pontos são metas
intermediárias, são políticas que levam ao desenvolvimento econômico com
estabilidade de preços, estabilidade financeira e diminuição da desigualdade.
São políticas que atendem a todas as classes exceto a dos rentistas.
A missão do Projeto Brasil Nação é pensar o Brasil, é
ajudar a refundar a nação brasileira, é unir os brasileiros em torno das ideias
de nação e desenvolvimento – não apenas do ponto de vista econômico, mas de
forma integral: desenvolvimento político, social, cultural, ambiental; em
síntese, desenvolvimento humano. Os cinco pontos econômicos do Projeto Brasil
são seus instrumentos – não os únicos instrumentos, mas aqueles que mostram que
há uma alternativa viável e responsável para o Brasil.