Segue aí abaixo o meu artigo para a próxima edição da revista portuguesa A Página da Educação. Chega primeiro por aqui.
Por Ivonaldo Leite
No
estudo de um determinado campo do conhecimento, não se busca outra coisa senão
as suas especificidades, os elementos que lhe tipificam, as características que
o definem, etc. Isto é, procura-se entender como ele se configura
concretamente. Essa procura requer a construção de categorias que permitam
compreender como se estrutura o campo e as definições dos fenômenos que ele
abriga, com esse processo significando tanto a explicação dos padrões que o
regem como da forma pela qual as suas bases constituintes se encadeiam e se
transformam na prática social.
Fora
desse modus operandi, o que se pode
ter é discurso vazio, ou, no máximo, a prevalência dos lugares-comuns. Enfoques
com esparsos méritos, mas tomados pelas limitações do óbvio: contêm grãos de
verdade, perdidos, contudo, no amálgama confuso do desarranjo
teórico-metodológico e analítico. Não se trata de negar, claro está, que os
conceitos nascem rentes à ideologia, como pretendeu a “objetividade”
positivista. Não é de outra maneira que nascem as teorias. A ideologia, em
sentido clássico, reflete de forma inversa (e por vezes perversa) partes do
real. A démarche científica labora
sobre ideias anteriores, produzidas pelas diversas esferas da vida
(intelectual, política, econômica, cultural), e no curso das interações vai
transformando em conhecimento racional as evidências que toda relação social
implicitamente apresenta.
Assim
sendo, no teste do real para aferir a sua pertinência, a teoria se consolida na
medida em que permite ver mais claro os fenômenos que constituem a realidade. Ou
seja, trata-se de uma síntese de pensamento que reproduz uma forma de
articulação deixando transparecer os fios que tecem a diversidade de relações
que se hierarquizam e se unificam em uma determinada totalidade. Isso não significa,
no entanto, uma totalité de pensée
resultante de uma “dialética de meras abstrações”, de um pensamento que
constrói conceitos desdobrando-se e deslizando apenas sobre si mesmo. Mas, sim,
o que se tem em perspectiva é um processo histórico de produção teórico-prática
do conhecimento, pois tanto o conhecimento é a sua história como a História só
se deixa captar mediante conceitos que a organizam.
Postas
estas considerações, e nos limites deste espaço e de um artigo de opinião, o
que pretendo realçar é o colapso contemporâneo de muitas teorias produzias
sobre educação. Poder-se-á até mesmo esboçar um quadro de tipologias de teorias
em educação claramente vincadas pela inconsistência analítica.
Uma
primeira tipologia refere-se a teorias que resultam tão somente da “dialética
das abstrações”, sem nenhum respaldo empírico, sem nenhuma incidência concreta,
e isto, paradoxalmente, num campo, como é o campo educativo, que tem uma
dimensão fortemente prática.
Uma
segunda tipologia, que mantém conexão com a primeira, diz respeito às abordagens
de “segunda mão”, ou seja, enfoques construídos meramente a partir de
referências e citações a outros autores. Limitam-se à mera repetição. A
originalidade da investigação e a criatividade analítica são suplantadas pelo
ato de apenas repisar o já dito. Muitos dos textos sobre Paulo Freire padecem
dessa limitação.
Last but not least,
uma terceira tipologia concerne às perspectivas construídas a partir dos
lugares-comuns e dos chavões dos discursos das modas acadêmicas. A esse
respeito, nos últimos vinte anos, o prefixo pós
“já fez” a educação escolar ser muita coisa no plano discursivo, e ela, todavia,
continua, mutatis mutandis, a ser a
mesma, tomada por fenômenos já bastante conhecidos e por antigos problemas. É
que mesmo que se diga que o “discurso constrói a realidade”, ele não tem
valências para, de per si, alterar a
base material de um determinado contexto. Isso é matéria para a ação, para a
práxis, buscando transformar relações sociais.
O
colapso das teorias em educação, por outro lado, pode representar uma
oportunidade para que se estabeleça um padrão de análise no campo educativo em
que as abordagens não decorram de “conceitos brumosos”, mas se afirmem,
metodologicamente, como resultado da prática e da reflexão teórica
simultaneamente.