segunda-feira, 17 de abril de 2017

O colapso das teorias em educação

Segue aí abaixo o meu artigo para a próxima edição da revista portuguesa A Página da Educação. Chega primeiro por aqui. 

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Por Ivonaldo Leite

No estudo de um determinado campo do conhecimento, não se busca outra coisa senão as suas especificidades, os elementos que lhe tipificam, as características que o definem, etc. Isto é, procura-se entender como ele se configura concretamente. Essa procura requer a construção de categorias que permitam compreender como se estrutura o campo e as definições dos fenômenos que ele abriga, com esse processo significando tanto a explicação dos padrões que o regem como da forma pela qual as suas bases constituintes se encadeiam e se transformam na prática social.
Fora desse modus operandi, o que se pode ter é discurso vazio, ou, no máximo, a prevalência dos lugares-comuns. Enfoques com esparsos méritos, mas tomados pelas limitações do óbvio: contêm grãos de verdade, perdidos, contudo, no amálgama confuso do desarranjo teórico-metodológico e analítico. Não se trata de negar, claro está, que os conceitos nascem rentes à ideologia, como pretendeu a “objetividade” positivista. Não é de outra maneira que nascem as teorias. A ideologia, em sentido clássico, reflete de forma inversa (e por vezes perversa) partes do real. A démarche científica labora sobre ideias anteriores, produzidas pelas diversas esferas da vida (intelectual, política, econômica, cultural), e no curso das interações vai transformando em conhecimento racional as evidências que toda relação social implicitamente apresenta.
Assim sendo, no teste do real para aferir a sua pertinência, a teoria se consolida na medida em que permite ver mais claro os fenômenos que constituem a realidade. Ou seja, trata-se de uma síntese de pensamento que reproduz uma forma de articulação deixando transparecer os fios que tecem a diversidade de relações que se hierarquizam e se unificam em uma determinada totalidade. Isso não significa, no entanto, uma totalité de pensée resultante de uma “dialética de meras abstrações”, de um pensamento que constrói conceitos desdobrando-se e deslizando apenas sobre si mesmo. Mas, sim, o que se tem em perspectiva é um processo histórico de produção teórico-prática do conhecimento, pois tanto o conhecimento é a sua história como a História só se deixa captar mediante conceitos que a organizam.
Postas estas considerações, e nos limites deste espaço e de um artigo de opinião, o que pretendo realçar é o colapso contemporâneo de muitas teorias produzias sobre educação. Poder-se-á até mesmo esboçar um quadro de tipologias de teorias em educação claramente vincadas pela inconsistência analítica.
Uma primeira tipologia refere-se a teorias que resultam tão somente da “dialética das abstrações”, sem nenhum respaldo empírico, sem nenhuma incidência concreta, e isto, paradoxalmente, num campo, como é o campo educativo, que tem uma dimensão fortemente prática.
Uma segunda tipologia, que mantém conexão com a primeira, diz respeito às abordagens de “segunda mão”, ou seja, enfoques construídos meramente a partir de referências e citações a outros autores. Limitam-se à mera repetição. A originalidade da investigação e a criatividade analítica são suplantadas pelo ato de apenas repisar o já dito. Muitos dos textos sobre Paulo Freire padecem dessa limitação.
Last but not least, uma terceira tipologia concerne às perspectivas construídas a partir dos lugares-comuns e dos chavões dos discursos das modas acadêmicas. A esse respeito, nos últimos vinte anos, o prefixo pós “já fez” a educação escolar ser muita coisa no plano discursivo, e ela, todavia, continua, mutatis mutandis, a ser a mesma, tomada por fenômenos já bastante conhecidos e por antigos problemas. É que mesmo que se diga que o “discurso constrói a realidade”, ele não tem valências para, de per si, alterar a base material de um determinado contexto. Isso é matéria para a ação, para a práxis, buscando transformar relações sociais.
O colapso das teorias em educação, por outro lado, pode representar uma oportunidade para que se estabeleça um padrão de análise no campo educativo em que as abordagens não decorram de “conceitos brumosos”, mas se afirmem, metodologicamente, como resultado da prática e da reflexão teórica simultaneamente.