Eis aí um debate que tem emergido no contexto das universidades brasileiras: o fim dos departamentos. Muitos têm sido os argumentos invocados a favor, assinalando-se, por exemplo, que os departamentos universitários têm se tornado obsoletos, alimentando vaidades
individuais e a pequenez de disputas em torno de um ilusório poder. Na verdade, várias experiências de substituição das estruturas departamentais já estão sendo implementadas. O texto que abaixo reproduzo, sobre o assunto, é do Reitor da Universidade Federal do Recôncavo Baiano.
POR PAULO GABRIEL SOLEDADE NACIF
A ESTRUTURA departamental substituiu a organização acadêmica em cátedras
e conquistou uma hegemonia tão significativa que, num certo período, a sensação
era a de que havíamos atingido "o fim da história" no que diz
respeito aos aspectos mais importantes da organização da universidade. Não
obstante tenha sido implantada na universidade por medidas ditatoriais, a ideia
da estrutura departamental já vinha sendo discutida na academia brasileira. O
decreto-lei 252/67 instituiu o departamento como a menor fração da estrutura
universitária para efeitos de organização administrativa e didático-científica
e de distribuição de pessoal. Buscava-se a nucleação dos campos do saber,
organizados em diferentes áreas de conhecimento.
O departamento representou efetivos avanços na organização da universidade, mas
começa a ser conceitualmente superado.
Assim, buscam-se formas de garantir tais conquistas, adaptando-as a novas
estruturas, mais flexíveis e com maior capacidade de interagir.
Uma das principais críticas ao departamento o define como um nível refratário a
interações, altamente resistente a mudanças decorrentes de necessidades
institucionais ou da própria ciência que ele representa na universidade.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, publicada em 1996,
possibilitou diferentes experiências de estruturação das universidades: novos
modelos de organização das unidades acadêmicas têm surgido. No entanto, na
maior parte das instituições, o departamento mantém-se aparentemente incólume,
mas tem tido uma diminuição da importância na efetividade das atividades fins
da universidade. Isso leva alguns críticos a afirmar que o departamento já não
existe para além de instância cartorial.
Algumas mudanças circunscrevem-se às nomenclaturas, mantendo a estrutura
departamental quase intacta. A maior parte das experiências tem como foco a
ação interdisciplinar. Infelizmente, mesmo nesses casos, a realidade revela uma
distância ainda considerável da interação entre disciplinas, na busca, por
exemplo, da integração mútua dos conceitos, da epistemologia, da terminologia e
da organização do ensino e da pesquisa.
Não é raro perceber que, mesmo extinto, muitas vezes, o departamento permanece
lá, como um "membro fantasma", e muitos sonham com a sua volta para
que haja consonância entre a concepção de ciência que ainda molda o fazer
acadêmico e a ação administrativa.
As mudanças ocorrem com maior efetividade onde a proximidade das áreas de
conhecimento permite interações imediatas e, evidentemente, também não há
querelas acadêmicas e administrativas. O professor Alex Fiúza, ex-reitor da
UFPA, destaca que, "certamente, a nova estrutura, per se, não garante os
objetivos perseguidos, que sempre dependerão das motivações coletivas, do jogo
das mentalidades, da ética profissional e da atitude cidadã dos
atores".
A transformação dos departamentos em estruturas mais adequadas à universidade
contemporânea vem ocorrendo num acentuado processo assistemático.
Nas universidades públicas, isso ocorre, inclusive, porque a comunidade
acadêmica se compõe, em sua maioria, por uma geração de professores tão
especializados que ainda não foi seduzida a debates dessa natureza.
Como consequência da ausência da reflexão sistemática sobre o assunto é comum a
temerária alternativa de criação de estruturas paralelas, com sombreamentos
evidentes com as funções departamentais.
Instâncias governamentais, associação de dirigentes e sindicatos não se interessaram
ainda em produzir discussões sobre o assunto.
A extinção/mudança dos departamentos necessita ser acompanhada de uma ampla
reflexão que delineie estruturas sucessoras efetivas. Nesse aspecto, a
diferenciação entre as dimensões acadêmica e administrativa e a explicitação
dos espaços de interação e individualização dessas dimensões na universidade
ainda carecem de respostas mais refinadas.
Assim, mesmo com certo consenso de que as estruturas departamentais estão
obsoletas, elas ainda persistem, inclusive porque representam a forma de
resistência à superação das antigas linhas de demarcação, que significam não
apenas interesses menores, como muitos destacam, mas também, ressalte-se,
porque representam um "porto seguro" num período de tantas indefinições
paradigmáticas em todos os domínios do saber.
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